FONTE: fotografia do autor.
A colonização ibérica no território
sul-americano recriou, praticamente, a estrutura de poder vigente na Europa,
com todos os seus segmentos político-administrativos. Oriunda desde os tempos
medievais, Portugal e Espanha transportaram para os trópicos, a especificidade
de conceder títulos de nobreza a indivíduos que apoiassem ou prestassem
“relevantes serviços” à realeza, apesar de no Velho Mundo, exigir-se a pureza
do sangue como condição primária para tal. Após fugir de Portugal, diante do
avanço das forças de Napoleão e, escoltado pela Armada Britânica, D.João VI
estabelece no Brasil as bases do novo Império Português e, com a criação da
Corporação de Armas em 8 de maio de 1810, estabelece os critérios para a
concessão dos títulos de nobreza. De 1808 a 1820 (ano do retorno a Portugal, após a
Revolução do Porto) Dom João nomeou 254 titulares, sendo 11 duques, 38
marqueses, 64 condes, 91 viscondes e 31 barões, garantindo, ainda os títulos
aos que já possuíam em Portugal, antes da invasão francesa. Com a
independência, Dom Pedro I prossegue o rito nobiliárquico e até 1830 criaria
119 nobres, sendo 2 duques, 27 marqueses, 8 condes, 38 viscondes com grandeza e
4 sem grandeza, 20 barões, aproximadamente. Durante o Segundo Reinado, Dom Pedro
II concederia 1.439 títulos de nobreza, introduzindo porém, um critério baseado
no mérito e não apenas no nascimento, comum nas cortes europeias. Isso
proporcionava que um só indivíduo pudesse obter mais de um título. Dessa forma,
se em diversas ocasiões especiais aproveitava-se para a concessão dos referidos
títulos, em vários casos era o desempenho do homenageado que era levado em
consideração, principalmente durante e após a Guerra do Paraguai.
No panteão da nobreza imperial brasileira
vingavam outras hierarquias. Apesar de serem nobres, poucos ostentavam o título
de “grandes do império”. Apenas honorífico, esse privilégio, embora inerente
aos condes, marqueses e duques, era reconhecido somente aos barões e viscondes
“com grandeza”. Outra forma de agraciamento imperial era a concessão da comenda
das Ordens de Cristo e a do Cruzeiro do Sul. O beneficiado passava a ser
reconhecido como Comendador, ou seja, aquele que possui a comenda. Como
exemplo, podemos citar os dois Comendadores de Bananal que, contudo não
conseguiram o baronato que tanto almejavam, Luciano José de Almeida, proprietário
da Fazenda Boa Vista e seu genro, Manoel
de Aguiar Vallim, da Fazenda Resgate.
Entretanto, antes de prosseguirmos em
nossa análise, torna-se imperativo compreender o significado dos títulos
nobiliárquicos em questão e, assim entender o seu significado no contexto
histórico. Começamos pelo “duque”, do latim “dux”, “aquele que conduz as tropas”,
o título de maior importância conferido pelo monarca. O “marquês” provém do
alemão “mark”, significando marca ou sinal e representava aquele que governava
a fronteira, sendo por isso denominado, junto com seus funcionários, de
marqueses. Da palavra latina “comes” que significava “companheiro” ou “assessor
do soberano”, derivou “conde”, título vinculado à posse de terra, o condado;
“visconde”, do latim medieval “vicecomes”, os quais os condes designavam para
substituição na esfera governamental. Por fim, o “barão”, também do latim,
“baro”, relacionado a varão e “homem valente junto ao rei nos combates”.
Todavia, o sentido imediato dos títulos foi diluindo-se, pois ao longo dos
anos, os mesmos passaram a representar apenas um meio de disputar as benesses imperiais
da corte. Além do título, os homenageados eram autorizados a ostentar uma coroa
simbólica, juntamente com o brasão de armas, cuja elaboração obedecia critérios
rigorosos de heráldica de cada titular e frases em latim. Podemos
citar como exemplo o brasão de Irineu Evangelista de Sousa que, embora
significasse projeto de modernidade industrial para o império, deixou-se
encantar com o lado da nobreza, sendo nomeado Barão de Mauá. A historiadora Lília
Moritz Schwarcz afirma que no brasão de Mauá “figuram uma locomotiva a vapor
negra e trilhos, um navio a vapor e quatro lampiões de gás, símbolos pouco
usuais na heráldica brasileira mas
reveladores do papel do empresário.”
Geralmente predominavam nos brasões figuravam ramos de café, além de animais,
como bezerro, pavões, lobos, leões, carneiros, etc. Outro elemento de destaque
nos brasões relacionava-se ao “saber”, como livros, penas, globos e compassos,
etc.
No
entanto, apesar de “concedidos”, os agraciados tinham que pagar as “cartas de mercês” que conferia os títulos,
além de taxas, selos e demais impostos ao cartório da nobreza, denominado de
“Nobre Corporação dos Reis de Nobres Armas”, instalado em 1810 no Rio de
Janeiro. No ano de 1879, tais “cartas de mercês” eram avaliadas em pequenas fortunas.
A de duque custava no ano mencionado a soma de 2:450$000 (dois contos e
quatrocentos e cinquenta mil réis); de marquês, 2:020$000; conde, visconde e
barão com grandeza, 1:575$000; visconde, 1: 020 $000; barão 750$000. Os gastos
adicionais burocráticos para a legalização do título podiam ultrapassar
366$000. A titulação poderia também ser progressiva, como é o caso de Luís
Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, único duque do império, tendo sido
antes Barão de Caxias em 1841, Conde de Caxias em 1845 e Marquês de Caxias em
1852. Foi nomeado duque em 1869 durante a Guerra do Paraguai. Foram agraciadas
como duquesas as filhas de D.Pedro I com Domitila de Castro Canto e Melo, Marquesa
de Santos: a primeira, Maria Isabel de Alcântara Brasileira, Duquesa de Goiás
com 2 anos de idade e outra, a Duquesa do Ceará, falecida com apenas 1 ano de
vida.
Os titulares agraciadas, como já
afirmamos, pertenciam à vários segmentos da sociedade imperial como bacharéis,
militares, políticos e fazendeiros proprietários de vastas extensões de terras
e escravos. E foram estes últimos, principalmente do Vale do Paraíba que
sustentaram a sangrenta campanha da Guerra do Paraguai, contra as forças (e o
povo) de Solano López. Do Vale partiram também “voluntários” e negros
alforriados pelos senhores cafeicultores para lutar pelo império que os
oprimia. Empréstimos externos feitos pelo governo imperial para a continuidade
da luta, forma avalizados por proprietários rurais, principalmente de Bananal e
Lorena. Em troca dos “relevantes serviços” prestados à pátria, o Império
dignificou vários potentados valeparaibanos. Até 1889, no crepúsculo da
monarquia, o imperador criou 37 nobres, sendo que somente cinco foram
anteriores ao conflito paraguaio. Para conhecermos melhor, vamos citar todos os
titulares, iniciando com a capital econômica do Império, Bananal. Em 1860 ao
passar pelo local, o viajante português Augusto Emílio Zaluar foi recebido por
José de Aguiar Vallim, Barão da Bela Vista. Em 1877, seria agraciado com o
título de Visconde de Aguiar Toledo.
Manoel de Aguiar Vallim (filho) tornou-se em 1884, Barão de Aguiar
Vallim. No ano de 1869, Luiz da Rocha Miranda Sobrinho, tornou-se Barão de
Bananal. Também no ano de 1877, Pedro Ramos de Nogueira foi homenageado como
Barão de Joatinga. Em 1884, também alcançou a nobreza Laurindo José de Almeida
com o título de Visconde de São Laurindo. E em 1885 foi a vez de Cândido
Ribeiro Barbosa alçar ao baronato como Barão de Ribeiro Barbosa.
Na
Vila de Pindamonhangaba, o imperador fez ao todo nove nobres. O primeiro a se
tornar titular foi Manoel Marcondes de Oliveira e Melo, agraciado com o título
de Barão de Pindamonhangaba em 1846. Em 1850 foi elevado ao baronato o cidadão
Custódio Gomes Varela Lessa como Barão de Paraibuna. No ano de 1877 foram três
os homenageados: Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo, Barão Homem de Melo; Manoel Inácio Marcondes Romeiro,
Barão de Romeiro e Francisco Homem de Melo, Visconde de Pindamonhangaba. Em
1879, Inácio Bicudo de Siqueira Salgado tornou-se Barão de Itapeba. E no ano de
1887, o Império concedeu o título de Baronesa de Paraibuna a Benedita Bicudo Salgado Lessa e o de Visconde da
Palmeira a Antônio Salgado Silva.
Em Taubaté os titulares do Império foram: José
Francisco Monteiro (avô materno do escritor Monteiro Lobato), Barão de Tremembé
em 1868 e, em 1887 Visconde de Tremembé; José Félix Monteiro, irmão do
precedente, Barão de Mossoró em 1877 e Visconde de Mossoró em 1888; Coronel
Jordão Pereira de Barros, Barão Pereira de Barros em 20 de agosto de 1889,
quando a monarquia exalava os últimos suspiros. Foram agraciados, ainda,
Mariano José de Oliveira Costa como Barão de Pouso Frio, também em 20 de agosto de 1889; Antônio Vieira de
Oliveira Neves, Barão de Taubaté em 1877; Manoel Gomes Vieira, Barão da Pedra
Negra, no mesmo dia que os de “Pouso Frio” e “Pereira de Barros”, quando é
nomeado ainda o Comendador David Lopes de Souza Ramos, como Barão de Jambeiro.
Ou seja, em apenas um dia, Taubaté ganhou quatro novos titulares quando o
Império agonizava.
A Vila de Lorena teve cincos titulares
imperiais, sendo a primeira agraciada, a viúva do capitalista Joaquim José
Moreira Lima, Carlota Leopoldina Moreira de Castro Lima, com o título de
Viscondessa de Castro Lima no ano de 1879. Em 1884, o filho de Carlota, Antônio
Moreira de Castro Lima, recebe o título de Barão de Castro Lima. Três anos
depois, é a vez de Francisco de Paula Vicente de Azevedo receber a honraria,
tornando-se Barão da Bocaina e, em 1888 Antônio Rodrigues de Azevedo Ferreira é
intitulado Barão de Santa Eulália. Porém, o nobre considerado como de maior
importância em Lorena é Joaquim José Moreira Lima Júnior. Sua memória é
cultuada até os dias atuais, devido às obras de caridade e de empreendedorismo
industrial realizadas em Lorena, como a Igreja de São Benedito em estilo
gótico, entregue a Ordem dos Salesianos e o Engenho Central, além do Colégio
São Joaquim e a Santa Casa de Misericórdia, entre outras. Oitavo filho do velho
Moreira Lima e de Carlota Leopoldina, Moreira Lima Júnior é agraciado por Dom Pedro
II, em março de 1884 com o título de Barão de Moreira Lima; em outubro do mesmo
ano recebe o título de Visconde Moreira Lima com grandeza e, finalmente em 7 de
maio de 1887 torna-se Conde de Moreira
Lima, como ficaria conhecido até sua
morte, ocorrida em 1926.
As Vilas de Cunha, Guaratinguetá e São
Luiz do Paraitinga tiveram somente um titular, cada uma. Em 1849, em Cunha,
Antônio Manoel de Freitas é nomeado Barão de Rio Claro. No ano de 1871, em Guaratinguetá, Francisco de Assis e
Oliveira Borges foi homenageado, sendo elevado a Visconde de Guaratinguetá. E
em 1872, em São Luís
do Paraitinga, Manoel Jacinto
Domingues de Castro tornou-se Barão de Paraitinga. Em Jacareí houve quatro
titulares beneficiados, sendo o primeiro a receber a honra Bento Lúcio Machado
em 1849 como Barão de Jacareí. Em 1854 Francisco Lopes Chaves foi nomeado Barão
de Santa Branca e, em 1887 um indivíduo homônimo, talvez filho, tornou-se o 2º
Barão de Santa Branca. No ano de 1889, Licínio Lopes Chaves torna-se o 2º Barão
de Jacareí.
Apesar
de aspirarem e, claro, pagarem o valor mencionado anteriormente para a obtenção
do título, ocorria, embora raramente, a recusa da benesse, ainda que o pretenso
nobre desembolsasse quantias consideradas. É o caso do proprietário da Fazenda Resgate
de Bananal, Manoel de Aguiar Vallim. Envolvido no episódio do Bracuhy e
processado, embora absolvido, Vallim não conseguiu o título de barão em 1859,
mesmo ofertando 15:000$000 (quinze contosde réis) para a construção de um
hospício. Mesmo assim, manteve-se fiel à monarquia até a morte em 1878. Aos
mais abastados e respeitadíssimos, a família imperial correspondia, também com
visitas em que homenageavam seus titulares ao se hospedarem nas suas magníficas
residências. Em 1878, Dom Pedro II e comitiva foram recepcionados em Pindamonhangaba
pelo então Barão da Palmeira e, em 1884, a princesa Isabel e o esposo Gastão de
Órleans, o Conde D’ Eu, foram recebidos solenemente em Lorena no palacete dos
Moreira Lima.
Entrementes, no último quartel do século XIX,
a sociedade escravocrata começa a sentir os efeitos da crise cafeeira, bancária
e os ventos abolicionistas, que culminariam na
Lei Áurea e na Proclamação da República. Diversos fazendeiros vão
perdendo suas propriedades para banqueiros e agiotas, diante da insolvência financeira,
oriunda de dívidas acumuladas. Já em 1864, o filho do Visconde de
Guaratinguetá, José Martiniano de Oliveira Borges, possuía uma dívida de
100:000$000 (cem contos de réis) com o capitalista Moreira Lima, de Lorena e só
não perdera a Fazenda Três Barras, localizada em Guaratinguetá, devido à mera
consideração pessoal por parte do credor. Outros, porém não tiveram tal
consideração e após perderem seus bens adquiridos com o braço cativo, morreram
pobres, como é o caso, por exemplo, do Visconde de Aguiar Toledo e do Visconde
de São Laurindo que, após vender duas enormes fazendas, conseguiu manter a
duras penas a Fazenda São Geraldo em Bananal até a morte em 1917.
Atualmente, além de documentos preservados em
arquivos públicos, os imensos casarões que ainda estão conservados no Vale do
Paraíba guardam a memória e história de uma nobreza que sustentou o Império,
foi por ele igualmente sustentada até a República, construiu enormes riquezas,
graças ao látego do feitor nas costas dos escravos e, devido a diversos fatores,
sejam econômicos, sociais ou políticos, a maioria acabou na miséria. Triste
destino para a nobiliarquia valeparaibana, decaída junto com o Segundo Império.
Até a próxima.
Eddy Carlos.
Dicas para consulta.
CASTRO
e SCHNOOR, Hebe Maria Mattos de e Eduardo (Orgs.). Resgate. Uma Janela para o Oitocentos. Topbooks. Editora Rio de
janeiro, 1995.
MOURA,
Carlos Eugênio Marcondes de. O Visconde
de Guaratinguetá. Um titular do café no Vale do Paraíba. Secretaria da
Cultura, Ciência e Tecnologia. São Paulo, 1976.
RODRIGUES,
Antonio da Gama. O Conde de Moreira Lima.
Coleção Lorenense. Volume IX. Editora Santuário. Aparecida, 2006.
SCHWARCZ,
Lilia Moritz. As Barbas do Imperador. Dom
Pedro II, um monarca nos
trópicos. Companhia das Letras. São Paulo, 1999.
SOBRINHO,
Alves Motta. A Civilização do Café
(1820-1920). Editora Brasiliense. São Paulo,1978.
SOUZA
VICENTE, Eddy Carlos. Uma Janela no
Tempo: Os Godoy Fleming no
Embaú. Editora Penalux. Guaratinguetá, 2015.
E-mail: eddycarlos6@gmail.com
Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário