Entre os séculos XV e XVI, Portugal ao buscar
uma nova rota marítima para as Índias, acabou se transformando em um poderoso
império ultramarino. Com o bloqueio de Constantinopla (hoje Istambul), pelos
turcos do Império Otomano, os países ibéricos, ávidos pelas especiarias do
Oriente, não medem “esforços” para ter acesso direto às tão cobiçadas
mercadorias, como pimenta, nóz-moscada, orégano, entre outras. Como já sabemos,
a Espanha optou por seguir a orientação de Cristóvão Colombo, rumando sentido
Ocidente, onde se depara com um novo Continente. Portugal, por sua vez, inicia
o contorno da África, com a conquista de Cêuta em 1415, atingindo o objetivo
final em 1498, com Vasco da Gama ao desembarcar em Calicute, nas Índias. Em
1500, em uma nova expedição às Índias, Cabral “erra” a rota e “descobre” o
Brasil, tomando posse da terra em nome do Rei Dom Manuel, o Venturoso.
Todavia, a garantia de acesso direto às
especiarias nas Índias não foi suficiente para os portugueses. Mesmo fixando
presença nas cidades de Goa, Diu e Cochim, além de Calicute, a expansão
marítima pelo Oceano Índico e Pacífico prosseguiu. Em 1511, a conquista de Málaca,
no Sudeste Asiático, abre espaço para o estabelecimento de feitorias na
Indochina (hoje parcialmente ocupada pela Indonésia). No ano de 1520, os
lusitanos são recebidos em Pequim pelos representantes do governo chinês, os
quais permitem o comércio com a cidade de Cantão. Ganhando a simpatia das
autoridades, os portugueses fundam uma feitoria e ocupam em 1557 a cidade de
Macau, situada próxima ao Rio Sinkiang. Contando com a indiferença dos
chineses, Macau torna-se, então um, enclave português na China, que se torna
após a perda de Málaca para os holandeses em 1641, o principal centro
fornecedor, controlado pelos lusos, da seda chinesa para os mercados
consumidores da Europa e do Império Colonial Português. Porém, após o episódio
da União Ibérica e, mesmo com a Restauração, Portugal não conseguiu recuperar o
poderio anterior, permanecendo em estado letárgico, mas ainda mantendo algumas
posições coloniais, como o Brasil na América, e Angola, Moçambique e Guiné
Bissau na África, além da própria Macau na Ásia. A descoberta das regiões
auríferas, no Brasil, não significou uma possibilidade de retorno ao velho
status, pois o ouro extraído na colônia serviria somente para bancar os gastos
supérfluos e o luxo ostensivo da já decadente nobreza portuguesa. Quem se
beneficiaria com o metal amarelo, seria a Inglaterra, que com o mesmo, pago
pelos lusos pelos produtos manufaturados, investiria na Revolução Industrial.
Assim em meados do século XIX, a Inglaterra garante a hegemonia política e
econômica, a nível mundial, ocupando o vácuo do poder, deixado por outras nações,
inclusive a portuguesa. Até mesmo, os modos e etiquetas britânicos, serviriam
para referências aos demais povos. Um desses modos, como por exemplo, era o
consumo do chá.
A presença estrangeira na China foi
progressivamente se expandindo, sempre com a instalação de entrepostos
comerciais, que arrancavam concessões vantajosas para os ocidentais, de comum
acordo com os governantes locais. Aos poucos, ingleses, franceses e norte-americanos
foram partilhando o território chinês em zonas de influência, visando garantir
e aumentar o lucro dos comerciantes. Quando os ingleses introduziram o ópio
entre a população, o imperador reagiu energicamente. Em represália, as
canhoneiras inglesas iniciaram a Guerra do Ópio, culminando com a vitória
ocidental e a entrega da cidade de Hong Kong para a Inglaterra em 1842. Outras
revoltas de cunho nacionalista ocorreriam como a Rebelião dos T’ai P’ing, esta
contra o imperador Mandchu por sua subserviência aos ocidentais, entre 1851 e
1864. Contando com a ajuda estrangeira, os rebeldes foram aniquilados. O
episódio, praticamente pôs a China milenar “de joelhos”, quando o Japão,
influenciado pelo exemplo ocidental, vem requerer a sua participação no
espólio. Tais acontecimentos, talvez justifiquem o fechamento da China no
Século XX, principalmente após a Revolução Comunista de 1949.
Como afirmamos acima, a Inglaterra
incentivou o consumo do chá em suas colônias e na Metrópole, tornando esta a
bebida dos lordes. O chá, no entanto, era cultivado e consumido pelos chineses
há séculos, geralmente em rituais religiosos e sapienciais. Entretanto, bem
antes da penetração pelas armas, do território chinês, os europeus já conheciam
o chá e sua simbologia aristocrática européia desenvolvida pelos ingleses.
Retornando ao inicio do século XIX, observamos que a Europa estava dominada
pelas forças napoleônicas. A Inglaterra ainda resistia ao ultimato do Bloqueio
Continental e, Portugal estava em situação desesperadora diante de duas
potências beligerantes. Como já é de nosso conhecimento, com a ajuda das
belonaves britânicas, a corte lusitana foge de Portugal em fins de 1807,
chegando ao Rio de Janeiro no início do ano seguinte. O pagamento pela “proteção”
dispensada foi a abertura dos portos brasileiros aos ingleses, que passaram a
desfrutar de inúmeros privilégios, como por exemplo, pagar menos, ou nenhum
imposto do que os próprios portugueses e brasileiros. O Príncipe Regente Dom
João, acabou se transformando em uma marionete dos comerciantes britânicos.
Dessa forma, adotando o estilo inglês como sinônimo de comportamento digno de
um monarca europeu, Dom João, entre vários atos, resolve iniciar o cultivo do
chá no Brasil.
No ano de 1817, o zoólogo Johann
Baptist von Spix e o botânico Karl Friedrich Philipp von Martius, em viagem
científica pelo interior do Brasil, mencionam a presença de chineses no Rio de
Janeiro. De acordo com os dois cientistas, esses chineses foram trazidos pelo
Conde de Linhares, entre 1808 e 1812, os quais eram experientes no cultivo e
preparo do chá; oriundos do interior do seu país e não da zona costeira
asiática. Os chineses avistados por Spix e Martius cultivavam o chá no Jardim
Botânico, mas a maioria habitava os “arredores da Fazenda Real, de Santa Cruz”,
antiga propriedade dos padres da Companhia de Jesus, confiscada pelo Marquês de
Pombal no século XVIII, após a expulsão dos religiosos. No Jardim Botânico, os
chineses “sob a direção do Cel. Abreu, são empregados no cuidado dos arbustos
de chá e na colheita e preparo das folhas. A colheita é feita três vezes por
ano, as folhas são levadas a fornos de barro, de calor pouco intenso, onde
secam e são enroladas”. O sabor da bebida, no entanto, segundo a narrativa de
Spix e Martius, estava longe de ser tão fino e aguçado como o feito na própria
China, pois “era um tanto áspero e terroso”. A mesma opinião é proferida pelo
pintor alemão Johann Moritz Rugendas em 1825. Nesse ano, Rugendas afirma que a
plantação de chá no Jardim Botânico, às margens da lagoa Rodrigo de Freitas,
continha aproximadamente 6.000 arbustos. Porém, o chá propriamente dito, não
tinha “o gosto requintado e aromático das espécies de primeira qualidade da
China; ao contrário, tem ele um gosto acre de terra”. Além da péssima aclimatação,
que seria uma das causas, Rugendas aponta o despreparo e desinteresse dos
próprios chineses pela cultura do chá em terras estrangeiras. Segundo a sua
narrativa, a colônia chinesa próxima à lagoa Rodrigo de Freitas e da Fazenda
Santa Cruz, agrupava em torno de trezentas pessoas, e “nesse número poucos há
que se dediquem à cultura do chá; muitos são mascates, outros cozinheiros. Os
chineses se adaptam muito bem ao clima do Brasil e muitos deles aí se casam”.
Citando J.D. de Almeida Prado, Luís de Almeida Nogueira Porto afirma que já no
ano de 1820, alguns chineses optaram por plantar jasmim e hortelã pimenta nos
quintais de suas residências. Para o autor citado por Nogueira Porto, o cultivo
do chá apresentou um resultado medíocre, pois “os agricultores importados
tinham trazido consigo, entre outros, o vício do ópio e abandonaram Santa Cruz
para vender bugigangas nas Ruas do Rio ou preparar foguetes segundo a secular
arte chinesa, para acudir ao grande consumo nas festas religiosas fluminenses”.
Neste ínterim, o cultivo da rubiácea
começava a ganhar espaço e a avançar sobre as plagas valeparaibanas, fluminense
e paulista. Antes de se consolidar como a capital do café no Vale do Paraíba
paulista, a Vila do Bananal ainda tinha sua atenção voltada para o cultivo do
chá, talvez influenciada pelos modos “civilizatórios” ingleses, que motivaram
Dom João VI alguns anos antes. Em 16 de janeiro de 1835, a Câmara Municipal de
Bananal faz uma representação à Assembléia Legislativa de São Paulo,
solicitando a vinda de imigrantes chineses, principalmente coolies, para
implantar na Vila o cultivo e preparo do chá. Segundo Luís de Almeida Nogueira
Porto, o dicionário Webster’s define a palavra “coolie” como trabalhador apto
para serviços de baixa qualificação, ou carregador, enquanto que, na própria China,
significava aquele que recebia um salário de subsistência. Os ingleses teriam
explorado em larga escala o uso dos coolies em suas diversas colônias. Ou seja,
o Brasil, mesmo sob o domínio português ou independente, teve uma “boa escola”
com a influência inglesa.
Entretanto,
também dessa vez, o cultivo do chá não apresentou os resultados esperados,
redundando em fracasso total a iniciativa da Câmara Municipal. Em vista disso,
as autoridades ainda tentaram adaptá-los nas culturas de arroz e de anil,
também fracassadas; nem mesmo com o café, que despontava como atividade
econômica hegemônica, não deu certo. Consequentemente, os chineses em Bananal
acabaram por se adaptarem à população local, exercendo outros ofícios como o de
fogueteiros, já mencionado, e “ocupando-se com atividades urbanas de
lavanderias, hospedarias, casas de pasto, pequeno comércio”, etc; segundo
Nogueira Porto. Apesar de incorporarem nomes portugueses aos seus, os chineses
mantinham intacta a sua cultura e modos adquiridos na terra natal. Podemos
citar, por exemplo, o apreço pelas roupas largas e folgadas, feitas de seda e
tecido fino, o uso dos cabelos amarrados em longas tranças, principalmente pelos
homens, e também na alimentação diferente da do brasileiro. De acordo com o
saudoso e ilustre historiador Agostinho Ramos, a mesa dos chineses, “era farta
e em suas relações com a família eram eles extremamente bondosos, nem mesmo
aplicando punições severas aos filhos. De seu cardápio constavam principalmente
arroz sem sal, camarão, peixe, couve salgada e um prato nacional ao qual
chamavam de ‘chachau’, qualquer coisa parecida com o nosso ‘ensopado’”. Outra
atividade exercida pelos “Chins”, como eram também conhecidos, era o de vender
água na cidade, a qual ainda não era encanada. Porém, tanto Agostinho Ramos
como Luís de Almeida Nogueira Porto afirmam que os chineses em Bananal tinham
afeição pelos jogos de azar e que mais de 70% ainda fumavam o ópio. Apesar de
não confirmado, os chineses, que eram discriminados pelos brasileiros, também
por sua vez desprezavam os negros e mulatos de Bananal, livres ou escravos,
apesar de manter contato com os últimos. Segundo Agostinho Ramos, parece que
eles “não gostavam de relações com mulheres de cor preta, não sendo conhecido
nenhum caso seu com as escravas, embora também se diga que, em relação aos
escravos, os chineses aconselhavam tirar coisas dos patrões para lhes vender”.
A mesma opinião é partilhada por Luís de Almeida Nogueira Porto, que afirma
que, embora “permanecessem em regra solteiros, não se relacionavam com as
negras. Consta que incitavam escravos a roubar dos patrões para deles comprar
os objetos roubados”. Porém, a suspeita de que os chineses incentivavam os
escravos para furtar seus senhores, carece de base histórica; não foi realizada
até, então, uma pesquisa documental para comprovar ou não a prática ilícita.
No
entanto, como afirma Nogueira Porto, a maioria dos chineses era celibatária,
apesar de deixar muitos filhos em Bananal após a morte. Alguns chineses, porém
se converteram à fé cristã, como é o caso de João Teles de Araújo. Em seu
testamento, datado de 1850, ele afirma que é “cristão e nessa religião desejo
morrer; sou filho de Tam-Sá e de Aran, natural de Macao pertencente à China.
Declaro que fui casado segundo o rito chinês com Ambea de cujo casamento não
tive filhos, deixando-a quando para o Brasil vim”. De acordo com o autor
citado, esse chinês chegou a ter escravos em Bananal. Outro chinês que se
tornou católico foi o Chim João Miguel Pereira, casado com Fortunata Leme da
Silva, sem filhos. Esse foi um dos que chegaram à Fazenda Santa Cruz, pois em
seu testamento, feito em 1865, declara ter vindo para o Brasil em 1808. Outros
chineses católicos em Bananal foram José Caetano Chim, casado com Maria da
Conceição, sem filhos, conforme testamento de 1863; o Chim João Francisco,
nascido em Macau, filho de Akon e Loubá, solteiro e sem filhos, como descrito
em testamento de 1861, segundo a análise de Luís de Almeida Nogueira Porto. Porém,
o testamento de João Teles de Araújo, merece destaque, pois nota-se uma postura
nacionalista do testador ao afirmar que Macau pertence à China. O que podemos
deduzir é que, mesmo em terras estrangeiras, no caso o Brasil, que fôra colônia
portuguesa, o chinês parece não aceitar que a sua cidade natal, mesmo em
território da China, pertencesse à Portugal, o que ocorria, à época, quase
trezentos anos; Macau ainda ficaria alienada da China por mais de um século,
como veremos adiante.
Entrementes, apesar dos traços
físicos e da indumentária, os chineses eram conhecidos por epítetos, sendo que
alguns estavam relacionados com as províncias e cidades em que nasceram. Alguns
dos mais conhecidos chineses em Bananal foram: João Bonito, China Periquito,
Payé Cantão, China Patacão, Tição Pequim, Iayfanô Trinscá, Cachamuye, Lyão Chin.
Os que se destacaram na vida urbana da cidade foram: o China Coloyô,
proprietário de um hotel importante no século XIX, o que, segundo Agostinho
Ramos, pode ter sido o “Hotel Maranguape” mais tarde; o China Cachimbo,
conhecido vendedor de pães pelas fazendas; o China Mateus e o China João
Abanador, entre outros. Novamente segundo Agostinho Ramos, um dos chineses que
mais se adaptaram aos costumes brasileiros, principalmente bananalenses, foi o
China Raymundo. Mesmo adotando o nome de João Raymundo da Silva, esse chinês
não abdicou de sua cultura e costumes orientais. Um de seus descendentes, não
se sabe qual a ligação, foi Manoel Raymundo da Silva. Conhecidíssimo leiloeiro
das festas do Bom Jesus no início do século XX, Manoel por ser bastante popular
em Bananal, devido às anedotas que contava para a população, vestia-se com a
indumentária nacional chinesa, costume herdado dos antepassados, mesmo tendo
nascido no Brasil. Para Agostinho Ramos, “foi o maior e melhor leiloeiro que
Bananal já possuiu”. Por causa das calças largas, o povo o apelidou de “Manoel
Ceroulão”. Longe de se ofender, Manoel Ceroulão conquistava a simpatia e
admiração da população de Bananal. Tal opinião sobre Manoel Ceroulão é unânime
entre Agostinho Ramos, Luís de Almeida Nogueira Porto e também Plínio Graça.
Os chineses que vieram para o Brasil
no século XIX deixaram um legado importante para o país, sobretudo no Rio de
Janeiro e Bananal. Seus descendentes espalharam-se pelo território nacional,
sendo que muitos ocuparam vários cargos na administração pública. Não sabemos
se alguns, ou descendentes, retornaram para a China, mas atualmente, existem
diversas colônias chinesas, sobretudo no Estado de São Paulo, principalmente na
capital. Atuam em setores como lavanderias e pastelarias; recentemente os novos
imigrantes estão atuando na indústria, como é o caso de uma automobilística
sediada na cidade valeparaibana de Jacareí no alvorecer do século XXI. A China,
após a Revolução Comunista, permaneceu fechada ao resto do mundo por quase
vinte anos. Atualmente como potência econômica e militar emergente, requer a
participação do jogo político internacional, bem diferente da época das
feitorias e das intervenções ocidentais ao longo de quase quatrocentos anos. Em
1997, a Inglaterra devolveu a soberania de Hong Kong à China, mesmo mantendo
certa autonomia adquirida sob o domínio britânico. O sistema configura-se na
fórmula “Um país, dois sistemas”, pois Hong Kong conseguiu manter frente ao
Partido Comunista Chinês o sistema capitalista. No ano de 1999, finalmente a
cidade de Macau era reincorporada à China, nos mesmos moldes que a ex-possessão
inglesa. A China rompe o último “elo” com a antiga potência mercantilista ibérica,
embora há muito decadente. Os herdeiros de Confúcio, haviam, pelo menos em
tese, completado o resgate de sua honra e do seu orgulho nacional. Até a
próxima.
Eddy Carlos.
Dicas para consulta.
ARRUDA E PILETTI, José Jobson de A. e Nelson. Toda a História. Editora Ática. São Paulo, 1995.
GRAÇA, Plínio (Org.). Estância
Turística e Ecológica de Bananal. Terra
dos Barões do Café. Ed. Noovha América. São Paulo, 2006.
PORTO, Luís de Almeida Nogueira. Bananal
no Império. Ebal. Rio de Janeiro, 1994.
Volume único. Melhoramentos. São Paulo, 1976.
RAMOS, Agostinho. Pequena
História do Bananal. Imprensa Oficial. São Paulo, 1978.
RUGENDAS, Johann Moritz. Viagem
Pitoresca Através do Brasil. Círculo do Livro. São Paulo, 1980.
E-mail: eddycarlos@ymail.com
Blog:
redescobrindoovale.blogspot.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário