quinta-feira, 13 de julho de 2023

O Registo de Itagyba.


                                   Vista panorâmica de Piquete no ano de 1906.

                 FONTE: Prefeitura Municipal de Piquete e Fundação Christiano Rosa. 


             Desde a segunda metade do século XVI, a Coroa portuguesa passa a enviar expedições oficiais com a função de reconhecer o território e explorar possíveis riquezas, como ouro e prata. Essas expedições ficaram conhecidas como Entradas e não podiam ultrapassar a Linha de Tordesilhas. Paralelamente, expedições não oficiais, conhecidas como Bandeiras, partiam da Vila de São Paulo, para capturar e escravizar indígenas, não se preocupando com a citada Linha de Tordesilhas. Assim, bandeirantes e demais aventureiros, no encalço dos silvícolas, seguiam o curso do Rio Paraíba pela margem direita até o chamado Porto da Cachoeira. Cruzando o rio continuavam em direção à Garganta do Embaú, de onde atingiam o Sertão dos Cataguases e a região das minas. Com a exploração aurífera, todo o tráfego de mercadorias e carregamentos do valioso metal, passou a se efetuar pela Estrada Real, onde seguiam o mesmo caminho, passando pelo povoado do Embaú até Guaratinguetá; daí seguindo por Cunha (antiga Facão) até Paraty. Ora, a atividade econômica impulsionada pelo ouro atiçava a cobiça de bandoleiros e garimpeiros que tentavam manter consigo o metal extraído sem pagar o imposto que a Coroa cobrava. Intensificando o contrabando, as autoridades portuguesas instalavam postos de fiscalização e cobrança ao longo de diversos caminhos. Na Estrada Real, o posto principal era o Registro da Mantiqueira, em território mineiro, onde atualmente é a cidade de Passa Quatro e ainda em atividade em 1822, conforme o viajante francês Saint-Hilaire.

             Entretanto, o quinto cobrado pelas autoridades coloniais, além de outros tributos exorbitantes, somente incentivava ao mencionado contrabando, o que fazia com que os fraudadores do erário procurassem outras rotas de fuga da fiscalização lusitana. Ao mesmo tempo, aumentava a concessão de sesmarias em terras valeparaibanas, então pertencentes à Vila de Guaratinguetá. Em 18 de novembro de 1733, a Coroa portuguesa concedeu uma sesmaria a Miguel Rodrigues de Morais no local denominado “Campinho”, havendo notícia, no entanto, de outros que foram beneficiados antes como Manuel Duarte Filgueiras, Manuel Fernandes Pinto e José Rodrigues Neves. Tais concessões foram em terras da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade e, no ano de 1741 o Capitão Lázaro Fernandes abriu um estreito caminho, ligando dessa forma a referida freguesia às  minas de Itagyba, atual cidade mineira de Itajubá. Como essa senda tornou-se uma alternativa irresistível para os contrabandistas de ouro e mercadorias, pois podiam fugir do controle do Registro da Mantiqueira, o governo luso determinou a instalação permanente de um piquete de milicianos e a formação de um novo posto de fiscalização. Embora instalado no lado paulista da Mantiqueira, bem ao pé da serra, em território da Vila de Guaratinguetá, esse posto ficou conhecido como o Registro de Itagyba, mais tarde apenas como “Registro”. Após a emancipação política da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade, o Registro passou a pertencer à Vila de Lorena em 1788.

             Conforme ocorrido com outras localidades, nas imediações do Registro, desenvolveu-se um  novo núcleo habitacional configurando então, um novo bairro, agora parte integrante da Vila de Lorena. Com a decadência das minas, o local passa a ser denominado por Registro Velho. Segundo o Prof. José Geraldo Evangelista, a Vila de Lorena dividia-se em oito companhias e, em 1801 o Registro Velho integrava a 7ª Companhia, juntamente com o Porto do Meira, o Campinho, o Embaú, o Passa Vinte e o Embaú Acima (Quilombo). Porém, o Registro iria exercer novamente a sua função militar durante a Revolução Liberal de 1842, quando o governo imperial deslocou um segundo piquete de cavalaria para impedir a união dos rebeldes paulistas com os rebeldes mineiros. Diante desse episódio formou-se o conceito equivocado de que o surgimento do povoado data de 1842. Prosseguindo então, com o crescimento do Registro, os moradores do local solicitam permissão para erigirem uma capela em 22 de fevereiro de 1865, sendo batizada com o nome de São Miguel. No dia 22 de março de 1875, através da Lei Provincial nº 10, o Registro Velho é elevado à condição de freguesia com o nome de São Miguel de Piquete, sob a esfera político-administrativa da Vila de Lorena. A capela solicitada, contudo, foi construída em terras de Custódio Vieira da Silva.

             O crescimento, ou melhor, o desenvolvimento da Freguesia do Piquete é constatado, através do conteúdo da Ata da Câmara de Lorena, de 01 de dezembro de 1885, citada pelo Prof. José Geraldo Evangelista. Na referida ata, o Presidente da Câmara, Major Joaquim Vieira Teixeira Pinto, solicita material escolar para os alunos das escolas da Freguesia do Piquete, sendo que desde 1878 já havia uma escola feminina. Em outro momento, o Barão da Bocaína, Francisco de Paula Vicente de Azevedo, pretendeu instalar uma linha de bonde e telégrafo de Lorena aos Campos do Buriqui, além da sugestão da mesma Câmara para a construção de um ramal ferroviário até o antigo Registro, o que indica que o local não estava ignorado.  No entanto, nem a linha de bondes e nem o ramal saíram do papel. Dessa forma, foi com surpresa que a Câmara Municipal de Lorena recebeu o comunicado do Governo Provisório Republicano de São Paulo, no qual sancionava o Decreto nº 166, de 17 de maio de 1891. No referido decreto, a freguesia, agora distrito era elevado a Município com o nome de Vila Vieira do Piquete sendo criado também o Conselho de Intendência, o que revoltou a edilidade lorenense. Apresentando argumentos contra a criação da nova Vila, a Câmara de Lorena foi derrotada com a rejeição, pelo Senado Estadual, do Projeto nº 39 que anulava o Decreto nº166. Consumada a emancipação, assume como primeiro Prefeito de Piquete o Major Carlos Augusto Alvim Taques Bittencourt , avô paterno da ex-vereadora de Cachoeira Paulista Adracir Fleming Bittencourt.

             Entrementes, na primeira década do século XX, Piquete vivenciou uma fase  de desenvolvimento e euforia devido à construção do tão sonhado ramal ferroviário e da instalação da indústria de material bélico do Exército. Tal ramal ligava Lorena a Fábrica de Pólvora Presidente Vargas, atualmente uma das unidades da Imbel, administrada pelo Exército Brasileiro. Aliás, a referida fábrica completou 114 anos de existência em 15 de março último, ao passo que o ramal de Benfica foi desativado em 1977. Durante a Revolução Constitucionalista de 1932, os rebeldes paulistas reforçaram o controle da região, instalando um posto de comando e, apoderando-se da citada fábrica de pólvora, vital para o esforço de guerra. Mais uma vez, o antigo Registro cumpre uma função militar, embora dessa vez em lado oposto, ou seja, de rebeldes contra o governo central. Em 11 de setembro de 1932, as forças legalistas de Vargas assumem o controle total da Mantiqueira, incluindo Piquete.

              Contudo, atualmente Piquete ainda vive em função da indústria bélica, mas busca no turismo, principalmente o ecológico, novas fontes de renda. O antigo Registro de Itagyba, hoje é conhecido como cidade-paisagem, devido à sua localização ao sopé da Serra da Mantiqueira.

                                                                              
                                                                                                Eddy Carlos.

 

 

 

 

Dicas para consulta.

DONATO, Hernani. A Revolução de 32. Círculo do Livro. São Paulo, 1982.

 

EVANGELISTA, José Geraldo. Lorena no século XIX. Coleção Paulística. Volume VII. Imprensa Oficial. São Paulo, 1978.

 

GABRIEL, Sônia. Mistérios do Vale. JAC Editora. São José dos Campos, 2006.

 

MÜLLER, Nice Lecocq. O Fato Urbano na Bacia do Rio Paraíba. IBGE. Rio de Janeiro, 1969.

 

REIS, Paulo Pereira dos. Lorena nos Séculos XVII e XVIII. Fundação Nacional do Tropeirismo. Centro Educacional Objetivo. CERED. Caçapava, 1988.

 

SOUZA VICENTE, Eddy Carlos. Uma Janela no Tempo: Os Godoy Fleming no Embaú. Editora Penalux. Guaratinguetá, 2015.


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