FONTE: Acervo do Museu Histórico e Pedagógico Major Novaes; Cruzeiro-SP.
Após a fase das Cruzadas, os reinos europeus passaram por diversas modificações que culminaram com a reestruturação da ordem política, fortalecendo o poder real. Isso acontecia ao mesmo tempo em que o sistema feudal estava se desintegrando, surgindo assim os Estados Nacionais e, em muitos casos com as suas respectivas monarquias absolutistas. No plano econômico, a Europa atravessava o, assim chamado, Mercantilismo, ou seja, uma fase transitória entre o Feudalismo e o Capitalismo. Esse período, denominado de Antigo Regime, começou a se esfacelar, por sua vez, com a ascensão dos ideais burgueses, os quais se expandiram pela Europa e outras partes do mundo decorrente da Revolução Industrial e da Revolução Francesa. Até então, as relações de trabalho baseavam-se na mão de obra servil, passando pelos mestres e pequenos artífices de lojas e oficinas burgueses, e o trabalho escravo nas colônias. Os operários do campo e dos burgos ainda detinham a posse dos meios de produção para a sua sobrevivência, pois o acesso a terra já tinha sido extorquido durante a Idade Média. Com o sucesso e consolidação da Revolução Industrial e suas inovações tecnológicas os operários perdem também a propriedade dos meios de produção. A partir daí deveriam “vender” a sua força de trabalho para as nascentes indústrias e fábricas, recebendo por isso a remuneração em forma de salários. Era a afirmação de um novo sistema econômico, o Capitalismo, cujo objetivo primordial é a geração de lucro, extraída da mais-valia, segundo o pensamento de Karl Marx. Por outro lado, o sistema capitalista era incompatível com a escravidão, pois na teoria de Adam Smith, os trabalhadores deveriam receber por seu trabalho para adquirir os produtos por eles fabricados. Ou seja, o sistema pressupõe que todos devem receber salários para sua sobrevivência, mas não garante que haverá trabalho para todos. Ainda assim, a ascensão da burguesia na Europa coincide com o surgimento da classe operária, ou do proletariado.
Todavia, a aplicação dos ideais da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, estava restrita ao Velho Mundo. O que os europeus passaram a valorizar não se aplicava às colônias e domínios ultramarinos. Assim, na América, por exemplo, o sistema escravista ainda iria perdurar até fins do século XIX. Paralelamente a Inglaterra, já muito adiantada tecnologicamente e industrializada, decide reprimir o tráfico negreiro, principalmente após a aprovação pelo parlamento britânico, do “Bill Aberdeen”. Através dessa lei as canhoneiras inglesas estavam autorizadas a capturar os navios negreiros em qualquer parte do mundo. Longe de manifestar quaisquer sentimentos humanitários, a repressão ao sistema escravista pelos ingleses, visava a proteger e garantir, além de ampliar, os interesses das indústrias britânicas. Nas nações que adquiriram a independência política, mas que mantinham o sistema escravista, como o Brasil, buscou-se encontrar uma alternativa, diante da pressão inglesa. Lembrando que, baseado no Bill Alberdeen, a Inglaterra aprisionou, julgou e condenou à morte vários traficantes de escravos. Em 1850, a Assembléia Geral do Império do Brasil aprovou a Lei Eusébio de Queiroz, que acabava de vez com o tráfico atlântico. A referida lei foi aprovada sob a mira dos canhões das belonaves inglesas que ameaçavam bombardear o Rio de Janeiro. Sendo assim, o Brasil ficaria só com os escravos que já estavam no país, e para suprir a demanda de centros produtores, como o Vale do Paraíba, a saída era “importar” escravos do Nordeste, onde a atividade açucareira entrara em colapso. A alternativa, encontrada pela elite agrária, sobretudo da Província de São Paulo, foi a introdução de colonos europeus nas diversas colônias agrícolas, sob os regimes de parceria e de meação.
A primeira experiência com colonos de parceria foi realizada por Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, na Fazenda Ibicaba, em Limeira. De acordo com a análise do historiador Caio Prado Júnior, entre 1847 e 1857, Vergueiro introduziu na Fazenda Ibicaba “177 famílias de colonos alemães, suíços, portugueses e belgas. O exemplo foi imitado por muitos outros lavradores de café da província de S. Paulo”. A maioria, porém, era de colonos alemães, vindos da Prússia. Segundo Eduardo Bueno, apesar da inspiração abolicionista, Nicolau Vergueiro era autoritário, assim como a maioria dos fazendeiros que seguiram o seu exemplo. Alguns ainda rotulavam os colonos de escravos brancos, pois apesar “de o trabalho ser assalariado, a mentalidade patriarcal dos donos das terras continuava escravocrata”. Em 1856, os colonos da Ibicaba, inconformados com a situação de semi-escravidão em que viviam, além do descumprimento dos contratos assinados, revoltaram-se e pegaram em armas, sendo necessária a intervenção da Guarda Nacional. Uma comissão do Governo deu ganho de causa aos colonos e, devido à repercussão do caso a Prússia decide em 1859 proibir a imigração para o Brasil. A constante busca para uma alternativa baseada nos colônias de parceria visava superar a crise que se abatera na lavoura, principalmente a do café, decorrente, como já afirmamos, da suspensão definitiva do tráfico atlântico. Mesmo adquirindo os cativos de outras regiões, o preço tornava-se demasiado caro para os senhores, que deveriam ainda garantir alimento, vestuário e medicamentos para os respectivos escravos. Os fazendeiros cafeicultores do Vale do Paraíba ainda resistem, mas alguns acabam por adotar o sistema da colonização baseada no braço do imigrante, colocando-o lado a lado com os escravos do eito. Porém, o que não mudava ainda era a mentalidade escravocrata, como acontecera no caso da Fazenda Ibicaba; fossem escravos ao não, os colonos eram submetidos às variadas formas de humilhação exploração, endividamento constante e maus tratos. Com tudo isso de forma evidente, os proprietários rurais ainda apostavam no trabalho assalariado do imigrante, pois sabiam que o fim da escravidão estava próximo, devido à intensidade da campanha abolicionista.
Ao analisar a Vila de Lorena durante o século XIX, o historiador José Geraldo Evangelista afirma que o número de estrangeiros chamou a sua atenção. Segundo o pesquisador eram “colonos que trabalhavam nas fazendas de João José Rodrigues Ferreira, incluindo espanhóis, e de José Novais da Cunha”. De acordo com o Ofício de 25 de dezembro de 1858, analisado pelo autor mencionado, o Delegado de Polícia destaca que eram um total de 57 estrangeiros, sendo 51 alemães e 6 dinamarqueses. Em relação ao segundo fazendeiro citado por José Geraldo Evangelista, o jornalista luso-brasileiro, Augusto Emílio Zaluar, faz uma descrição otimista da fazenda e dos colonos no ano de 1860, quando o mesmo esteve em Lorena. Segundo Zaluar, o “Sr. José Novais da Cunha organizou uma colônia de Alemães em sua fazenda denominada de Santa Cruz, perto de Lorena, no Bairro de Mato-Dentro, núcleo que se compõe já de setenta e dois indivíduos, entre adultos e crianças, o qual trabalha pelo sistema de parceria adotado pelo finado senador Vergueiro com algumas alterações feitas pelo proprietário. Esta gente vive satisfeita, entrega-se com dedicação à cultura do café, e esta animadíssima com a presente colheita”. Os colonos alemães foram introduzidos na Fazenda Santa Cruz antes da proibição da Prússia em 1859, como mencionado anteriormente; mesmo ano da morte de Vergueiro.
Apesar de a iniciativa da introdução de colonos ser atribuída a políticos “liberais”, alguns conservadores fizeram o mesmo. É o caso de Manoel de Freitas Novaes, futuro Major Novaes da região do Embaú. Personagem controversa na história do Município de Cruzeiro, Manoel de Freitas inicia sua atividade econômica como tropeiro entre as regiões da Serra da Mantiqueira, Serra do Bocaína, do Rio Paraíba e o caminho da Corte. Natural de Pinheiros, Manoel de Freitas exerceu o cargo de vereador na Vila de Queluz entre 1857 e 1861. Segundo alguns pesquisadores, como Carlos Borromeu de Andrade, já possuía grandes extensões de terras entre Pinheiros, Lavrinhas e no Jacú. Sendo assim, em 1850, seguindo, Manoel de Freitas implanta em suas terras (provavelmente em Pinheiros) uma colônia agrícola baseada no trabalho livre e assalariado o qual batizou de Colônia Nacional. Inicialmente utilizando trabalhadores estrangeiros, a Colônia passou aos poucos, a operar com mão de obra interna. Em 1878, ao participar do Congresso Agrícola, o já agora Major Novaes, proprietário da Fazenda Boa Vista na Vila do Cruzeiro, defende o método de colônias de parceria para superar a crise da mão de obra na lavoura cafeeira. Tomando como paradigma a sua própria colônia, o Major Novaes enaltece em discurso a prática do trabalho livre e assalariado. O referido discurso e matérias de jornais, como “Diário do Brazil”, do Rio de Janeiro, foram publicados em livreto em 1882 com o titulo “Colônia Nacional do Major Manoel de Freitas Novaes”. Em um trecho do discurso o Major afirma que é “um lavrador que vem expor o que pratica todos os dias desde 28 de abril de 1850, dia em que comecei a applicar o trabalho livre na minha fazenda, como já o disse no Congresso Agrícola”. Com a colheita de 10 mil arrobas de café, a colônia era operada com 505 cearenses, “que ahi se estabeleceram e ganharam dinheiro, e mantendo a plantação que tenho hoje, 800 mil cafeeiros que espero em Deus em dois ou três annos darão 30 a 40 mil arrobas (...). E tão satisfeitos foram eles do modo porque os tratei e dos lucros que colheram na minha colônia, que muitos delles me tem escripto de sua província pedido que lhes pague a passagem para regressarem (sic.) a minhas terras”. Outro trecho do discurso chama a atenção ao referir-se a ausência de contrato. O texto diz que a referida colônia foi iniciada com quatro famílias de caboclos, “mas nella não há um só contracto; o que alli predomina é a mais perfeita espontaneidade dessa gente, é a liberdade que ella tem, não só de trabalhar, como de gozar. (...). Desse modo tem conseguido que seus colonos tirem o resultado annual de 400$000 a 1:800$000 por família”. O livreto destaca ainda que o Major preferia os caboclos na sua Colônia Nacional, por ser melhor que o estrangeiro, pois o proprietário tem “pratica de colonização estrangeira; já teve colonos alemães, franceses, ingleses e italianos dos quais ainda conserva alguns. Tem colonos a meia, a quem paga no dia em que colhem o café, outros que dão o café já preparado e ainda do outros pagos a jornal ou empreitada”.
No ano da realização do Congresso Agrícola, 1878, o Major Novaes era vereador da Vila do Cruzeiro, cuja sede localizava-se no Embaú. Ao analisarmos as Atas da Câmara Municipal, em obra publicada pelo Profº. Hílton Fedirici, verificamos que, nas sessões realizadas naquele ano não há nenhum registro da participação do Major, nem da realização de tal congresso. Por outro lado, é marcante o número de ausências do ilustre vereador, mesmo sendo vice-presidente da Câmara. Como por exemplo, entre abril e julho de 1878 não houve sessão devido às ausências dos vereadores e, na Sessão Ordinária de 23 de julho, o Major justifica sua ausência, alegando ter feito uma cirurgia na corte, ou seja, no Rio de Janeiro, onde fora realizado o Congresso Agrícola.
Entretanto, mesmo levando em consideração os resultados obtidos na Colônia Nacional e a exaltação que o Major Novaes faz do trabalho livre e assalariado como sinônimo de progresso e prosperidade, ele era dono de escravos e também possuía uma mentalidade escravocrata, assim como seus pares. Se não possuía cativos em 1850, passou a tê-los quando, sendo viúvo, casa-se, com a também viúva, Fortunata Joaquina do Nascimento. Essa senhora, por sua vez casava-se pela terceira vez e era a proprietária da Fazenda Boa Vista. O casamento foi realizado segundo Carlos Borromeu de Andrade, em 2 de outubro de 1865. Falecendo em 1874, sem filhos (ao que parece não teve nenhum com os outros maridos), o Major Novaes, além da Fazenda Boa Vista, herda também a escravaria. A face escravocrata e autoritária, além de contraditória, é revelada em algumas ocasiões, como a do episódio da Ação de Liberdade da escrava Rita em 1873 e seus pronunciamentos nas sessões da Câmara Municipal da Vila do Cruzeiro (Embaú) contra a Campanha Abolicionista e contra Joaquim Nabuco. Durante o Congresso Agrícola, mesmo expondo o ponto de vista “progressista”, o Major Novaes omite o fato de que era escravista e após a aprovação da Lei Áurea, ao invés de “valorizar” o trabalho assalariado, tanto propagado no referido congresso, utiliza mais uma vez a Tribuna para atacar os libertos conclamando as autoridades policiais a por cobro à onda de “vagabundos e desocupados” que infestavam as ruas e praças das Vilas, o que prejudicaria o trabalho nas fazendas.
No crepúsculo do Império, os republicanos “pegaram” carona no movimento abolicionista, prometendo “lutar” pela causa que desdenhavam desde a fundação do Partido Republicano na Conversão de Itu em 1873. Como a Lei Áurea fôra um ato da Monarquia, os republicanos encontraram apoio nos fazendeiros “prejudicados” com a libertação dos escravos sem indenização. Sendo assim, com o movimento militar chefiado por Deodoro que liquidou o Império, os republicanos ascendem ao poder, colocando, porém, os libertos à margem da sociedade. Adotando, enfim, uma política de imigração estrangeira em massa, colocam finalmente em prática na lavoura, a mão de obra assalariada em detrimento dos ex-escravos. A aposta seria, segundo a elite republicana, “branquear” o país para poder fazer frente com as nações européias, “civilizadas” e “evoluídas”. Alguns monarquistas ainda permanecem fiéis à família imperial no exílio, como o Major Novaes que falece em 1898. Outros, ainda que continuassem monarquistas, aderem às novas regras de jogo político do Governo Republicano. Mas até o fim da República Velha em 1930, a maioria dos fazendeiros, com raras exceções, manteria a mentalidade e o espírito escravocratas. Até a próxima.
Eddy Carlos.
Dicas para consulta.
ANDRADE, Carlos Borromeu de. Os Pioneiros da História de Cruzeiro. Centro Educacional Objetivo. São José dos Campos, 1994.
BUENO, Eduardo (Org.). História do Brasil. Publifolha. São Paulo, 1997.
EVANGELISTA, José Geraldo. Lorena no Século XIX. Imprensa Oficial. São Paulo, 1978.
FEDERICI, Hílton. Atas da Câmara Municipal de Cruzeiro. Volume I. Tomo A. Edição da Câmara Municipal de Cruzeiro. Cruzeiro, 1978.
SOUZA VICENTE, Eddy Carlos. O Mandonismo Político em Cruzeiro. Atuação Política do Major Novaes (1873-1898). Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação; Especialização em História do Brasil Republicano pela UNITAU. Edição mimeografada. Taubaté, 2004.
ZALUAR, Augusto Emílio. Peregrinação pela Província de São Paulo (1860-1861). Biblioteca Histórica Paulista. Vol. II. Martins Editora. São Paulo, 1976.
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