domingo, 24 de fevereiro de 2019

A Ferrovia dos Barões.


     Estação de Bananal no início do século XX; extraído do site: www.gazetadebananal.com

                       Em artigos anteriores, mencionamos que o surgimento da ferrovia tinha como objetivo suprir as necessidades de transporte das sacas de café produzidas pelos fazendeiros do Vale do Paraíba. Neste contexto, surgem como já citado, as duas principais que ligavam o Rio de Janeiro à Cachoeira Paulista e desta à São Paulo e, mais tarde a de Cruzeiro à Três Corações. Apesar de atenderem à demanda cafeeira a ferrovia chega com um pouco de atraso, pois no último quartel do século XIX, o solo valeparaibano já dava sinais de cansaço e desgaste devido às técnicas rudimentares do plantio da rubiácea. Ainda assim, se a capital política do Império era a cidade do Rio de Janeiro, a capital econômica era Bananal, tal como atualmente temos Brasília e São Paulo respectivamente. Os principais cafeicultores de Bananal, conhecidos como “Barões” do café, possuíam vultosos cabedais, com grandes depósitos nos bancos ingleses. Dessa forma, quando a Coroa Imperial necessitava de empréstimos, os banqueiros, principalmente de Londres só realizavam a transação quando os fazendeiros de Bananal avalizassem os títulos da monarquia brasileira.                     

                      Todavia, mesmo com essa forte influência, Bananal ficou de fora do itinerário da E.F. D. Pedro II, cujo traçado ligava o Rio de Janeiro à Cachoeira, então parte do município de Lorena. Descontentes com tal situação, os fazendeiros resolvem construir sua própria ferrovia, ligando Bananal a algum ponto da E.F. D. Pedro II, possibilitando assim o escoamento das sacas de café para o Rio de Janeiro e daí para o mercado europeu e norte-americano. O ponto escolhido é a Estação Saudade próximo a Barra Mansa, realizando aí o entroncamento com a principal ferrovia, autorizada pelo Governo Imperial. Com a união dos fazendeiros foi criada em 1880 a empresa “Estrada de Ferro do Bananal”, chamada também de “Companhia Bananalense” em reunião presidida por Laurinho José de Almeida, Visconde de São Laurindo. Para compor a primeira diretoria foram escolhidos o Doutor João Alves Rubião Jr., Cândido Ribeiro Barbosa (Barão de Ribeiro Barbosa) e Luciano José de Almeida Valim (Barão de Almeida Valim). Apesar da empolgação inicial, a empresa, no entanto, enfrenta dificuldades financeiras, quando é substituída por outra companhia encabeçada por Dona Domiciana de Almeida Valim, proprietária da Fazenda Resgate, e seu cunhado José de Aguiar Valim II. Assumindo as obras no ano de 1887, a nova firma conclui os trabalhos em janeiro de 1889, contando com os engenheiros José Caetano Horta Barbosa e Machado da Costa. 

                         A intervenção de Domiciana de Almeida Valim foi crucial para o destravamento das obras causadas pelas dificuldades iniciais, devido ao prestígio e o respeito que a elite de Bananal lhe devotava. Domiciana era viúva de Manoel de Aguiar Valim, riquíssimo cafeicultor proprietário de escravos e que exercia influência e poder sobre os demais fazendeiros a partir da Fazenda Resgate, e de seu soberbo solar na cidade. Aliás, Domiciana bancou às próprias expensas, ou seja, do próprio bolso, um ramal ligando os galpões de armazenagem da Fazenda Resgate direto a Estação de Bananal. A referida Estação, por sua vez foi importada da Bélgica, sendo totalmente metálica, incluindo o telhado, de chapas almofadadas duplas, tornando-se a única no Brasil a ser pré-fabricada no exterior. Somente o assoalho foi confeccionado com autêntico Pinho-de-Riga. Se a construção da ferrovia já é considerada uma ousadia de iniciativa privada, a aquisição da Estação metálica configura-se numa demonstração de opulência, pujança e uma resposta ao suposto descaso por parte da Coroa, quando do advento da E.F. Pedro II.   

                      Assim sendo, a ferrovia dos “Barões”, inaugurada em 1889, ainda no Império, partindo do entroncamento da “Pedro II” no município fluminense de Barra Mansa, na Estação Saudade, seguia por Santo Antônio, Cafundó, Rialto, Glória, Três Barras e, finalmente Bananal, totalizando 26,677 km de extensão. Em 1918, a ferrovia passa a pertencer à Central do Brasil, sendo encampada pela soma de 649:104$913 (seiscentos e quarenta e nove contos, cento e quatro mil, novecentos e três réis), através do decreto nº 13.206. Em 1924, passa para o controle da “Oeste de Minas”, voltando para o domínio da Central em 1931 com o decreto nº 19.602. Na década de 1960, ela é totalmente desativada. Quanto à magnífica Estação, depois de atender aos objetivos iniciais, transformou-se em Rodoviária de Bananal por longo tempo, passou por descaso e abandono até ser restaurada em meados da década de 1990 e, recentemente a locomotiva “302”, passou por total processo de restauração. Atualmente, a Estação metálica funciona como centro cultural do município de Bananal, sendo testemunha de um passado de riqueza, opulência, escravidão e poder no Brasil Imperial.

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                                                                                                             Eddy Carlos. 


     Para saber mais:

     CARVALHO e COSTA, Acrilson de e Levy Tenório da. A Ferrovia   no Vale do Paraíba: Opulência e Decadência. Trabalho de   Graduação em História pela UNIVAP. São José dos Campos, 1996. edição mimeografada.

     CASTRO e SCHNOOR, Hebe Maria Mattos de e Eduardo.   (Orgs.).  Resgate, uma Janela para o Oitocentos. Top Books   Editora. S/d.

    GRAHAM,Richard. Clientelismo e Política no Brasil do Século XIX. Ed. UFRJ. Rio de Janeiro, 1997.

     SOBRINHO, Alves Motta. A Civilização do Café. Editora   Brasiliense. São Paulo, 3ª edição, 1978.    

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