Desde que o homem passou a viver
em sociedade, das aldeias primitivas até os grandes aglomerados urbanos, a
preocupação com a higiene estava em último plano. A convivência quotidiana
estava acompanhada dos dejetos humanos, animais mortos em decomposição, restos
de comida, etc. Mesmo as elites, principalmente na época medieval, convivia com
ambientes insalubres. A nobreza, com seus trajes finos, usufruindo de amplo
conforto “corria” de banhos, o que só ocorria raramente; uma vez por ano e, em períodos cerimoniais. Alías, foi
durante a Idade Média, que ocorreu a Peste Negra, que ceifou um terço da
população europeia, entre 1347 e 1349, chegando a interromper as hostilidades
entre ingleses e franceses, na Guerra dos Cem Anos (1346-1453). Embora oriunda
da Ásia, o ambiente imundo em que vivia a população propiciou a propagação da
molétia, de forma avassaladora. Apesar
das inovações tecnológicas, ocorridas com o advento da Revolução Industrial, a
questão higiênica ainda era um tabu. Com o êxodo rural para os centros
urbanos e fabrís, os operários e suas
famílias iam residir em choupanas miseráveis e em alguns prédios abandonados,
sem quaisquer condições mínimas de saneamento. No século XVIII as autoridades
médicas europeias afirmavam que tal situação auxiliava a propagação das doenças
infecto-contagiosas, as quais eram causadas por miasmas. Com as descobertas
científicas de Louis Pasteur, essa teoria cai por terra, sendo substituída pela
dos micróbios, como causadores de tais doenças. Os historiadores, Ana Maria
Santos Sousa e Luiz Laerte Soares, afirmam que com isso “os cientistas deixaram
de lado a antiga crença de que as doenças contagiosas eram transmitidas pela
inalação do ar contaminado e passaram a aceitar a ideia da contaminação por
germes infecciosos”. No século XIX, as autoridades investem em melhorias de
saneamento com novas técnicas, relacionadas à implantação de equipamentos de
captação, distribuição de água e coleta de esgotos. Como esse serviço era
executado pela parcela mais pobre da sociedade, a mesma ficou sem essa função,
ocasionando revoltas populares, as quais configuravam sempre como “ameaça” à
ordem pública.
Em
1851, o Prefeito de París, engenheiro Georges-Eugéne Haussmann, empreendeu na
capital francesa uma ampla reforma urbano-sanitária, a qual implicou na
demolição de grande parte antiga da cidade. Segundo a análise de Ana Maria e
Luiz Laerte, foram devastados “quarteirões, então superpovoados, igrejas e
antigas construções, abrindo sobre os escombros grandes avenidas, que
integravam um novo traçado para a cidade”. O método de Haussmann, configurando
como uma cirurgia urbana, tinha como alvo principal, a parcela “indesejável” da
população, os marginalizados da sociedade: trabalhadores, desempregados,
vagabundos, meretrizes, ou seja, os desqualificados que não se enquadravam na
política elitista. Ainda que a justificativa fosse a de combater as doenças
contagiosas, o resultado não era outro. E o modelo de Haussmann tornou-se um
parâmetro a ser seguido em outros lugares, tanto na Europa, como na América. Na
Itália e Espanha em 1860, na Suécia em 1866, etc. Estava implantado o conceito
de Sanitarismo Público ou Política Sanitária, que também chega ao Brasil no
crepúsculo do século XIX.
Logo no alvorocer da República, os
novos governantes tratam de “remodelar” algumas cidades, principalmete o Rio de
Janeiro, a primeira, considerada um péssimo “cartão-postal” aos olhos europeus.
Os historiadores citados acima, mencionam um diagnóstico nada animador da então
capital federal, descrito por Robert Pechman. Este afirmava que a cidade não
“era exemplo para nada. (...) era também a capital dos miasmas, foco de
infecções e epidemias, com uma grande população de negros e pobres circulando
descalça pelo centro da cidade, (...). Deste modo, os quiosques, a
prostituição, os jogos de rua das camadas populares, o barulho, a baderna, a
aglomeração, as obcenidades, os vícios e maus hábitos teriam de ser banidos.
Era preciso eliminar das áreas públicas os sinais da desordem”. O alvo da
política sanitarista já estava identificado no Rio de Janeiro e, embasado nos argumentos
de médicos infectologistas, como Oswaldo Cruz e Emílio Ribas, entre 1903 e
1905, o Prefeito Pereira Passos, auxiliado por Paulo de Frontim promoveu o
“bota abaixo”. Em apenas nove meses foram demolidos 614 prédios e seus
habitantes, literalmente expulsos, direcionados para regiões distantes ou para os
morros. Foram alargadas ruas, vielas e aumentadas as dimensões de janelas das
casas que foram poupadas. O ápice foi a construção da Avenida Brasil, ao mesmo
tempo em que ocorria a Revolta da Vacina. Como mencionado anteriormente, outras
cidades pasaram pelo processo da política sanitarista, entre elas, São José dos
Campos, no Vale do Paraíba.
Nas primeiras décadas do século XX
São José dos Campos era uma cidade como qualquer outra do interior do país,
carente de infra-estrutura básica de saneamento. Conforme a análise de Ana
Maria e Luiz Laerte, já no ano de 1900, a péssima qualidade das instalações do
serviço de fornecimento de água potável, propiciaram com que a Câmara Municipal
comissionasse o Coronel João Cursino e o cidadão Cláudio Pinto, para solucionar
a questão. Em 1909, é inaugurado, antes da conclusão (coisa comum no Brasil),
um deficiente Serviço de Abastecimento de Água. Paralelamente, havia o problema
da coleta de esgotos que, mesmo com a ampliação, junto com o aumento no
fornecimento de água, não atendia todos os bairros. Os historiadores citados
mencionam o protesto de um morador da Vila Terezinha, “clamando pela construção
de um poço artesiano, uma vez que as cacimbas estavam sendo invadidas e
contaminadas pelas águas pútridas das fossas”. Por outro lado, havia a questão
das doenças infecto-contagiosas, como a tuberculose, que grassava na cidade,
ceifando inúmeras vidas. Esse cenário mereceu um editorial de um jornal da
cidade, apoiado por higienistas, solicitando verbas extras do Governo do
Estado, para erradicar a moléstia e seus efeitos. E mais, a imprensa, conforme
Ana Maria e Luiz Laerte, “denunciava o descaso das autoridades em relação em
relação a remoção de cadáveres em veículos particulares. O município contava
com apenas um veículo apropriado para a remoção de corpos”.
Entretanto, enquanto que em São
Paulo e no Rio de Janeiro já houvessem ocorridos ações de combate às epidemias,
o mesmo ainda estava longe de acontecer em São José dos Campos. Conforme o
relato da médica infectologista, Paula Carnevale Vianna, ainda em 1920, pouco
era feito para controlar, por exemplo, a tísica, pois inépcia, “clientelismo e
privatização do interesse público eram apontados como fatores que impediam o
controle da tuberculose”. Dessa forma, somente o controle público e
fiscalizatório resolveria o problema. Porém, havia uma contradição em relação
aos portadores do Bacilo de Koch. Paula Carnevale afirma que o objetivo das
autoridades municipais era manter na cidade “a tuberculose e os tuberculosos,
mas à distância segura”, enquanto que para Altino Bondesan, havia interesses
fortíssimos para mantê-los no município, pois a própria doença “movia” a
economia da cidade e muitos buscavam tirar proveito disso. O resultado foi a
divisão da cidade em 1933, durante a gestão do Prefeito José Domingues de
Vasconcelos; o município foi dividido em quatro zonas: a comercial, a
industrial, a residencial, e a sanatorial, esta bem afastada da região central.
Neste interím, a cidade já havia adotado a política
higienista e, como a maioria dos prefeitos eram engenheiros sanitaristas e
médicos infectologistas, estes ficaram conhecidos como “Prefeitos Sanitários”,
e São José dos Campos como “Prefeitura Sanitária”. Assim, sucedendo José
Domingues, o Prefeito Sanitário Rodolfo dos Santos Mascarenhas, determina
desapropriações na área central da cidade, alegando estar cumprindo a
legislação estadual. Todos as casas que
ficavam na “beira” do Banhado foram demolidas, alargando a antiga Rua de Trás
(da Igreja Matriz), fazendo surgir a atual Avenida São José. Ana Maria e Luiz Laerte afirmam que
“Esquadros e marretas trituraram o passado atrasado, empobrecido, tortuoso e
estreito daquela que viria a ser uma das principais artérias urbanas de São
José dos Campos”. No entanto, os mesmos argumentos utilizados em relação ao Rio
de Janeiro, seriam aplicados também a São José dos Campos. A epidemia de
tuberculose e outras doenças contagiosas, além da falta de saneamento, foram
relacionados à pobreza e aos “maus
costumes” daqueles que não pertenciam à elite. Isso, além da propaganda oficial,
era veiculado pela imprensa, que comungava dos mesmos ideais. Não por acaso, as
dezenas de casas demolidas na orla do Banhado eram de pessoas
“desqualificadas”. Os pesquisadores, Antonio Carlos Oliveira da Silva,
Estefânia Knotz Canguçú Fraga, Leonardo Silva Santos e Luciano Maciel Galvão,
afirmam que que havia também a publicação de almanaques que divulgavam a ideia
do novo nas cidades interioranas do Estado de São paulo, onde o velho era
sobrepujado. Essas publicações também impunham padrões de comportamento ou
postura, próprios dos grupos dominantes, para as camadas populares. Com isso,
segundo os pesquisadores, “a elite letrada utilizava-se da imprensa visando a
redefinir o espaço público de São José dos Campos, processo pelo qual muitos
espaços populares seriam excluídos”.
Na prática, São José já era uma cidade
sanitária desde a queda do Coronel João Cursino, deposto da prefeitura pela
Revolução de 1930. Entre 25 de outubro e 31 de dezembro de 1930, o município
foi administrado pela Junta Governativa, na qual incluía o médico Ruy Rodrigues
Dória. Essa Junta foi nomeada pelo Tenente João Alberto, Interventor Federal em
São Paulo, nomeado por sua vez por Getúlio Vargas. No dia 1º de janeiro de
1931, é nomeado como Prefeito Sanitário o próprio Ruy Dória, que permanece no
cargo até março de 1932. Com a recusa do tisiologista Ivan de Souza Lopes, é
nomeado José Domingues Vasconcelos, já citado, o qual é substituído por Rodolfo
dos Santos Mascarenhas (também citado), que exerce o cargo entre 1933 e 1935.
Nesse meio tempo a cidade ainda exercia sua autonomia política, tendo inclusive
anexado o Município de Buquira, extinto em 1934. Mas, fazendo coro aos anseios
da elite higienista joseense, o Interventor Federal em São Paulo, Armando de
Sales Oliveira, baixa, no dia 12 de março de 1935, o Decreto nº 7.007, criando
a Estância Hidromineral e Climatérica de São José dos Campos. Segundo Vítor
Chúster, isso teve uma contrapartida,
pois a “possiblilidade de reforçar a receita do município era uma verdadeira
luz ao final do túnel, claro que isso nos custou a autonomia, o Prefeito seria
indicação do governo do Estado”. O Estado criou também um Conselho Consultivo,
composto de cinco membros, todos de indicação do Executivo estadual. Em abril
de 1935 é nomeado como Prefeito Sanitário, o engenheiro Leovigildo Trindade,
que permanece até setembro de 1937. Durante sua gestão ficou claro o
intervencionismo estadual no município, com regulamentações de profissões,
casas de aluguéis, hotéis e pensões, sendo todas vistoriadas pelas autoridades
sanitárias. Foi regulamentado também os serviços de captação e fornecimento de
água, além da coleta de esgotos. No dia 20 de setembro de 1937 Leovigildo
Trindade é sucedido na Prefeitura Sanitária por Edgar Melo Matos de Castro, que
fica no cargo até maio de 1938.
Contudo, em novembro de 1937,
alegando questões de Segurança Nacional, Getúlio Vargas decreta o Estado Novo,
fechando o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas dos Estados e as
Câmaras Municipais. Os governadores que foram eleitos em 1935 foram depostos,
voltando o sistema das interventorias. Junto foram cassados também os
prefeitos, mas em São José somente a Câmara foi fechada, pois o prefeito já era
indicado, como mencionado. Após a permanência efêmera de alguns interventores,
Vargas nomeia Adhemar de Barros para o Executivo paulista, no dia 27 de abril
de 1938. No dia 10 de maio de 1938 este nomeia como Prefeito Sanitário de São
José dos Campos, o engenheiro Francisco José Longo. Foi durante a gestão deste
que a cidade passou por significativas alterações, como a instalação da rede de
adução e estação de tratamento de água nos terrenos da antiga estação
ferroviária, desativada em 1925 (atualmente entre o Tênis Clube e a Faculdade
de Direito da UNIVAP). Outras reformas de alargamento de ruas e construções de
praças públicas na região central foram feitas por José Longo. Para tanto
vários prédios foram desapropriados, de forma amigável ou por via judicial.
Segundo Vítor Chúster, a justificativa alegada “era a de que atendia ao plano
urbanístico que previa o alargamento e embelezamento” da cidade. No dia 11 de
maio de 1941, Getúlio exonera Adhemar de Barros, acusado de corrupção, da
interventoria paulista, nomeando em seu lugar, Fernando de Souza Costa. Este,
no dia 08 de janeiro de 1942, nomeia como Prefeito Sanitário, em substituição a
José Longo, o engenheiro Pedro Popini Mascarenhas. Novas alterações e melhorias
foram realizadas, como o calçamento das ruas do centro, acabando como os
problemas de poeira e lama. Para Ana Maria e Luiz Laerte com as mudanças
promovidas por Pedro Mascarenhas, “São José passou a ter um traçado pautado
pela continuidade espacial, quadras regulares e vias amplas e ortogonais. A
gestão de Pedro Mascarenhas ficou marcada pela ampla reforma urbana em São José
dos Campos, preparando a cidade para o surto industrial que viria mais tarde.
No dia 14 de março de 1947, Pedro Mascarenhas entrega a Prefeitura Sanitária a
Edson Blair, que ocupa o cargo interinamente.
Entrementes, o Estado Novo havia
chegado ao fim em 1945; o país aos poucos volta ao ambiente “democrático”, com
a realização de novas eleições. Mas São José dos Campos ainda tem seu prefeito indicado pelo
governador do Estado, apesar de haver eleições para a edilidade. Como sinal de
novos tempos, em 1949 Buquira reconquista sua autonomia política
desvencilhando-se da tutela joseense, alterando o nome para Monteiro Lobato.
Somente em 1958 São José recupera sua autonomia, após 23 anos, com a realização
de eleições para prefeito. Foi eleito Elmano Ferreira Veloso, que por duas
vezes tinha sido Prefeito Sanitário; São José entra em uma nova era, a da
industrilaização. Todavia, ainda que há os que discordam, todas as mudanças
feitas na cidade valeparaibana, assim como no Rio de Janeiro, foram promovidas
pelas elites; e para as elites. Tais mudanças sempre ocorrerão a favor delas,
onde os de estrato social “inferior”,
tem que somente contemplar, quando não removidos para bem longe. Ao longo das
décadas seguintes, outras alterações foram feitas e, como sempre, pelos mesmos
motivos com os mesmos objetivos. Até a próxima.
Eddy Carlos.
Dicas para consulta.
BONDESAN, Altino. São José em Quatro Tempos. Bentivegna
Editora. São Paulo, 1967.
CHÚSTER, Vítor. São José dos Micuíns. Fundação Cultural
Cassiano Ricardo. São José dos Campos, 2011.
PAPALI e ZANETTI, Maria Aparecida
e Valéria. São José dos Campos. História
e Cidade. Vol. IV. Fase Sanatorial
de São José dos Campos: Espaço e Doença. UNIVAP. São José dos campos, 2010.
SOUSA e SOARES, Ana Maria Santos e
Luiz Laerte. Modernidade e Urbanismo.
São José dos Campos. Gráfica Papercrom. São José dos Campos, 2002.
Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br
Show!!! Ja conhecia uma parte dessa história mas gostei de ler mais...
ResponderExcluirObrigado nobre colega.
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