domingo, 21 de julho de 2019

O "Algoz" do Embaú.

     Fotografia sem data, do Padre. Ernesto Maria de Fina, ao lado de Celestina Novaes, neta do
                                                             Major Novaes.
                                             FONTE: Blog Grandes Vultos de Cruzeiro.

        O advento da ferrovia impulsionou o desenvolvimento da região valeparaibana com a dinamização dos meios de transporte tanto de passageiros como de mercadorias. Embora a cultura cafeeira já se encontrasse em fase de estagnação e declínio, devido às precárias técnicas de exploração do solo, o sistema ferroviário acabou por otimizar o escoamento das sacas rumo aos portos de embarque para os mercados consumidores da Europa e Estados Unidos. Porém, algumas localidades foram desfavorecidas, pois o traçado ferroviário passava distante de sedes de Vilas, o que acabou por ocasionar a decadência de algumas cidades. Em artigo anterior vimos que os fazendeiros de Bananal resolveram o seu problema, implantando eles mesmos a sua ferrovia, ligando a capital do café até a estação da Saudade, garantindo o transporte do produto pela E.F. Pedro II. Mas cidades como São José do Barreiro, Areias, Silveiras, Jatahy, etc., não conseguiram o mesmo, passando a ficar em segundo plano.
        É neste contexto que se insere, também o Embaú, então sede da Vila de Nossa Senhora da Conceição do Cruzeiro. Apesar de o traçado da E.F. Pedro II passar em território da Vila do Cruzeiro e, mais tarde surgir o entroncamento com “Minas and Rio Railway”, a estação construída ficou distante da sede (Embaú) em, aproximadamente, 12 quilômetros. Tal fato iniciou o processo de decadência do Embaú como Município, refletido no antagonismo entre o mesmo e o Povoado da Estação que, como centro de entroncamento ferroviário e de intensa atividade econômica acaba tornando-se a sede da atual cidade de Cruzeiro. A diferença entre o Embaú e o Povoado da Estação torna-se mais acentuada, pois de acordo com a análise de Hilton Federici, entre os anos de 1899 e 1900 os impostos arrecadados no Município chegavam a cifra de 22:000$000 (vinte e dois contos de réis), sendo que apenas 6:000$000 eram contabilizados na sede. Dessa forma, em 2 de outubro de 1901, o Governo Estadual autoriza a transferência da estrutura político-administrativa do Embaú para o Povoado da Estação, ficando o primeiro na condição de Distrito.
               Todavia, antes das autoridades políticas e civis resolverem o impasse entre as duas localidades, a Igreja toma a dianteira em 1897, ao transferir a Paróquia do Embaú para o mesmo povoado. Nesse cenário vislumbramos a figura do Padre Ernesto Maria de Fina, o inicialmente infeliz e, posteriormente glorificado vigário da Paróquia de Cruzeiro. Nascido a 30 de novembro de 1867 em  Sala Concilina, Província de Salerno na Itália, Ernesto Fina ordenou-se padre por volta de 1888 após a visita que fizera ao Papa Leão XIII. Em 1896 vem para o Brasil, estabelecendo-se em Guaratinguetá com o Cônego Costa Bueno, indo depois para Ribeirão Preto. Nessa cidade, recebe a notícia de que fora nomeado Vigário da Paróquia do Embaú, assumindo o posto no dia 14 de março de 1897.Porém, assim como ocorria no âmbito civil, no religioso também havia discrepâncias quanto à arrecadação em dízimos e ofertas, ficando o Embaú na retaguarda. Como os católicos do Povoado acabaram endossando a luta política levando-a para a esfera eclesiástica, ou seja, os primeiros já exigiam a transferência da paróquia junto com a sede administrativa, o Bispo de São Paulo, Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti transfere a paróquia do Embaú para o novo local em 22 de junho de 1897. Com a nova situação, o vigário Ernesto Fina estabelece a matriz na Igreja de São Sebastião e Santa Cecília, ainda em obras, devendo dirigir-se periodicamente ao Embaú para celebrar os ofícios divinos. Porém, os habitantes do Embaú revoltaram-se com a transferência da paróquia e o Padre Ernesto Maria de Fina foi acusado pelo episódio tornando-se o “bode” expiatório. Não podendo atingir diretamente o bispo, os embauenses voltaram-se contra o infeliz padre, hostilizando-o, inclusive com ameaças de morte. Para complicar sua situação, o religioso desentende-se ainda com a Comissão Edificadora da Igreja Matriz. Mesmo sob a proteção do Major Novaes, em cuja casa residia como convidado, na Fazenda Boa Vista, o Padre Ernesto pede remoção da paróquia, uma vez que os ânimos se acirram, somados a efervescência política que se alastrava. Aceito o pedido, o sacerdote é removido para a cidade paulista de Casa Branca, indo em seguida, novamente para Campinas, assumindo em seu lugar o Padre Miguel Eboli, o qual permaneceria no posto de 22 de janeiro de 1898 até 6 de fevereiro de 1900.
                  Eis que, entretanto, ao obter um período de férias, o Padre Ernesto resolve passear na então nascente da cidade de Cruzeiro, manifestando o propósito de reassumir a paróquia, no que foi atendido. Permanecendo até meados de 1907, o Padre Ernesto deu seqüência às obras da Igreja Matriz, entrando, dessa vez, em entendimento com a Comissão. Como vigário novamente, o religioso cria a Conferência de São Vicente de Paula, promovendo ainda a vinda dos Missionários do Imaculado Coração de Maria. Tais missionários desenvolveram um excelente trabalho de catequização no novo núcleo que viria ser Cruzeiro, bem como em localidades como o Brejetuba e o Embaú, ainda com seus habitantes desgostosos com o Padre Fina. Em 1904, já como centro do Município de Cruzeiro, os paroquianos e munícipes elaboram um opúsculo intitulado “Amor e Gratidão” em homenagem ao Padre Ernesto Maria de Fina, servindo também de protesto e repúdio contra as hostilidades sofridas pelo eclesiástico por parte dos moradores do Embaú. O autor deste texto, guarda com zelo e carinho um exemplar de tal opúsculo que pertenceu a sua bisavó, Ângela Nunes de Oliveira, tendo passado a guarda à filha Maria da Glória, avó materna do referido autor. O citado opúsculo é um importante documento de fonte primária, pois identifica os primeiros moradores de Cruzeiro, já como sede do Município, contendo aproximadamente mil assinaturas em prol do Padre Ernesto. Segundo Hilton Federici, Ernesto Maria de Fina foi um padre que, apesar do infeliz episódio da transferência da paróquia, foi o consolidador da mesma, mais tarde, concluindo a Matriz (atual Igreja Santa Cecília) e dando-lhe amplo vigor.
                 Contudo, devemos ressaltar que, a transferência da paróquia, pode ser interpretada como uma forma da Igreja reafirmar sua autoridade e poder em um ambiente republicano, no qual recentemente, havia ocorrido a separação da mesma do Estado. Ou seja, a Igreja ainda buscava retomar o prestígio que usufruía nos tempos do Império em que, ao reconhecer uma localidade como apta a ser emancipar, era corroborada em seguida pelo poder público. É o caso das freguesias durante a Colônia e o mencionado Império. Quanto ao Embaú, é tradição entre a população de idade avançada de que o local teria sido amaldiçoado por um padre que lá fora hostilizado em épocas passadas. Seria o Padre Ernesto? Como até agora, nenhum documento que afirme tal hipótese foi encontrado, ficamos na dúvida. Amaldiçoado ou abençoado, o velho Embaú segue o seu rumo na História. Até a próxima.
                                                 
                                                                                                    Eddy Carlos.



Dicas para consulta.
CARVALHO e COSTA, Acrílson de e Levy Tenório da. A Ferrovia no Vale do ParaíbaOpulência e Decadência. Trabalho de Graduação em História pela UNIVAP. Edição mimeografada. São José dos Campos, 1996. 
FEDERICI, Hilton. História de Cruzeiro. (Volume II). Da Instalação do Município até a Transferência da sua Sede (1873-1901). Campinas, 1978. Publicações da Academia Campinense de Letras.
PARÓQUIA de Cruzeiro. Amor e Gratidão. Opúsculo elaborado em homenagem ao Padre Ernesto. Edição própria. Cruzeiro, 1904.
SOUZA VICENTE, Eddy Carlos. Embaú, Contrastes entre o Passado e a Realidade do Presente de um Núcleo Urbano. Trabalho de Graduação em História pela UNIVAP. Edição mimeografada. São José dos Campos, 2002. 

E-mail: eddycarlos6@gmail.com

Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br




Um comentário:

  1. Olá, Professor Eddy. Sou Afonso Scarin, teólogo, nascido na cidade de Mirassol-SP, cidade está que o Reverendíssimo Pe. Ernesto de saudosa memória passou por um período. Fiquei maravilhado com o seu artigo, e compartilhei com os nossos paroquianos da Igreja Matriz de São Pedro Apóstolo, Igreja que já é centenária e foi idealizada por Pe. Ernesto. Mais uma vez, gratidão. Afago na alma!

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