Há muito que
nossa sociedade tem demonstrado um total descaso pela Cultura em nosso país.
Isso se reflete também na Educação como um todo, principalmente, após o
congelamento dos “gastos” nessa área e também na Saúde, efetivado pelo Governo
Federal. Ou seja, o que já estava ruim ou péssimo, piorou ainda mais. Em se
tratando da Cultura propriamente dita, o fato lamentável ocorrido na noite de
02 de setembro deste ano “coroou” um processo de desprezo pelo que nós temos de
mais importante; da nossa História, Memória, além da Ciência. E como não
poderia ser diferente, logo surgem as trocas de acusações, referentes à
irresponsabilidade de diversas áreas institucionais. O Museu Nacional do Rio de
Janeiro era o nosso maior símbolo cultural de nossa identificação histórica e,
além de 200 anos de História que viraram cinzas, nossa Ciência retrocedeu em
aproximadamente 100 anos. Uma catástrofe inimaginável. Porém, analisemos um
pouco mais o histórico desse prédio que muitos desprezam, incluindo nossa
classe política, sem distinção partidária.
O Museu Nacional tem suas
origens na antiga Fazenda São Cristóvão, dos jesuítas, confiscada pelo Marquês
de Pombal em 1759, quando da expulsão destes, de todo o Reino de Portugal,
incluindo o Brasil. Ainda no final do século XVIII, a propriedade foi adquirida
por um mercador de escravos, Elias Antônio Lopes, que inciou a construção do
soberbo casarão por volta de 1803. Conhecida como Chácara do Elias, foi por
este doada para o Príncipe Regente, Dom João, em 1808, quando a Família Real
chega ao Brasil, fugida das tropas francesas de Napoleão. Governando em nome de
sua mãe, a Rainha Dona Maria I, a Louca, Dom João batiza a propriedade com o
nome de Quinta da Boa Vista e o imóvel de Paço Real; já iniciando algumas
ampliações que, junto com outras que viriam, formariam o conjunto arquitetônico
conhecido. Entre 1808 e 1820, a Família Real residiu no imenso palácio; em
1816, após a morte de sua mãe, o Regente é coroado Rei com o nome de Dom João
VI. Nesse período, alguns fatos históricos ocorreram no então Paço Real. Foi lá
que foi decidida a invasão da Guiana Francesa em 1809, como represália à
Napoleão. Também foi lá que foram ordenadas as duas invasões à Banda Oriental,
em 1811 e 1816. Na segunda, houve a ocupação e anexação do território, que
depois tornou-se a Província Cisplatina (hoje Uruguai). E ainda em 1815, lá que
foi criado o Reino Unido de Brasil, Portugal a Algarves, fato considerado por
alguns historiadores como a emancipação política do Brasil. E em 1818, o
monarca cria o Museu Real, que ficou sediado no Campo de Sant’Anna até 1892, quando
é transferido para o referido palácio. O Museu Real, teve como primeiro Diretor
o franciscano Frei José da Costa Azevedo.
Com o retorno de Dom João
VI a Portugal e a Independência decretada por seu filho, Dom Pedro I em 07 de
1822, o palácio passa a ser chamado de Paço Imperial, sendo assim mantido até
1889, quando a monarquia é deposta em 1889. A partir de 1850, Dom Pedro II
amplia ainda mais o já imenso palácio e,
assim como seu pai, vai adquirindo vários artefatos científicos e arqueológicos,
como múmias e sarcófagos egípcios, vasos de porcelanas chinesas e outros
artigos raríssimos de diversas partes do mundo. Outro fatos políticos que
marcaram a nossa História foram decididos no agora Paço Imperial, entre eles, a
guerra contra a Argentina, de Juan Manuel de Rosas, na qual atuou o Marquês do
Paraná, Honório Hermeto Carneiro Leão, que ao “defender” o Uruguai do caudilho
argentino, acabou anexando quase metade de seu território ao Rio Grande do Sul
na chamada Questão do Prata (1851-1852) . E também foi decidida a Guerra do
Paraguai (1864-1870).
Ao longo do século XIX o
Paço Imperial da Quinta da Boa Vista foi retratado em belíssimas pinturas, as
quais foram divulgadas no Velho Mundo. Em 1817 por Thomas Ender, integrante da
Missão Austríaca de Johann Baptist von Spix e Karl Friedrich Phillpp von
Martius; Ender é o mesmo que retratou paisagens do Vale do Paraíba no mesmo
ano. Outra que pintou a paisagem foi a escritora inglesa Maria Graham, em 1820.
Jean-Baptiste Debret, pintor francês, também retratou a imensa propriedade em
1834; e o aristocrata prussiano, Karl Robert Barton von Planitz, que também
realizou uma belíssima obra de arte do palácio entre 1835 e 1840. E,
obviamente, as impressionantes fotografias de Marc Ferrez, de 1870 e 1872. Com
a deposição do imperador e do banimento da Família Imperial, é implantada a
República no Brasil, e é na antiga residência da monarquia que é sediada a
primeira Assembleia Constituinte, entre 1889 e 1891. Depois de lá ter sido
instalado o Museu Nacional em 1892, como já mencionado, o prédio foi tombado
pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional), em 1938,
durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. Em 1946 foi incorporado à UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro), Em 1958, o Presidente da República, Juscelino Kubitschek,
visitou esse centro de memória e pesquisas. E foi o último chefe do Poder
Executivo a fazer isso; para os demais que o sucederam, talvez não tivesse importância.
Mas outras pessoas visitaram ao longo de sua existência. Em 1925 o Físico
Albert Einstein. No ano seguinte foi a vez de Marie Sklodowska Curie, a Madame Curie. Em 1928 foi a
vez de um brasileiro honrar a instituição com sua visita; Alberto Santos
Dumont, o Pai da Aviação. E também o antropólogo belga, Claude Lévi-Strauss,
entre 1935 e 1939.
O Museu Nacional abrigava um
vasto acervo com mais de 20 milhões de itens, englobando alguns dos mais
relevantes registros da memória brasileira no campo das ciências naturais e
antropológicas, bem como amplos e diversificados conjuntos de itens
provenientes de diversas regiões do planeta, ou produzidos por povos e
civilizações antigas, incluindo um dos mais antigos fósseis humanos da América
Latina: o crânio de 11.500 anos de idade denominado “Luzia”. Possuía uma das maiores bibliotecas especializadas
em ciências naturais do Brasil, com mais de 470.000 volumes e 2.400 obras
raras. Referindo-se a documentos históricos valiosíssimos, estavam no Museu
Nacional, a Declaração da Independência, e a
Lei Áurea, esta assinada pela Princesa Isabel em 1888, que pôs fim ao sistema
escravista no Brasil.
Ainda que a mídia esteja
divulgando a intenção de se restaurar o Museu Nacional, o que não se deve dar
créditos, é impossível recuperar tudo o que foi destruído. Não há como se
“restaurar” cinzas. A realidade é óbvia; incineramos nosso bem mais precioso.
Por outro lado, desde 1998, a Direção do Museu vem solicitando recursos
adicionais para reparos urgentes em sua estrutura e também para restauro de
ítens que compunham o gigantesco acervo. Ora, nem a própria verba de manutenção
estava assegurada. O próprio Ministério Público Federal alertava há anos o
risco de incêndios, devido à precariedade das instalações. E mais, em 10 anos
oito instituições culturais foram destruídos no Brasil por incêndios: Teatro
Cultura Artística, em 2008; Instituto Butantan, em 2010; Memorial da América
Latina, em 2013; Museu de Ciências Naturais da PUC-MG, também em 2013; Centro
Cultural Liceu de Artes e Ofícios, em 2014; Museu da Língua Portuguesa, em
2015; Cinemateca Brasileira, em 2016; e agora o Museu Nacional. Qual será o
próximo? O Arquivo Nacional? O Jardim Botânico? Ou qualquer outro museu do
país, inclusive do Vale do Paraíba? O feriado da Independência do Brasil
deveria ser também motivo de reflexão, pois até o significado dessa data e de
outras históricas, já perderam o sentido há muito tempo. Quando destinar verbas
para lavar carros de políticos é considerado mais importante do que preservar o
Patrimônio Histórico, chegamos à triste constatação de que o Brasil é um local
de anencéfalos. Almejamos sim, chegarmos no patamar de países desenvolvidos,
como Estados Unidos, França, Inglaterra, Alemanha, etc. Mas essas nações
preservam seus museus e, não obstante, seu patrimônio histórico. Deveríamos
aprender com seus exemplos e não somente passar vergonha e ser motivo de
escárnio, em rede internacional.
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