Feitor açoitando cativo em alguma fazenda, em tela de Jean-Baptiste Debret.
FONTE: www.aventurasnahistoria.com
Bem sabemos que durante mais de três
séculos, o Brasil, desde o domínio português, dependeu economicamente da
mão-de-obra escrava de origem africana. Após a independência em
Todavia, quando o Senhor estava à beira da
morte e temendo que sua alma fosse para o inferno, concedia-se a liberdade para
alguns (ou às vezes todos) de seus escravos, através da carta de Alforria. Ocorria
também, o fato de o escravo obter a alforria por lealdade e bons serviço (quando
escravo doméstico, dentro da casa-grande) ou, muito raramente, através da
bondade do proprietário. Entretanto, o Império, através da Lei nº. 2040 de 20
de setembro de 1870 instituiu outra forma para o escravizado alcançar sua
liberdade, além da alforria. Tratando em assegurar os direitos dos escravistas,
o Governo Imperial criou a indenização arbitrada no valor 600$000 (seiscentos
mil réis) que o escravizado deveria amealhar para comprar a própria liberdade.
Constituía-se assim um pecúlio que o cativo, através de doações, ganhos extras
com trabalho nos poucos momentos de folga e, até mesmo da prostituição no caso
das mulheres, utilizava para livrar-se do cativeiro. Só não era permitido,
quando oriundo de furto ou roubo. Apesar do valor altíssimo para o escravizado,
o governo dava as garantias, mas mesmo assim, por diversos motivos, alguns
senhores recusavam-se a conceder a liberdade para aqueles que conseguissem
completar a soma exigida. Temos um exemplo de tal procedimento, ocorrido em
1873, no então recém-criado Município de Cruzeiro, ou seja, no Embaú.
A Fazenda Boa Vista, integrava
a referida Vila, quando esta se emancipou de Lorena; seu primeiro dono foi Antônio
Dias Telles de Castro, casado com Fortunata Joaquina do Nascimento que, após
enviuvar contrai novo matrimônio com Manoel de Freitas Novaes. Uma das escravas
da Fazenda Boa Vista, de nome Rita teve um filho liberto cujo nome era Elizeo
Telles de Castro, que, considerando a condição do jovem liberto, seria filho de
Antônio Dias Telles de Castro com a referida escravizada. Como Fortunata, como
já dissemos, contraiu núpcias com Manoel de Freitas Novaes, ambos passaram a
ser proprietários da cativa, após a morte de Antônio. Mas em 1873, Elizeo, com
o valor exigido pela lei de indenização, apresenta-se ao já nomeado Major Novaes
e pede a liberdade de sua mãe, então com 40 anos de idade. Com a negativa de
Major, Elizeo doa à mãe o valor necessário para ela mesma comprar sua
liberdade, sem sucesso. Alegando possuir direitos intocáveis, além de não só
cumprir o que a lei determinava, o referido Major Novaes passa a manter a cativa
Rita acorrentada e sem alimentação, segundo a análise de Carlos Borromeu de
Andrade.
Consequentemente, Elizeo Telles de Castro, devido a intransigência do Major Novaes, e auxiliado pelo advogado Manoel Thomaz Pinto Pacca, dá entrada na Ação de Liberdade no dia 02 de agosto de 1873, no cartório de João de Oliveira Évora, em Lorena. Ainda assim, o proprietário da Fazenda Boa Vista não cede e de acordo com o processo judicial, além de recusar qualquer tipo de acordo, passa a armar capangas para se “defender”. Porém, o referido processo é rápido e após alguns protestos e alegação da parte do réu, além da ameaça de invasão e ocupação da fazenda pela Milícia Provincial, para resgatar Rita, o Major Novaes somente recua por dois motivos. Logo após receber a patente de Major da Guarda Nacional, Manoel de Freitas Novaes, além de concorrer ao cargo de vereador para a Câmara Municipal da Vila de Nossa Senhora da Conceição do Cruzeiro, almejava também o titulo de Barão. Embora aconselhado por amigos e correligionários, demorou em perceber que sua imagem fora seriamente abalada pelo episódio, o que pode ter prejudicado a candidatura, pois não foi eleito. Coincidência ou não, o Império não lhe concedeu o titulo apesar da devoção do Major para com a monarquia. Entretanto, depois de nomeado como depositário da escrava Rita, o Sr. Joaquim Pinto Roza em 11 de agosto de 1873, o processo chega ao fim com sentença favorável para a cativa e seu filho Elizeo, no dia 27 de agosto de 1873. Analisemos na íntegra a referida da sentença: “julgo por sentença livre a liberdade da preta Rita, e mando incontinente se lhe passe a respectiva carta de Alforria, de conformidade com o disposto no parágrafo 2º. etc, etc., Ressalvo ao seu Senhor o direito de requerer em juízo competente o levantamento da quantia, porque foi a mesma depositada na collectoria de rendas desta cidade de Lorena”. Infelizmente, não foi possível identificar o nome do Juiz que proferiu tal sentença, mas podemos notar que o mesmo garante, apesar de tudo, os direitos indenizatórios ao Major Novaes. A libertação total dos escravizados viria, afinal, em 1888 com a Lei Áurea.
Eddy Carlos.
Dicas para consulta.
ANDRADE, Carlos Barromeu de. Os Pioneiros da História de Cruzeiro. Cadernos Culturais do Vale do Paraíba. CERED, São José dos Campos, 1994.
CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e Escravidão do Brasil Meridional. DIFEL. São Paulo, 1962.
COMARCA de Lorena. Ação de Liberdade da Escrava Rita. Lorena, 1873. Acervo do Museu Histórico e Pedagógico Major Novaes. Cruzeiro-SP.
GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. Coleção Ensaios. Ática. São Paulo, 1992.
MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser Escravo no Brasil. Editora Brasiliense. São Paulo, 1982.
SOUZA VICENTE, Eddy Carlos.
O Mandonismo Político em Cruzeiro.
Atuação Política do Major Novaes (1873-1898). Trabalho de Conclusão de Curso
de Pós-Graduação Lato Sensu em História do Brasil Republicano pela UNITAU.
Taubaté, 2004.
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