Como é de
nosso conhecimento, a expansão colonial portuguesa nos trópicos, impulsionou a
conquista de vastos territórios em detrimento da população nativa de Pindorama.
Obtendo suporte ideológico da Igreja e da Coroa Portuguesa, diversos bandos de
aventureiros, partindo da Vila de São Paulo dos Campos de Piratininga,
desbravaram os “sertões inóspitos”, além da linha de Tordesilhas, deixando um
rastro sangrento de morte, destruição e aprisionamento dos autóctones,
tornando-os meros escravos. Como em suas expedições tais aventureiros levavam
uma bandeira como estandarte, seus integrantes ficaram conhecidos pelo epíteto
de “bandeirantes”. Conhecidos e temidos ao longo dos registros históricos, onde
eram relatados como “bandidos, assassinos vis, filhos do diabo, etc.”, os
bandeirantes, apesar de ampliarem, à custa da Espanha, o tamanho da colônia
portuguesa, tiveram de ser contidos pelas armas reais, após desafiarem as
autoridades coloniais lusas. O fato ocorreu em fins da Guerra dos Emboabas
(1707-1709), encerrando-se o chamado “ciclo das bandeiras” e a pseudoautonomia
da Capitania de São Paulo, extinta em 1748 e restaurada em 1765 sob severo
controle da Coroa.
A historiografia oficial, principalmente
paulista, transformou os salteadores e assassinos em heróis, após a Revolução
Constitucionalista com a criação do mito do bandeirante. Dessa forma passou a
ser divulgada nos meios escolares a epopéia bandeirante, onde os mesmos foram
retratados como baluartes da civilização e do progresso, enfrentando diversos
perigos para fazerem a grandeza do Brasil, tendo como base e referência a terra
e o povo paulista. Bem sabemos que a história oficial omite os massacres
realizados pelos “desbravadores” e “heróis” paulistas. Porém, tanto na fase de
preagem do indígena como na da extração aurífera, os paulistas fundaram
povoados que tornar-se-iam grandes cidades, triunfantes sobre as pobres aldeias
nativas. As bandeiras seguiam os cursos de rios como o Tietê, chamado pelos
índios de Anhembi, com destino as aldeias do Guaira – atualmente Paraguai,
partes de Mato Grosso do Sul e do Paraná.
Todavia, alguns grupos seguem um sentido
oposto, através do curso do Rio Paraíba do Sul, no encalço dos Puris,
empurrando-os para a Serra da Mantiqueira e transpondo-a na Garganta do Embaú.
Percorrendo o território valeparaibano, os bandeirantes fundam os núcleos de
futuras cidades como Taubaté, Guaratinguetá, Jacareí, Pindamonhangaba, Lorena e
outras. Tais núcleos foram instalados na margem direita do Paraíba, junto à
trilha utilizada por índios e bandeirantes que, mais tarde foi usada por
D.Pedro I na viagem ao Ipiranga, ficando depois conhecida pelo nome de Estrada
Geral. Atualmente é a Estrada Velha Rio - São Paulo . Porém, alguns povoados
surgiram fora desse roteiro, através da ocupação e concessão de sesmarias ou
por iniciativa oficial de cunho militarista, como é o caso de São Luiz do
Paraitinga, incentivada pelo Capitão–General da Capitania de São Paulo, Dom
Luis Antônio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, na segunda metade do
século XVIII. Em decorrência da intensificação do processo colonizador, surge,
ainda que um pouco distante da rota obrigatória do Sertão dos Cataguases (Minas
Gerais), um novo núcleo de povoação em terras taubateanas ao longo de um
caminho que abria uma clareira na mata, a que os indígenas chamavam de
caá-sapab, que na língua tupi significa a própria clareira. Nos antigos
documentos oficiais, o pequeno arraial, pertencente à Vila de Taubaté foi
grafado como Cassapaba, Caassapaba e Cassapava e foi a célula-máter do atual
Município de Caçapava. Há divergências entre os historiadores quanto ao
fundador de Caçapava. Em “A Origem dos Nomes dos Municípios Paulistas”, os
autores Ênio Squeff e Helder Peri Ferreira
afirmam que o arraial de Caçapava surgiu em terras do bandeirante Jorge
Dias Velho, opinião partilhada por Nice Lecocq Müller, apesar de admitir a
possibilidade de o fundador ter sido o sertanista Thomé Portes Del Rey. Essa
segunda hipótese é defendida por Basílio de Magalhães e Azevedo Marques, este
último autor da conceituadíssima obra intitulada “Apontamentos Históricos e
Geográficos da Província de São Paulo”.
Porém, independente de quem tenha sido o real
fundador do novo povoado ou proprietário das terras, o fato é que o arraial,
iniciado em 1705 ao redor da capela de Nossa Senhora da Ajuda, dotada de
patrimônio em 1706, já contava com 177 fogos em 1724. Em documentos antigos é
conhecido como “arraial de Cassapaba”, bairro da Vila de Taubaté. Ao longo de
todo o restante do século XVIII, o pequeno povoado de Cassapaba mantém-se
estagnado e sem maiores projeções políticas ou econômicas. Permanecendo sob a
órbita de Taubaté, o arraial sobrevive praticando uma economia de subsistência.
Somente em 1813, é que seria criada a Freguesia de Nossa Senhora da Ajuda de
Caçapava, através do Alvará Régio de 18 de março do mesmo ano, cuja paróquia é
desmembrada da de Taubaté. No entanto, como já foi mencionado, o arraial, agora
elevado à freguesia situava-se distante da Estrada Geral, o que poderia
impactar negativamente no seu desenvolvimento. Em decorrência desse fato, no
dia 31 de março de 1850, através de lei
provincial, a sede da freguesia é removida para a capela de São João Batista,
dentro dos seus limites , ainda parte integrante da Vila de Taubaté, ficando o
antigo arraial entregue ao seu destino. E é nesse novo local, às margens da
Estrada Geral, que é criada a Vila de Caçapava, através de outra lei
provincial, de 14 de julho de 1855, dando origem à atual cidade de Caçapava.
Quanto ao velho povoado, tornou-se bairro do novo município com o nome de
Caçapava Velha, o que se mantém até os dias atuais.
Nesse ínterim, a base da economia valeparaibana
era a produção cafeeira realizada pela mão-de-obra escrava. Dentre algumas fazendas de café de Caçapava,
destacamos a Fazenda do Tanque, localizada no bairro da Terra e a Fazenda Bom
Retiro, no bairro do Guamirim. Em 1860, a Vila de Caçapava produzia
aproximadamente duzentas mil arrobas de café, além de cultivar cana-de-açúcar,
fumo e gêneros alimentícios. A informação é do viajante português Augusto
Emílio Zaluar que passou por Caçapava durante o seu périplo pela Província de
São Paulo, entre 1860 e 1861. Zaluar cita também grandes criações de porcos,
vendidos para Taubaté e vilas vizinhas. No relato do viajante está registrado
que “Caçapava é uma vila de aspecto triste, cujas casas ficam de uma e outra
margem da estrada (...). Os moradores do lugar queixam-se da falta de uma
cadeia e de não terem uma casa da câmara, pois se vêem obrigados a reunir a municipalidade em casa
de um particular”. Ou seja, Caçapava era um município emancipado, mas não
possuía sequer estrutura político-administrativa e judicial para a edilidade
desenvolver o seu papel legislativo, de forma eficiente. Com o advento da
ferrovia, a situação tende a se modificar, pois o novo sistema de transporte,
propicia um escoamento da produção em menor tempo, além de proporcionar viagens
tranquilas para os passageiros entre Rio e São Paulo. Partindo da capital da Província,
os trilhos da Estrada de Ferro São Paulo - Rio de Janeiro chegam a Caçapava no
dia 1° de outubro de 1876, quando é inaugurada a estação ferroviária.
Entrementes, a população de Caçapava
quando da chegada do trem, somava 8.970 almas, incluindo 1.602 escravos e 272
fogos, segundo Azevedo Marques. O município possuía 16 eleitores e “duas cadeiras de instrução pública primária para
ambos os sexos.” Em Caçapava Velha, o antigo arraial , teria sido criado também
duas cadeiras de ensino primário, masculina e feminina, apesar de o local estar
relegado à segundos planos, com já citado anteriormente. Porém, no último
quartel do século XIX, Caçapava passa a se destacar no ensino de música, contando
com o trabalho dos professores Luiz Leme do Prado, Bento Amaro de Souza Pinto e
Rosa Ramos Pinto, esta exímia pianista. No ano de 1889, por iniciativa da
Câmara Municipal é organizada uma escola de música, além de uma banda
municipal, dirigida nos primórdios do século XX por Cândido Marcondes e Maria
do Carmo de Siqueira, tendo como regente o Maestro Antônio Egídio dos Santos,
mais tarde substituído por Henrique Escudero. Em 1903, Caçapava já possuía duas
bandas ( a Municipal e a 9 de julho). No ano de 1912, surge a banda Santa
Cecília,e em 1917, a Dr. Pereira de Matos, regida por Dimas Ortiz de Carvalho.
Também no crepúsculo do século XIX, Caçapava conheceu as artes cênicas, com a
instalação do teatro, localizado ao
longo da Rua Municipal, na esquina do largo São Benedito. O prédio foi
construído por Francisco Ferreira Pinto e um grupo de amigos, e mobiliado em
1898, para receber os artistas famosos da época como Ismênia Santos, Luzia
Leonardo e Nina Sanzi, que representou em Caçapava a peça “Dama das Camélias”.
Algum tempo depois o teatro transformou-se no primeiro cinema de Caçapava, o
“Elgê”, cujo proprietário era o Coronel João Dias Pereira.
No decorrer do século XX, a cidade de
Caçapava conhece um processo de crescimento,
econômico, industrial e populacional. De acordo com a análise de Nice
Lecocq Müller, o município continha uma população urbana que totalizava 6.264
pessoas em 1934. Em 1964, esse número era de 18.745. A população rural em 1934
era de 17.555, caindo para 7.670 em 1960. A autora classificou Caçapava como
pequeno centro industrial em que prevalecia a mono-indústria, fator existente
também em Pindamonhangaba, Lorena e Aparecida, segundo dados do IBGE de 1969. A cidade atuava no ramo têxtil,
contando com 4 instalações fabris, datadas de meados da década de 1930. Fora
desse contexto e, representando uma industrialização moderna, é inaugurada em
1953 a Mafersa, atuando no setor de material ferroviário; a Providro, instalada
em 1963 e uma usina da Vigor, iniciando as atividades no setor de laticínios em
1964. Atualmente, a cidade de Caçapava tenta conciliar o desenvolvimento
econômico e tecnológico com a preservação da memória histórica e tradicional da
cultura de sua população. Eventos como a celebração do dia de Corpus Christi,
com as ruas enfeitadas, o desfile dos saudosos carros-de-boi com seu ruído
característico, são manifestações culturais que resistem à passagem do tempo.
Podemos destacar também a famosa talhada, uma receita tradicional cujos
ingredientes são o gengibre, a farinha de mandioca e o melado de cana. A
talhada é popular não só em Caçapava, mas em todo o Vale do Paraíba e sua
importância tradicional e cultural equipara-se , por exemplo, à paçoca de içá
feita na histórica cidade de Silveiras. Outro produto típico de Caçapava, só superado
pelo que é produzido em São José do Barreiro, é a cachaça. As mais importantes
são a da Cabocla, do Antenor, do Aparício e a do Jannuzzi, esta desde 1919.
Contudo, devemos nos ater a um detalhe
despercebido. O local em que, atualmente se assenta o Município de Caçapava foi uma segunda opção
para os dirigentes políticos do período imperial. Como em 1850 a região já
havia sido parcialmente desmatada e já existisse a Estrada Geral, seria errôneo
em falar de “Clareira na mata”, ou “Cassapaba”, ou ainda “caá-sapab”. Tal
denominação deve ser atribuída, única e exclusivamente ao antigo arraial de
Caçapava Velha, origem do município; hoje servindo de mero bairro da cidade que
o abandonou á própria sorte. Local bucólico e parado no tempo, mas sem, no
entanto, aquele corre-corre do dia-a-dia com trânsitos infernais. Pensando bem,
a população de Caçapava Velha deve ser mais feliz do que a do centro urbano.
Até a próxima.
Eddy
Carlos.
Dicas para
consulta.
DOMENICO, Hugo Di. Estudos
de Tupi. Apontamentos de linguística
indígena como contribuição ao conhecimento do tupi. Gráfica Ativa. Taubaté,
1998.
MAIA e MAIA, Tom e Thereza Regina de Camargo. Vale do Paraíba. Vida Cultural. Fundação Nacional do Tropeirismo.
CERED.Caçapava, 1988.
______________________________________. O Vale Paulista do Rio Paraíba. Guia
Cultural. Editora Santuário. Aparecida, 2000.
MARQUES, Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos Históricos e Geográficos da Província de São Paulo.
Biblioteca Histórica Paulista. Vol.I. Livraria Martins Editora. São Paulo,
1976.
MÜLLER, Nice Lecocq. O
Fato Urbano na Bacia do Rio Paraíba. São Paulo. Fundação IBGE. Rio de
Janeiro, 1969.
SQUEFF e FERREIRA, Ênio e Hélder Perri. A
Origem dos Nomes dos Municípios Paulistas. Imprensa Oficial /CEPAM. São
Paulo, 2003.
ZALUAR, Augusto Emílio. Peregrinação pela Província de São Paulo (1860-1861). Biblioteca
Histórica Paulista. Vol . II. Livraria Martins Editora. São Paulo, 1976.
E-mail:
eddycarlos@ymail.com
Parecidíssima com a Histórica de Caçapava do Sul, RS. Aqui a clareira era habitada pelos índios Charruas. Estive aí em Caçapava, SP e achei a cidade também muito parecida com Caçapava do Sul.
ResponderExcluirTenho o lindíssimo livro do Tom Maia,a bico de pena.
ResponderExcluirSou de Caçapava-São Paulo.
Residi muito tempo em São Paulo e agora em São José dos Cambos.
Parabéns,professor, pela publicação!!
*São José dos Campos
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