Um senhor e crianças alemãs fazem a saudação nazi, em uma fazenda, em Presidente Bernardes-SP, no ano de 1935. Imagem extraída da internet.
Na segunda metade do
século XIX, o Brasil começou a receber um imenso contingente de imigrantes de
diversas partes do mundo, atraído pelos governantes e fazendeiros que viam no
estrangeiro uma alternativa para os braços cativos dos negros. Mas foi da
Europa que a maioria dos imigrantes veio para os trópicos, como portugueses,
espanhóis, italianos e alemães. No caso destes últimos, o fluxo imigratório
teve inicio já em 1824, quando por iniciativa de D. Pedro I e José Bonifácio,
foi fundada no Rio Grande do Sul a colônia alemã de São Leopoldo. Outros grupos
teutos viriam para o Brasil ainda na primeira metade do século XIX, resultando
na fundação das colônias de Nova Friburgo, Florianópolis (na época chamada de
Vila de Nossa Senhora do Desterro), Santo Amaro e Limeira. Nesta última, os
germânicos estabelecem uma parceria de meação para o plantio e colheita do café
com o Senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, proprietário da Fazenda Ibicaba. Apesar da euforia inicial, as promessas de políticos e
fazendeiros para os imigrantes nunca foram cumpridas levando ao fracasso das
colônias, à exceção de São Leopoldo. Em 1856 os colonos da Fazenda Ibicaba
revoltam-se contra o proprietário, devido às péssimas condições de trabalho, de
moradia e endividamento permanente. Saindo do controle, a revolta foi sufocada
após a intervenção da Guarda Nacional, que responsabilizou os colonos pela
situação, fato que levou a Prússia a proibir por longo tempo a imigração para o
Brasil em 1859, mesmo com o Governo Imperial, através de uma comissão dar ganho
de causa aos colonos após a constatação de semi-escravidão em que viviam na
Fazenda Ibicaba. Porém, com a proclamação da República, o fluxo imigratório se
intensifica e entre eles estão novamente os alemães, que apesar de escolherem
novamente o Rio Grande do Sul, alguns buscavam novas localidades. Em Minas Gerais , mais
precisamente na cidade de Juiz de Fora, famílias alemãs arruinadas de Hesse,
Holstein, Baden, etc. fixam moradia na Colônia de D. Pedro II, que fora
inaugurada já em 1861. No Vale do Paraíba temos conhecimento de que em
Guaratinguetá, na Colônia do Piagüí, fixaram residência Valentim e Francisco
Kodel, de Staermak e Francisco Puch, de Dresden. Apesar de tudo, foi no sul do
país, que os alemães se radicaram, fundando colônias que mais tarde transformar-se-iam
em grandes cidades, nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Nas primeiras décadas do século XX, o Brasil busca modernizar-se,
tendo como referência os padrões europeus. Sendo assim, o estilo de vida nas
colônias alemãs era visto como símbolo de modernização que os brasileiros
deviam seguir. Essa tendência iria se acentuar após a Revolução de 1930 e a
conseqüente ascensão de Getúlio Vargas à chefia da nação. Ao ideal de modernidade,
Vargas atrela a política nacionalista, visando a criação do conceito de
brasilidade, utilizando ainda como referência a cultura e os costumes de povos
germânicos radicados no Brasil. Mesmo na Alemanha, no período entre-guerras,
grassava uma aguda crise econômica, causada pela desvalorização acentuada do
marco alemão, somadas as pesadas obrigações financeiras impostas pelo Tratado
de Versalhes e a invasão francesa na região industrial do Ruhr, o ímpeto de sua
população era valorizado nas colônias sul-americanas e louvado pelo Brasil.
Concomitantemente, a crise favoreceu a ascensão do Partido Nazista nas eleições
de 1932, cujo ápice foi a nomeação de Adolf Hitler para o cargo de Chanceler
(Chefe de Governo) pelo Presidente Paul Von Hindemburg em 30 de janeiro de
1933. Adotando uma política de extrema direta e o autoritarismo, a Alemanha de
Hitler acabou tornando-se uma fonte inabalável de inspiração no Brasil para o Governo
Vargas. De acordo com a análise da historiadora Priscila Ferreira Perazzo, até
1938 o III Reich era visto como modelo de modernidade, sendo o nacionalismo
alemão transformado em fonte de inspiração do que se pretendia construir: um
Estado forte de cunho nacionalista. Os alemães sustentavam a imagem de um povo
que sofrera derrotas e humilhações militares frente a outros povos europeus,
mas que não se havia deixado abater: conseguira reerguer-se, alcançando o auge
logo após a ascensão de Hitler ao poder. Isso significa que era como um hábito
ou prática comum no quotidiano brasileiro exaltar tudo aquilo que fosse
identificado como cultura e costumes dos nórdicos. Segundo Priscila Perazzo,
essa propensão podia ser constatada na literatura brasileira quando na imprensa
e discursos políticos, onde na maioria das vezes, o elemento ariano era encarado
como o modelo ideal de brasilidade. Dessa forma, na opinião da historiadora
Priscila, uma vez que “o nacionalismo nazi-fascista se manifestava através da
apologia das próprias características culturais, levadas ao extremo, (...),
Vargas teria percebido no nacionalismo alemão, (...) um modelo de implementação
para seus propósitos nacionais, tanto que o próprio governo central recomendava
aos governos nos estados que se prestigiassem as festividades teuto-brasileiras”.
As semelhanças entre os governos brasileiro e alemão
podiam ser notadas também quando à simpatia e admiração de Getúlio pelo sistema
totalitário e nazista, além da edificação do Estado Nacional, tendo como bases
uma raça homogênea, a valorização do trabalho, da pátria e família, um órgão de
propaganda para institucionalizar o regime. Outra faceta idêntica à dos
nazistas era o anti-comunismo e o anti-semitismo verificados quando da
repressão a Intentona Comunista de 1935 e a prisão e deportação para a
Alemanha, da judia Olga Benário, companheira de Luís Carlos Prestes. Presa com
Prestes em 1936 e entregue à Gestapo por Filinto Müller, chefe de polícia do
Distrito Federal, Olga é executada na câmara de gás de Bernburg, por volta de
1942. Com o advento do Estado Novo, no entanto, o “excesso” de liberdade de
ação que os alemães desfrutavam no Brasil, passou a ser questionado
oficialmente. Como exemplo, Priscila Perazzo menciona em obra conceituada, que
desde 1934, o cidadão alemão Hans Henning von Cossel atuava como chefe da seção
do Partido Nazista no Brasil, junto à colônia alemã no pais. Por outro lado, as
leis de nacionalização decretadas pelo Governo Vargas causaram um estremecimento
nas relações imigrante germânico e o Estado Novo, embora aparentemente as
relações internacionais e comerciais entre os dois países totalitários seguissem
firmes. Debelada a “ameaça” comunista, o Brasil com o Estado Novo passou a
propagar a idéia do “perigo alemão”, reforçada com a atuação do NSDAP (Partido
Nazista), no sul do país, como já mencionado, e com a deflagração do conflito
na Europa, quando Hitler invade a Polônia em 1º de setembro de 1939. Ao mesmo
tempo em que o Estado Novo criava leis e se cercava de varias formas para
controlar o “perigo alemão”, Getúlio Vargas mantinha as relações diplomáticas e
econômicas com o Reich do Führer, mantendo inclusive a simpatia com o sistema
político nazista. Como exemplo, podemos citar a admiração declarada do General
Góes Monteiro pela máquina de guerra alemã, representada pela Wermatch (Exército)
e a Luftwaffe (Força Aérea) ou a admiração também, de Filinto Müller, por Heinrich
Himmler (chefe máximo da Gestapo e da SS). Filinto chegou a visitar Himmler na
Alemanha, tanto era o seu entusiasmo.
Assim sendo, em meados da década de 1940, o Brasil fica
“em cima do muro”, oscilando entre a Alemanha e os Estados Unidos até 1942. Há
muito, o governo brasileiro almejava construir uma Usina Siderúrgica,
solicitando financiamento para os norte-americanos, que sempre vetavam,
argumentando que “era melhor para o Brasil continuar importando aço”, apesar de
matéria-prima ser extraída no próprio Brasil. Em meio à guerra na Europa, com o
avanço nazista, após a queda da França, os Estados Unidos foram surpreendidos
com a notícia de que a Krupp, empresa alemã, com total apoio do Führer construiria
em Volta Redonda a tão sonhada siderúrgica, sem custo algum para o governo
brasileiro. Diante de tal fato, a política norte-americana foi revista e, além
de pressionar o Brasil contra a Alemanha, o financiamento para Volta Redonda
foi aprovado, porém com o custo de 70 milhões de dólares. Durante a conferência
dos Chanceleres (nesse caso, ministros das relações exteriores) das três
Américas, realizada em janeiro de 1942 no Rio de Janeiro, o governo
norte-americano exacerbou o conceito do “perigo alemão” para fazer o Brasil,
além da Argentina e Uruguai a romperem com o Eixo (Alemanha, Itália e Japão).
Nesse cenário, o mais simples cidadão alemão passa a ser rotulado de nazista ao
passo que nazismo significava atrocidade, selvageria, matança, etc. A
manipulação ideológica acaba surtindo efeito, pois ela revela, segundo Priscila
Perazzo, que Getúlio Vargas faz a opção de se alinhar com os Aliados contra o
Eixo, “uma vez que o pan-americanismo revela-se uma ideologia superior ao
fascismo, por não exaltar uma raça ou pátria e, sim, por realçar a
solidariedade entre as nações e respeitar a soberania nacional. Isso implica em
apontar que o Terceiro Reich não respeitaria a soberania do governo Vargas, ou
seja, seria capaz de tentar conquistar o Brasil, subjugando-o ao governo alemão”.
Em agosto de 1942, o Brasil declara guerra ao Eixo, após o “torpedeamento” de
navios mercantes enquanto que a colônia alemã no Brasil passa a ser perseguida
pelo Estado Novo.
A partir de 1942, ao mesmo tempo em que o Brasil combatia
os nazi-fascistas sob o comando dos EUA, internamente utilizou o aparato
policial para retirar o “inimigo” de circulação, concretizada com inúmeras
prisões arbitrárias e sem acusação formal; para alguns, no entanto, por serem
membros do Partido Nazista, foram-lhes imputado o crime de espionagem, sendo
então entregues ao Tribunal de Segurança Nacional. Dentre os acusados de serem
espiões nazistas, podemos citar Hans Christian von Kotze, Niels Christian
Chistensen, Albrecht Gustav Engels, Herbert von Heyer, Heinz William Ehlert, Friederich
Kempter, etc. Houve também episódios de alguns brasileiros que colaboravam com
a espionagem alemã, como é o caso de Paulo Gustavo Griese, condenado pelo TSN,
ficando recluso em Ilha Grande. As autoridades, contudo, resolveram criar um
novo modelo de prisões, similares aos que o III Reich criara na Europa para
judeus, ciganos, negros, homossexuais e comunistas: os campos de concentração.
Aqui no Brasil seriam os alemães (e em menor escala, italianos e japoneses) os
“hóspedes” dos campos, onde vários representantes da comunidade teutônica foram
aprisionados e, na maioria das vezes, presos por terem nascidos alemães. Nesse
ínterim, o governo brasileiro entregou a responsabilidade de instalação dos
campos para os súditos do Eixo, para o Ministério da Justiça, auxiliado pela
Policia Política. Em sua pesquisa, Priscila Perazzo comprovou a existência de
campos de concentração em atividade entre os anos de 1942 e 1945, nos Estados
de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Rio Grande
do Sul, Pará e Pernambuco. No Estado de São Paulo foram abertos cinco campos de
concentração: em Bauru, Ribeirão Preto, Pirassununga, Pindamonhangaba e
Guaratinguetá. Os três primeiros tiveram duração efêmera, sendo seus internos
transferidos para os campos do Vale do Paraíba. Apesar de abrigarem também
italianos e japoneses, súditos de potências inimigas como a Alemanha, os campos
de concentração serviram quase exclusivamente para aprisionar os tripulantes do
Windhuk, um navio turístico alemão cujo destino era a África. O Windhuk havia partido de Hamburgo em meados
de 1939 e em fins de agosto daquele ano lança âncora na África do Sul, então possessão
britânica; com o clima tenso entre Alemanha e Inglaterra, seu comandante recebe
orientação para buscar um porto neutro. No dia 3 se setembro de 1939, França e
Inglaterra declaram guerra à Alemanha em resposta à invasão da Polônia e diante
disso os tripulantes do Windhuk disfarçam o navio com cores e nome japoneses e chega
ao porto de Santos em dezembro, aproveitando o fato do Brasil ainda estar
neutro no conflito. Até 1942, não foram incomodados, buscando adaptar-se à
terra firme enquanto a guerra seguia. Com a entrada do Brasil contra a
Alemanha, os tripulantes destruíam o navio para evitar represálias, mas foram
presos pela polícia de Santos e enviados para São Paulo. Num total de 250
tripulantes foram divididos entre os cincos campos paulistas, já mencionados;
em seguida reagrupados e confinados em Pindamonhangaba e Guaratinguetá. Embora
não tenham se igualado aos campos de concentração nazista, os do Brasil
principalmente os do Vale do Paraíba caracterizavam-se pelos trabalhos
forçados, os quais iam desde serviços de escritório a faxina. Havia também
serviços de barbeiro, horta, enfermeiro, sapateiro, engenharia, etc. A
vigilância era severa tanto em Pindamonhangaba como em Guaratinguetá. Quando
se recusavam a trabalhar os internos ficavam trancados em um grande salão, com
piso de cimento e, nus, sem direitos a comida, água, cama e roupas. Aguardando
com ansiedade o fim da guerra, os prisioneiros mantiveram contatos com familiares
e conhecidos, através de cartas, geralmente censuradas pelas direções dos
campos. Apesar de tudo, o clima entre os detentos e o diretor do campo de Pindamonhangaba
Clodomiro Vergueiro Porto era considerado amistoso, mesmo censurando as
correspondências. A censura era deliberada e aprovada pelas autoridades
internacionais, no caso o Cônsul Geral da Espanha, cuja embaixada espanhola
representava os interesses dos alemães cativos no Brasil.
Todavia, mesmo antes do término do conflito mundial, o Governo
Vargas autorizou a libertação de alemães que eram casados com brasileiras,
mantendo os demais nos campos. Com o encerramento da guerra na Europa em agosto
de 1945, com a rendição da Alemanha e ocupação pelos Aliados, os prisioneiros
dos campos de Pindamonhangaba e Guaratinguetá foram libertados; em sua maioria,
os ex-tripulantes do Windhuk, que agora poderiam voltar para a pátria. Porém, o
contexto da guerra modificou para sempre os destinos dos tripulantes do navio
Windhuk, pois seu país fora arrasado, o governo foi deposto e estrangeiros estavam
no comando, conforme a análise de Priscila Perazzo. Dessa forma a maioria
decide permanecer e reorganizar a vida tanto profissional e familiar, o que não
foi fácil, pois as autoridades brasileiras não favoreceram a reintegração
desses alemães, que continuaram sendo monitorados. Mesmo empresários que
ofereceram trabalho para esses ex-internos tiveram suas intenções dificultadas
ou vetadas pelo Estado. Com a queda da Alemanha, seus cidadãos deixam, pelos
menos oficialmente, de representar um perigo iminente. No Brasil, os campos de
concentração, incluindo os do Vale do Paraíba foram extintos; isso, entretanto
não apagou a indiferença e discriminação contra os alemães, que apenas
cometeram o “crime” de nascerem em famílias germânicas. Por outro lado, a entrada
do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados significou uma enorme
contradição. Como lutar ao lado de países democráticos contra nações de regimes
totalitários, pregando a libertação dos povos se o próprio Estado Novo era
totalitário? A vitória do Brasil junto com os Aliados acabou transformando-se
em uma derrota para Getúlio Vargas. No dia 29 de outubro de 1945, um golpe
militar depõe o Ditador, que se retira para a sua estância em São Borja no Rio
Grande do Sul. É o fim do Estado Novo e o perigo alemão não existe mais. Até a
próxima.
Eddy Carlos.
Dicas para consulta.
COLEÇÃO Nosso Século. Vol. 6. 1930 / 1945 (II).
Abril Cultural. São Paulo, 1985.
BARNETT, Correlli (Org.).
Os Generais de Hitler. Jorge Zahar.
Rio de Janeiro, 1991.
HÖHNE, Heinz. SS. A Ordem Negra. Biblioteca do Exército.
Rio de Janeiro, 1970.
PERAZZO, Priscila Ferreira.
O Perigo Alemão e Repressão Policial no
Estado Novo. Imprensa Oficial.
São Paulo.
WAACK, William. Camaradas. Companhia das Letras. São
Paulo, 1993.
E-mail: eddycarlos@ymail.com
Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br
Olá!
ResponderExcluirMinha resenha deu 180 linhas, parabéns pelo texto, porém fiquei chocado ao ver que o seu tem 159. tentei resumir o máximo que pude, mas acho que ficou bom, continue escrevendo, seus textos são de uso imprescindível para estudantes, alem de contar e apresentar fatos consistentes, fiquei seis horas lendo e escrevendo, mas sinto que foi uma das melhores coisas que fiz hoje.
De seu aluno admirador da historia e do tempo histórico e oscilante;
-Murilo.
26/08/19.