Desde que os seres humanos
passaram a viver em comunidade, sempre houve a necessidade de se elaborar
registros do seu quotidiano. Fossem por questões de organização da vida social
ou política, até mesmo econômica, logo surgiram, inclusive entre povos ágrafos,
inúmeras formas desses registros. Tais podiam ser, censos da população,
contabilidade de safras agrícolas, do pastoreio, de escravos, etc. Isso se
intensificou com o surgimento das primeiras guerras, com as narrativas de
feitos militares e a vitória de príncipes e reis, entre outros. Com isso, as
primeiras “narrativas históricas” foram feitas a partir do ponto de vista dos
vencedores, que denominamos História Oficial. Considerado o “Pai da História”,
Heródoto de Halicarnasso (484-425 a.C.), representa essa vertente, que continua
influente até os dias atuais. Heródoto ficou famoso por narrar as Guerras
Greco-Pérsicas, o que fez também sob o ponto de vista religioso. Porém, mesmo
sendo assim, segundo a análise de José Jobson de Andrade Arruda e Nelson
Pilletti, o historiador grego “se preocupava em conhecer os povos cujas
histórias contava: visitou o Egito, a Itália e a Ásia Menor.” Outro que se
destacou, desde os tempos antigos, é o judeu Flávio Josefo, contemporâneo da
destruição de Jerusalém pelas legiões de Tito, durante a penúltima revolta dos
zelotes, (67-70 d.C.). Autor dos livros “História dos Hebreus” e “Guerras dos
Judeus”, Josefo é considerado como exímio narrador e detalhista, dos fatos
ocorridos em seu tempo.
No Brasil o expoente máximo da
historiografia nacional, ainda que oficial e tendenciosa, é Francisco Adolpho
de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro. Gozando do apoio e da simpatia de Dom
Pedro II, Varnhagen publicou sua obra máxima, a “História Geral do Brasil”,
entre 1854 e 1857. Até a década de 1930, outros nomes se destacariam em nossa
historiografia, como Capistrano de Abreu, Jaime Cortesão, Afonso D’Escrangnolle
Taunay, Alcântara Machado, Alfredo Ellis Jr, etc, adeptos da historiografia
oficial. No final de 1929 surgiu na França a “Revista Annales
d’Histoire Économique et Sociale”, fundada por Lucien Febvre e Marc
Bloch. Ao
longo de 1930 as publicações dessa revista inspirariam a formação de uma nova
corrente historiográfica, a Escola dos Annales. Também conhecida como “Nova
História”, representava um novo conceito de historiografia, que partia do
estudo da Micro-História, inserido em um contexto amplo, ou seja, da
Macro-História. Com isso, outros segmentos sociais, antes ignorados, passaram a
ter “voz” na História, abandonando-se como parâmetros, nomes e atos heroicos de
líderes políticos e militares, nobiliárquicos, relacionados com as elites
dominantes. Da França, o pensamento dos Annales expandiu-se pela Europa,
influenciando novos pesquisadores, priorizando outros prismas de análise, como
o político, social, econômico, cultural, religioso, etc. E logo chega ao
Brasil. No país tupiniquim, a Semana de Arte Moderna de 1922, já questionava os
padrões culturais europeus. Coincidindo com a ascensão de Vargas, após a
Revolução de 1930, no campo dos estudos históricos também ocorrem mudanças
significativas.Três nomes revolucionam a análise histórica e a historiografia brasileira. Em 1933, Caio
Prado Jr, de inspiração marxista, publica o livro “Evolução Política do
Brasil”, que é considerado um marco significativo na nossa historiografia
crítica. Também em 1933, o sociólogo Gilberto Freyre publica o livro
“Casa-Grande e Senzala”, que apesar de rever conceitos antigos, aborda a tese
de que não havia conflitos raciais no Brasil Colonial. E no ano de 1936, Sérgio
Buarque de Holanda, de inspiração weberiana, publica o livro “Raízes do
Brasil”, abordando a tese do “homem cordial” na formação da sociedade
brasileira. Na senda iniciada por essa tríade, outros nomes surgiram,
enriquecendo a historiografia nacional, como Hélio Silva, Nelson Werneck Sodré,
José Honório Rodrigues, Octávio Tarqüínio de Sousa, entre outros. Seguindo essa
inspiração e, valorizando a história e a cultura regionais, entre as décadas de
1960 e 1970, surgiram nomes significativos no Vale do Paraíba. O ápice desse
movimento foi a criação do Instituto de Estudos Valeparaibanos, o IEV, em 1973.
Nosso foco passa a ser um dos fundadores dessa instituição, que completa neste
ano 45 anos de existência.
Conforme a análise da professora
e escritora, Cleuza Martins de Carvalho, José Luiz Pasin nasceu no Município de
Aparecida, no dia 27 de agosto de 1939. Era o primogênito do casal José Pasin,
descendente de italianos, e Thereza de Jesus Trainin Pasin, descendente de
franceses. O referido casal teve mais três filhos: Alfredo José Pasin, nascido
em 1941; Agostinho Pasin, nascido em 1943; e Elisabeth Antônia Pasin Planet,
nascida em 1945 e falecida em 2007. Segundo Cleuza Martins, a ascendência
estrangeira teve substancial importância na formação do primogênito do casal
Pasin. Durante o aprendizado escolar, José Luiz Pasin passou pelo Grupo Escolar
Chagas Pereira, de Aparecida; Colégio São Joaquim (salesiano), de Lorena;
Instituto de Educação Conselheiro Rodrigues Alves e Colégio Antônio Rodrigues
Alves, ambos de Guaratinguetá. Na sequência, ingressando na Faculdade Salesiana
de Filosofia, Ciências e Letras, de Lorena, obtém, no ano de 1962, a graduação
de Licenciado em História e Geografia. Cleuza Martins afirma que, logo em
seguida, o jovem Pasin “licenciou-se em Pedagogia, pela Faculdade de Educação
de Guaratinguetá. Também fez complementação em Estudos Sociais, pela Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras, de Lorena e Especialização em História do
Brasil, na mesma instituição. Aluno ainda, já lecionava para o primeiro ano da
faculdade em que estudava. Depois de formado, lecionou em colégios particulares
e tornou-se professor universitário credenciado, trabalhando em várias
faculdades da região”. Ao mesmo tempo desenvolveria sua principal
característica que o consagrou: a de um pesquisador rigoroso e, também, de um
ambientalista devotado à causa.
No dia 30 de junho de 1973, José
Luiz Pasin e outros intelectuais, como Francisco Sodero Toledo, Nelson
Pesciotta, Paulo Pereira dos Reis, Thereza Regina de Camargo Maia, José Carlos
Ferreira Maia (Tom Maia), entre outros, fundam em Guaratinguetá o Instituto de
Estudos Valeparaibanos (IEV). A iniciativa partira do Prof. Pasin, devido ao
sucesso do I Simpósio de História do Vale do Paraíba, realizado em Lorena em
1972. Mais uma vez recorremos à Profª Cleuza Martins que afirma que, a
entidade, sem fins lucrativos, “congrega dezenas de pessoas interessadas na
pesquisa, no estudo, na preservação de documentos, monumentos, obras artísticas
eruditas e populares (...), da ampliação dos arquivos e museus, do folclore
regional e das festas populares”. Em 1975, após a morte de seu pai, o Prof.
Pasin recebe como herança a Fazenda Boa Vista, localizada às margens da Rodovia
Presidente Dutra, em Roseira Velha, Município de Roseira. O novo proprietário
promove algumas adaptações, transformando a fazenda em um ecomuseu, que se
torna também um pólo irradiador de cultura e conhecimento, atuando
simultaneamente com o IEV; às vezes de forma independente. Consequência disso,
foi que já em 1975, era realizado no Fazenda Boa Vista, o evento de lançamento
do livro “Vale do Paraíba. Velhas Fazendas”, de Tom Maia e Sérgio Buarque de
Holanda, o qual esteve presente à sessão de autógrafos. Muitos eventos
culturais, incluindo peças teatrais, foram realizados na Fazenda Boa Vista, por
José Luiz Pasin, ou por alguns de seus amigos e conhecidos. Pessoas como, Ruth
Guimarães, Odete Lara, Bete Mendes, Suzana Amaral, Walmor Chagas e muitos
outros, tinham presença constante no “Páteo das Artes” da Fazenda Boa Vista,
que recebia também visitas de alunos das escolas da região. E, como não podia
ser diferente, José Luiz Pasin criou e organizou o Arquivo da Fazenda Boa Vista,
composto de vasta documentação pessoal de si e de sua família, bem como de
documentos históricos, referentes ao Vale do Paraíba; integrava também o rico
acervo, impressos dos eventos culturais, saraus e lançamentos de livros que eram
realizados no local. Em outra frente, com o apoio de inúmeros intelectuais e
escritores, não só do Vale, mas de várias partes do Brasil, o Prof. Pasin criou
em 1988, a Fundação José Luiz Pasin, instalando-a nas dependências da Fazenda
Boa Vista. No dia 12 de outubro de 1989, a Prefeitura Municipal de Roseira
decretou como de Utilidade Pública, através do Decreto nº 624, a Fundação José
Luiz Pasin. Lamentavelmente, a instituição teve duração efêmera. Além dos
entraves burocráticos, os efeitos nefastos dos planos econômicos do Governo
Collor, iniciado em março de 1990, prejudicaram o êxito da empreitada e a
Fundação José Luiz Pasin é extinta no dia 24 de abril de 1992.
Todavia, além de ficar conhecido no Vale do
Paraíba por sua brilhante carreira como docente, pelos eventos culturais, dos
quais auxiliava e organizava, o Prof. Pasin notabilizou-se ainda mais pelas
suas produções acadêmicas e literárias, as quais foram frutos de uma extenuante
atividade de pesquisa. Entre 1968 e 2004 publicou perto de 47 artigos
históricos em revistas conceituadas, como: “Revista Genealógica Latina”,
“Revista de História”, Revista do IHGSP”, “Revista da Faculdade Salesiana”,
“Revista do IHGB”, “Revista Tribo”, “Revista Maktub”, “Ecos Marianos”, “Revista
Ângulo”, etc. Diante de seu prestígio foi convidado a prefaciar vários livros,
como os de Ocílio José Azevedo Ferraz, Francisco Sodero Toledo, Maria Aparecida
Nogueira Coupé, Oswaldo Carvalho Freitas, Benedito Carlos Marcondes e muitos outros.
Paralelamente colaborou para os seguintes jornais: “O Eco”, de Guaratinguetá;
“Valeparaibano” (atual “O Vale”), de São José dos Campos; Informativo do IEV.
Por outro lado, José Luiz Pasin publicou seu primeiro livro em 1962, “Os
Ciclos Econômicos do Vale do Paraíba”. Ao todo foram quase 20 livros, sendo que
o último foi publicado em 2007, “Vale do Paraíba: História e Cultura”. Dentre
as obras publicadas, destacamos: “Algumas Notas para a História do Vale do
Paraíba: Desbravamento e Povoamento”, de 1977; “Guaratinguetá: Tempo e
Memória”, de 1983; “Vale do Paraíba: Ontem e Hoje”, de 1988; “Os Barões do Café:
Titulares do Império no Vale do Paraíba Paulista”, de 2001; “A Jornada da
Independência”, de 2002; e “Vale do Paraíba: A Estrada Real”, de 2004. O Prof.
Pasin conciliou suas atividades docentes, literárias e acadêmicas, com as que
exerceu em cargos públicos, em instituições e secretarias de cultura de
municípios da região. De 1964 a 1978, foi Professor Titular de História do
Brasil, História de Portugal e História do Vale do Paraíba, na Faculdade
Salesiana de Lorena (hoje UNISAL). De 1964 a 1968, foi também Presidente do Centro
Cultural de Estudos e Debates Eduardo Prado, de Guaratinguetá. Entre 1968 e
1970, foi Diretor do Museu Histórico e Pedagógico Conselheiro Rodrigues Alves.
Nesse período, em 1969, foi também Diretor do Departamento de Educação da
Prefeitura Municipal de Guaratinguetá. Ao mesmo tempo, entre 1969 e 1970,
ocupou o cargo de Secretário Executivo do Conselho Municipal de Cultura de
Guaratinguetá. Ainda nesse tempo, foi Delegado Regional do CONDEPHAAT, no Vale
do Paraíba. Entre 1971 e 1972, foi Assessor Histórico da Cypha Filmes, de São
Paulo. Entre 1975 e 1976, foi Assessor Cultural da Fundação Padre Anchieta/TV
Cultura, em São Paulo. E também, entre 1973 e 1978, foi o Presidente do IEV. De
1985 a 1988, foi Secretário Municipal de Cultura de Guaratinguetá. O Mestre
José Luiz Pasin, ao mesmo tempo em que exercia tais cargos e funções, foi
também membro efetivo de várias instituições. Já no ano de 1962, tornou-se
membro da Sociedade Geográfica Brasileira, do Instituto Histórico e Geográfico
de Sorocaba. Em 1963, passou a integrar a União Brasileira de Escritores, a
Associação dos Geógrafos Brasileiros e a Ordem Nacional dos Bandeirantes. No
ano de 1965, ingressou na Associação Nacional dos Professores Universitários de
História. Ingressou no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP) em
1969. Em 1973, como já mencionado, ingressou no IEV, fundado por sua iniciativa.
Em 1975, integrou a Sociedade Para o Progresso da Ciência. No ano de 1978,
tomou posse na Academia Paulista de História, E, em 1979, ingressou na Fundação
Brasileira Para a Conservação da Natureza.
O autor do presente relato
conheceu pessoalmente o Prof. José Luiz Pasin, durante uma de suas inúmeras
palestras e conferências sobre o Vale do Paraíba, no ano de 2004. Tal estava
sendo realizada na UNISAL, em Lorena. Outros encontros profícuos ocorreram
também em Guaratinguetá, no mesmo ano. Dessa vez um ciclo de debates, realizado
no Museu Frei Galvão, em Guaratinguetá, organizado em conjunto com Thereza
Maia. Em outras ocasiões, tanto em Lorena como em Guaratinguetá, novos
encontros nos propiciaram um perfeito aprendizado junto ao Mestre. Em um
desses, solicitamos e recebemos a perfeita orientação, para um ensaio
acadêmico, que estávamos realizando, que redundaria, no final de 2005, em “Uma
Janela no Tempo. Os Godoy Fleming no Embaú.”, publicado somente em 2015. Aos
poucos, porém os contatos foram rareando, limitando-se apenas à ligações
telefônicas, entre 2006 e meados de 2007. Por volta de novembro desse último
ano, ao fazer uma ligação, fomos
surpreendidos com a informação de que o Mestre estava em tratamento médico. E,
infelizmente, no dia 11 de janeiro de 2008, os olhos de José Luiz Pasin cerram
para sempre. Seu falecimento foi divulgado amplamente pela imprensa, causando
consternação em seus familiares, admiradores, colegas acadêmicos, ex-alunos,
etc. O IEV, por ele idealizado e co-fundado, ficou órfão de seu principal
mentor. Outros assumiriam seu legado, mas a sua ausência é sentida até hoje,
passados dez anos de sua morte. O Vale do Paraíba perdeu também um árduo
defensor das causas ambientais, bandeira hoje “hasteada” permanentemente pelo
IEV. Outro legado principal deixado pelo Mestre Pasin, foi a criação, por sua
iniciativa, da Faculdade de Roseira (FARO), nas dependências da Fazenda Boa
Vista. Sua memória segue cultuada, tendo sido seu nome homenageado, em lugares,
como o Museu Municipal Professor José Luiz Pasin, em Aparecida, sua terra
natal. No dia 27 de julho de 2013, no encerramento do XVII Simpósio de História
do Vale do Paraíba, o IEV inaugurou na FARO, um monumento em homenagem ao seu
mecenas. A justa homenagem coincidiu também, com os 40 anos de fundação do IEV,
ao qual este autor estava presente. Recentemente foi criado pela UNISAL e o
IEV, o Centro Salesiano de Pesquisas Regionais
Prof. José Luiz Pasin (CESAPER). Como admirador de sua vasta cultura e
conhecimento, prestamos aqui nossa homenagem e reverenciamos a memória do Prof.
José Luiz Pasin, o Prócer da História. Até a próxima.
Eddy Carlos.
Dicas para
consulta.
ARRUDA
e PILETTI, José Jobson de Andrade e Nelson. Toda a História. História Geral e História do Brasil. Editora
Ática. São Paulo, 1995.
BUENO,
Eduardo (Org.). História do Brasil.
Publifolha. São Paulo, 1997.
CARVALHO,
Cleuza Martins de. José Luiz Pasin. Um
Mecenas no Final do Século XX. Editora Sila. Guaratinguetá, 2013.
PASIN,
José Luiz. Pasin: Cem Anos de uma
Família Italiana no Brasil. Editora Santuário. Aparecida, 1988.
Internet:
Blog:
redescobrindoovale.blogspot.com.br
Parabéns Eddy pelo registro e respeito a história e ao seu mestre, professor Pasin.
ResponderExcluirMuitíssimo obrigado prezada Deni.
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