A Vila de Mogí das Cruzes em 1898. Fonte: Prefeitura Municipal de Mogí das Cruzes.
Aprendemos nos bancos escolares que no século XV,
Portugal e Espanha tomam a dianteira e
iniciam a fase das grandes navegações, tendo como consequência o
“descobrimento” do Novo Mundo. Para a época significava coragem e ousadia
lançar-se à navegação pelo “Mar Tenebroso”, como era chamado o Oceano Atlântico
nos mapas medievais. Conhecemos bem a história: o acesso às mercadorias do
Oriente, através do Mar Mediterrâneo e de Constantinopla estava bloqueado pelo
Império Otomano, principalmente após a conquista dessa cidade pelos turcos de
Mehmet II Al Fatih, em 1453. As especiarias muito apreciadas na Europa eram monopolizadas
pelos mercadores venezianos e genoveses a um preço exorbitante, mesmo
adquirindo a baixíssimo custo de turcos e árabes. A saída seria buscar tais
especiarias ( canela, pimenta, noz-moscada, cravo, etc.), direto com os
produtores no Oriente; atitude tomada pelos países ibéricos com larga vantagem
sobre França, Inglaterra e Holanda. Enquanto os espanhóis seguiam a ideia de
Colombo, a de navegar na direção do Ocidente para atingir as Índias, baseada na
circunferência da Terra, os portugueses decidem contornar a África para atingir
o mesmo objetivo. Após várias tentativas que resultaram no estabelecimento de
diversas feitorias, Portugal, através de Bartolomeu Dias, atinge o extremo sul
da África em 1488, dobrando o Cabo das Tormentas, agora chamado de Cabo da Boa
Esperança, descobrindo o rumo das
Índias. Mas, somente em 1497 com Vasco da Gama é que o objetivo é finalmente
atingido, garantindo a Portugal a hegemonia no tão cobiçado mercado das
especiarias.
Entrementes, a Espanha anuncia a
descoberta e posse em 1492, do território ocidental que fazia parte de um
imenso continente, então desconhecido. Ora, os dois países haviam assinado o
Tratado de Toledo, no qual os lusos tinham a garantia de exploração em águas e terras ao sul das
Ilhas Canárias; a descoberta de Colombo foi realizada em zona “portuguesa” o
que poderia levar à guerra. Apelando ao arbítrio do papa Alexandre VI para
resolver o impasse, os espanhóis conseguem que o pontífice estabelecesse pela
bula Inter Coetera em 1493, uma linha imaginária de norte a sul, a 100 léguas a
oeste das Ilhas do Cabo Verde; a leste pertenceria a Portugal e a oeste à
Espanha. Rejeitando o documento papal e ameaçando ir à guerra, os portugueses
firmam com os espanhóis o Tratado de Tordesilhas aumentando de 100 para 370
léguas à oeste de Cabo Verde, mantendo a presunção de divisão do mundo entre as
duas nações ibéricas, causando mais tarde retaliações de ingleses, franceses e
holandeses. Tal linha imaginária de Tordesilhas seria posteriormente ignorada e
violada durante a fase das bandeiras e monções no Brasil colonial, dilatando em
muito o território originalmente de possessão lusa.
Todavia, apesar de a historiografia oficial
denominar de “descobrimento”, o que houve foi uma conquista e massacre dos
povos nativos do continente americano, tanto a área sob ocupação espanhola,
quanto a de posse lusitana. Nessa última, ou seja, no Brasil colônia, grupos de
aventureiros, vadios, criminosos, etc.,
partiam da Vila de São Paulo de Piratininga para perseguir e escravizar nações
inteiras de indígenas, quando não ocorria o total extermínio diante de alguma
resistência firme e decidida. Tais grupos formavam as bandeiras e seus
integrantes eram chamados bandeirantes. Enaltecidos como heróis pela
historiografia oficial paulista, homens como Manuel Prêto, Domingos Jorge
Velho, Raposo Tavares, Bartolomeu Bueno, Fernão Dias, entre outros dizimaram e
despovoaram de forma sangrenta grande parte do território luso e espanhol na
América. Sempre seguindo rumo oeste, as bandeiras e as monções (variante das
bandeiras pelos rios, como o Tietê) “rompem” a linha de Tordesilhas,
conquistando da Espanha grande parte do que viria a ser o Brasil atual. Por
outro lado, outros grupos preferiam seguir o rumo leste, ainda no bandeirismo
de preagem, e vão devassando o território compreendido pelo Vale do Paraíba e
entre este e o do Tietê , sempre em busca de “remédio”, isto é, de índios para
suas lavouras. As incursões realizadas no encalço dos silvícolas em território
valeparaibano e as criações de povoados deram origem às cidades de Taubaté,
Guaratinguetá, Jacareí, Pindamonhangaba, etc.
Porém, antes dessas povoações serem
fundadas, colonos, fidalgos e bandeirantes iniciaram a povoação de uma área
situada entre os rios Anhembi (Tietê) e dos Surubins (Paraíba). Estamos nos
referindo ao antigo povoado de Boigy, posteriormente Mogi das Cruzes, cuja
posição geográfica divide os pesquisadores. Para alguns, Mogí não faz parte do
Vale do Paraíba, enquanto que outros afirmam o contrário. Seja como for, o
antigo arraial está ligado ao Vale por ter sido durante os dois séculos
referentes ao bandeirismo e a atividade aurífera, o portal para o território
dos Puris, cortado pelo Rio Paraíba e situado entre as serras da Mantiqueira e
do Mar.
Há controvérsias entre alguns historiadores sobre
as origens de Mogí das Cruzes, quanto ao nome primitivo e ao (aos) fundador (es)
do povoado. A versão mais aceita é a que vincula o surgimento do arraial com a
figura de Braz Cubas, um dos fidalgos portugueses que vieram com Martins Afonso de Souza em 1531, considerado como o fundador
da Vila de Santos em 1543. No ano de 1560, Braz Cubas teria sido o primeiro
aventureiro a embrenhar-se pelo sertão seguindo o curso do Paraíba e
atravessando a garganta do Embaú para cruzar a Serra da Mantiqueira. No ano
seguinte, a 20 de maio funda a Fazenda Boigy, segundo a análise de Azevedo
Marques, em uma sesmaria obtida do rei de Portugal, próximo a uma aldeia
indígena que já ostentava esse nome. Embora não conste oficialmente de mapas,
nem da relação de capitanias, a área e o povado que surgiu posteriormente, são
identificados por alguns autores como a “capitania” de Braz Cubas, tendo este
falecido no ano de 1592. Entre 1597 e 1601, o local é identificado como povoado
de Boigy. Também em 1601, segundo Isaac
Grinberg, chega a Boigy o português Braz Cardoso para exercer a função de
Capitão-povoador, acompanhado da esposa, a paulista Francisca de Costa, além de
diversos colonos. Com tais colonos, o povoado de Boigy tem um crescimento
populacional e uma grande concessão de sesmarias. O pesquisador Isaac Grinberg
relacionou em obra conceituada alguns sesmeiros dos primórdios do século XVII,
como Gaspar Vaz, Francisco Vaz Coelho, Domingos Agostim, João de Almeyda, Padre João Alvares, Antônio
Fernandes, Balthazar Soares, etc. O
autor cita também bandeirantes oriundos da Vila de São Paulo e que se fixaram no povoado de Boigy, como
Francisco Martins Lustosa, João Portes Del Rey (companheiro de Bartolomeu da
Cunha Gago em incursões no Vale do Paraíba), João Preto, Simão da Cunha Gago )fundador
de Rezende), Rafael Adorno, Balthazar de Godoy (paulista, filho de pai homônimo,sendo
este por sua vez espanhol), entre outros. Com o crescimento natural e o aumento
das plantações, a população de Boigy solicita a criação da Vila, justificando a
distância que a separava de São Paulo, Santos e São Vicente. A elevação ocorre
no dia 1° de setembro de 1611, com o levantamento do pelourinho em solenidade
presidida pelo Capitão Gaspar Conqueiro e determinada pelo Governador da Repartição
do Sul Dom Luís de Souza. A cerimônia cria a Vila de Sant’Ana de Mogy Mirím,
nome que permanece até 1629, quando passa a Sant’Ana das Cruzes de Mogy –Mirím,
para mais tarde ser somente Mogí das Cruzes.
No entanto, vamos abrir aqui um parêntese
para analisarmos o nome do povoado. Na língua tupi, o original é “mboÎ’ y”, que
significa rio das cobras, sendo que “mboîa” é cobra e “y” é rio ou água.
Aportuguesando surgiu “boigy” e mais tarde sofrendo nova corruptela passou para
“mogí”. O rio que provavelmente era infestado por cobras para receber tal nome,
pode muito bem ser o Anhembi (Tietê) ou os de nome Mogí-Guaçú ou Mogí-Mirím,
cujas cabeceiras ficavam no termo da Vila, segundo os estudos de Dom Duarte
Leopoldo, bispo mogiano, citado por Isaac Grinberg. Porém, é bem mais provável
que seja o próprio Tietê, devido ao fato de o povoado estar próximo de suas
margens e de que, com grande probabilidade deveria ser habitado por ofídios
como sucuris e jiboias na época analisada. O termo “das Cruzes” poderia se
referir à existência de três cruzes no adro da igreja matriz, ou à prática de
demarcar os limites entre as Vilas de Mogí e São Paulo, também com cruzes,
sendo instaladas treze no ano de 1665. Para termos uma dimensão da área que
ocupava a Vila de Mogí, mencionamos que à mesma pertencia os atuais municípios
de Salesópolis, Arujá, Poá, Suzano, Itaquaquecetuba, Ferraz de Vasconcelos,
Santa Isabel, e Guararema, além de Santa Ana do Sapucaí em território
mineiro,que perderia em 1749. O já
citado pesquisador mogiano, Isaac
Grinberg enaltece a participação de diversos personagens nos conflitos ao longo
da História do Brasil, como na Guerra dos Emboabas,e a defesa de Santos quando
do ataque francês ao Rio de Janeiro, comandado por René Duguay-Trouin em 1711.
Também de Mogí teriam partido para o sul da colônia, batalhões de “voluntários”
para enfrentar a invasão espanhola de Dom Pedro de Cevallos em 1777, que já
estava em Santa Catarina. Outro destaque para mogianos é a constante presença nas
bandeiras, entradas ou expedições punitivas contra os indígenas.
Entrementes, em um recenseamento
realizado em 1815 na Província de São Paulo, é revelado que a Vila de Mogí
possuía 7.705 habitantes, sendo que 1.454 eram escravos. Em 1817, a Vila é
visitada pela comitiva composta por Spix, Martius e Ender no dia 30 de
dezembro. No ano de 1822, durante o seu périplo, o francês Saint-Hilaire ao
passar pelo local, afirma que as “ruas são bem largas, mas de casario pequeno,
e bem feio”; ao passo que os habitantes “são em geral pobres e suas terras
pouco férteis. O algodão é quasi (sic.) o único produto que exportam”. O
botânico chama a atenção pela fama que Mogi tinha pelas suas esteiras e balaios
confeccionados pelos habitantes. Também em 1822, a Vila recebe a visita do
príncipe Dom Pedro, quando de sua viagem a São Paulo. No dia da chegada, 23 de
agosto, o futuro imperador assina decreto demitindo José Arouche de Toledo Rendon
do cargo de Comandante de Armas da Província, nomeando em seu lugar Cândido
Xavier de Almeida e Souza. Como já era comum nas demais cidades paulistas,
principalmente valeparaibanas, Mogí ingressa no cultivo da rubiácea e no ano de
1852 exportava 150 mil arrobas de café, juntamente com 800 mil varas de pano de
algodão e 1.000 arrobas de fumo. Na rota dos viajantes, Mogi recebe em 1860 a
visita de Zaluar, cujo relato nos faz perceber o crescimento populacional que
oscilava entre 23 a 24 mil almas. O forte da economia ainda é o café, seguido
do algodão. Ainda assim, a descrição da Vila não é das melhores. Para o
viajante a Vila de Mogí é, “como a velha cidade de Taubaté, sombria, triste e
pesada”, pois ostentando uma “atmosfera monástica que se respira em nossas
antigas povoações (...) imprime a quase todas elas um cunho de singular
tristeza”. Durante a Guerra do Paraguai, “voluntários” mogianos integram os
batalhões patrióticos, como Carlos Boucault e o capelão Nuno Paiva, com afirma
Isaac Grinberg.
Concomitantemente, Mogí das Cruzes
ingressa no novo sistema de transporte, tanto de cargas, como de passageiros.
No dia 6 de novembro de 1875, o trajeto ferroviário entre São Paulo e Mogí é
festivamente celebrado em meio a grande júbilo. Em 1881, circula o primeiro
jornal intitulado “Gazeta de Mogy das Cruzes”, redigido pelo Tenente Coronel
João Batista Moreira da Glória. Outro periódico surge em Mogi no ano de 1885,
“O Mogyano”. Nos primórdios do período republicano, Mogí das Cruzes enfrenta
grave epidemia de varíola, enquanto que na economia, a cidade agora exportava
aguardente, produzindo 1.670 tonéis em 1894. Na área da cultura e educação, a
cidade também avança com a criação de corporações musicais e teatrais e
estabelecimentos de ensino público na virada do século XIX para o XX. Mogí das
Cruzes fica conhecida também pelas lentes do exímio fotógrafo Gustavo Adolpho
Schmidt, que reproduziu belíssimas imagens da cidade, como a antiga Santa Casa,
atualmente demolida, a Igreja do Rosário, a Igreja e o Convento do Carmo, a Rua
Dr. Deodato Wertheimer, entre outros. Por outro lado, as primeiras indústrias
chegam a Mogí solicitando de imediato, doações de terrenos para suas
instalações junto às autoridades municipais. Exemplo desse tipo de negócio
ocorreu em 12 de janeiro de 1908, quando o prefeito Souza Franco compra uma
área na Rua Barão de Jaceguay, de Pedro Avignon por 3:000$000, para depois ser
ofertado à empresa M. Vilella e Cia. para construir uma fábrica de chapéus. A
prefeitura, no entanto, teve que fazer um empréstimo para honrar tal
empreendimento. No ano de 1910, o “Almanak Laemmert” informa que Mogí das
Cruzes possuía as seguintes indústrias: Fábrica de Chapéus, Fábrica de Peneiras
de Arame, Fábrica de Cervejas e Licores, Fábrica de Sabão, etc.
Vivenciando novos tempos, no dia 14
de outubro de 1922, a elite política de Mogi das Cruzes recebe, com enorme
festividade, o Presidente de São Paulo, Washington Luís que inaugura o primeiro
trecho da Estrada de Rodagem São Paulo-Rio (atual Estrada Velha), trecho São
Paulo-Mogí-Jacareí . Novamente evocando o voluntarismo e patriotismo do povo
mogiano, Isaac Grinberg destaca a participação do mesmo na Revolução
Constitucionalista de 1932 e na FEB, durante a campanha da Itália na Segunda
Guerra Mundial. Nessa última perderam a vida Hamilton da Silva e Costa, Otto Unger,
Américo Rodrigues, Francisco Franco (este deveria ser em homenagem ao ditador
fascista espanhol, morto em 1975), Castilho Gualda e Jamil Daglia. Mas um fato
anotado pelo ilustre pesquisador, e que não podemos deixar de citar também no
presente artigo é o destino que teve a Fábrica de Chapéus. Lembremos que a
Prefeitura de Mogi teve que fazer um empréstimo de três contos de réis para
comprar o terreno para em seguida doá-lo ao fabricante em 1908. Pois bem, com a
empresa falida, a Prefeitura compra de volta a antiga fábrica e terreno por
120:000$000 em 1938, em transação aprovada pela Câmara Municipal, através da
Lei n°5 de 30 de março. Um excelente negócio..., para o empresário, dono da
fábrica, obviamente. Em 1944 tem inicio as atividades da usina siderúrgica
Mineração Geral do Brasil, entrando Mogi em uma nova fase de industrialização.
Atualmente, a cidade de Mogí das
Cruzes concilia crescimento e desenvolvimento industrial e tecnológico com a
manutenção de hábitos e festividades antigas, tradicionais e culturais do
passado. Exemplo de fé, tradição e memória é a realização da Festa do Divino
Espírito Santo, belíssima manifestação não só religiosa como cultural,
revivendo as tradições e costumes dos antepassados com seus enfeites, bandeiras
do Divino, cânticos, danças, além do maravilhoso desfile em carros de bois
pelas ruas da cidade. A festividade se realiza, geralmente no mês de maio de
cada ano, seguindo um ritmo que já dura cerca de 300 anos. A cerimônia tem
início de madrugada, de acordo com o ilustre jornalista Darwin Antônio de Godoy
Valente, que afirma que com o sol já despontando, “é chegado o momento de todos
tomarem o sagrado café da madrugada, que só será servido depois que os
violeiros agradecerem ao Divino, com suas cantorias. O momento revive um hábito
dos antigos festeiros, de oferecerem alimento matinal aos devotos do Espírito
Santo vindos da distante zona rural para participar da Alvorada”. Outras
cidades também realizam festas populares em que se procuram manter as
tradições, como por exemplo, a festa de São Benedito em Guaratinguetá e
Aparecida e as comemorações do Corpus Christi em Caçapava. Oxalá todas as
cidades conciliassem progresso e tradição como Mogi das Cruzes, Guaratinguetá,
Caçapava e Aparecida. Principalmente Mogí das Cruzes que, com suas
manifestações culturais e religiosas acaba “voltando” no tempo; no tempo em que
era apenas Boigy. Até a próxima.
Eddy Carlos.
Dicas para consulta.
ARRUDA e PILETTI, José Jobson de A. e Nelson. Toda a História. História Geral e História
do Brasil. Editora Ática. São Paulo, 1995.
GRINBERG, Isaac.
História de Mogi das Cruzes. (Do começo até 1954). Saraiva. São Paulo,
1961.
SQUEFF e FERREIRA, Enio e Helder Perri. A Origem dos Nomes dos Municípios Paulistas. Imprensa Oficial. Governo do Estado de São Paulo. São Paulo,
2003.
SANTOS e REGATO, Lailson e Robson. A Fé. Festa do Divino Espírito Santo de Mogi das Cruzes. Três Séculos de Tradição. Edição dos autores. São Paulo, 2010.
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