domingo, 9 de julho de 2023

Bracuhy.


            Navio Negreiro. Tela de Rugendas, de 1830. Fonte: www.aventurasnahistoria.com.br


                     A partir de 1530, Portugal inicia a colonização do Brasil, explorando a região para garantir lucros e riquezas para a Coroa e a nobreza lusitana. Durante quase 300 anos a Metrópole iria expropriar as riquezas naturais da colônia e as produzidas pelos habitantes. A exploração se daria de diversas formas desde a cobrança de impostos exorbitantes como o monopólio de algumas fontes de lucros como a mineração e o tráfico de escravos. Inicialmente tanto colonos como autoridades viram no indígena a mão-de-obra necessária para o sucesso da monocultura açucareira no Nordeste e para a agricultura de subsistência nas regiões que compunham as capitanias de Santo Amaro e São Vicente. Como a escravização dos índios era contra os princípios da Igreja que planejava catequizá-los e as constantes mortes dos mesmos nas plantações paulistas, a Coroa decide “protegê-los” proibindo o seu cativeiro. Na realidade, porém, Portugal defendia o seu monopólio no fornecimento de mão-de-obra que tinha sua fonte no território africano. Portanto, permitir que se escravizasse o índio, iria prejudicar o comércio de escravos vindos da África que custavam mais. E é assim que com a expansão da atividade da cana-de-açúcar que começa a vir para o Brasil levas e levas de milhares de cativos para o árduo trabalho nos canaviais do Nordeste, algodão, extração de ouro e diamantes em Minas Gerais e os cafezais do Vale do Paraíba fluminense e paulista, além das charqueadas gaúchas. Estima-se que aproximadamente 3.600.000 negros tenham vindo como escravos para o Brasil durante 300 anos e que nesse mesmo período tenham morrido 900.000 durante a longa viagem pelo Atlântico. O tráfico negreiro era um negócio altamente lucrativo para os traficantes, pois em uma única viagem, após pagar os direitos da Coroa portuguesa relativo ao monopólio, taxas da alfândega no Rio de Janeiro e Salvador e o dízimo da Igreja por cada “peça”, o lucro variava de 1.000 até 4.000%. Mesmo com os riscos de tempestades em alto-mar, ataque de piratas, etc, era uma atividade tentadora.
                       Todavia, com a Revolução Industrial e o advento da economia de mercado, a Inglaterra, que muito se beneficiara com a escravidão, decide extingui-la no dia 7 de julho de 1708. Alegando razões humanitárias e morais, os ingleses com sua Marinha decidem acabar com a escravidão em outras partes do mundo, o que na realidade era defender a garantia de venda de seus produtos industrializados, incompatíveis com o sistema escravista. Em 1808, após auxiliar Dom João VI a fugir de Napoleão e vir para o Brasil, a Inglaterra o pressiona a assinar vários tratados (nunca cumpridos) no sentido de reprimir o tráfico. Para o reconhecimento da Independência, os ingleses cobraram de Dom Pedro I a mesma atitude, que resultou no tratado de 1826 e mais tarde em 1830. É dessa época que vem a expressão “lei para inglês ver”, pois se assinava um acordo que nunca se cumpria. Também durante a Regência foram elaborados diversos tratados, até que a “paciência” inglesa acabou. Em 1845, o Parlamento inglês aprovou o “Bill Aberdeen”, um ato unilateral que autorizava a Marinha de guerra britânica a aprisionar qualquer navio negreiro, chamados de tumbeiros, em qualquer parte, inclusive em águas estrangeiras. A escravidão foi considerada pirataria e os traficantes estariam sujeitos aos tribunais ingleses, onde a pena para tal delito era a forca. Ainda assim, o Brasil ignorava as pressões e prosseguia com o tráfico. Porém após a captura de alguns tumbeiros no porto do Rio de Janeiro e a ameaça de guerra contra o Brasil, a Assembléia Geral do Império (equivalente ao Congresso Nacional) aprovou a Lei Eusébio de Queirós, no dia 4 de setembro de 1850. Essa lei, aprovada sob a mira dos canhões ingleses, enfim foi cumprida e o tráfico tornou-se ilegal, mas alguns ainda se arriscavam, pondo em risco em risco até seu prestígio, devido a alta margem de lucro. É o caso de alguns cafeicultores que se envolveram no episódio dos “africanos de Bracuhy”. Até aqui nos prolongamos no conceito do escravismo e do tráfico para que o leitor possa ter uma ampla noção do tema.
                     O nome “Bracuhy” está relacionado a uma espécie de árvore nativa, muito comum na época, em que a Mata Atlântica devia ser bem mais densa do que atualmente. Diz respeito também a um porto do mesmo nome existente em Angra dos Reis. Com o fim do tráfico, restava aos proprietários escravistas, adquirir “peças” em outras regiões, onde a monocultura estava decaindo como o Nordeste, reproduzir o seu plantel de escravos de forma natural ou arriscar-se ao contrabando, correndo o risco de ser capturado pelas belonaves inglesas ou pela fiscalização das autoridades brasileiras, complicando a sua reputação. No ano de 1853, um navio negreiro conseguiu fugir das canhoneiras britânicas, atracando no já mencionado porto do Bracuhy em Angra, descarregando a sua “carga”, eliminando assim a prova do ato ilícito. Diante dos protestos ingleses, as autoridades imperiais iniciam uma fiscalização nas imensas propriedades rurais ao longo do Vale do Paraíba. Mesmo sendo coniventes com os cafeicultores, as autoridades não queriam novo confronto com a Inglaterra e, encontram negros africanos recém-chegados nos cafezais de Manoel de Aguiar Vallim, Luciano José de Almeida e Joaquim José de Souza Breves, altos dignatários do Império, membros da Guarda Nacional e da política do Segundo Reinado e ilustres cidadãos. Com o escândalo, o governo imperial não tem outra alternativa,e abre um processo contra os três mencionados, incluindo mais tarde Pedro Ramos Nogueira, genro de Luciano José de Almeida. Os acusados diretamente como chefes do tráfico ilegal foram Vallim e Breves e a acusação para Luciano e Pedro Ramos recaiu apenas por terem comprado os africanos oriundos do contrabando. Levados a júri, foram, no entanto absolvidos, como já era de se esperar.
                    Entretanto, se não foram condenados, o pronunciamento por via judicial de titulares das maiores fortunas não só de Bananal, mas de todo o Império, pode indicar uma tentativa do governo de aplicar um castigo exemplar e moral, além de dar satisfações à Grã-Bretanha, que não tolerava infrações quanto à sua política humanitária”. Dom Pedro II queria pôr um freio forte que eliminasse de vez o contrabando, para não ter “dores de cabeça” com os ingleses. Mas apesar de saírem ilesos, o episódio abalou a imagem, sobretudo de Manoel de Aguiar Vallim. Joaquim José de Sousa Breves, já possuía títulos de nobreza do Império, Luciano José de Almeida ostentava o título de Comendador e faleceria em 1854 na Fazenda Boa Vista. O proprietário da Fazenda Resgate, porém almejava ostentar algum título nobiliárquico e apesar do caso em que se envolvera, não desistiu de seu intento, mas a pressa o prejudicou. Em 1859, Manoel de Aguiar Vallim propôs um donativo de 15:000$000 (quinze contos de réis) ao Hospício D. Pedro II, para obter o título de Barão do Bananal. A proposta enviada ao Marquês de Abrantes teve a seguinte resposta: “Não posso encarregar-me da pretensão da pessoa  de que  trata o memorial junto. À vista dos papéis existentes na Secretaria, relativos à questão Negreira do Bracuhy, e examinados por ocasião da pretensão idêntica d’ outra pessoa, foi-me insinuado que não propusesse indivíduo algum que tinha sido pronunciado naquela questão, embora despronunciado ou absolvido depois. Rio, 6 de março de 1859.”
                      A citação acima, extraída de uma obra sobre a Fazenda Resgate, mostra bem a posição do governo imperial sobre o caso e o Marquês de Abrantes é claro que apesar de inocentado Vallim não era digno de merecer o título a que aspirava. Ele, porém, se precipitou, pois em 1859, o escândalo do Bracuhy, ainda estava “fresco” na opinião pública, poderia aguardar um pouco mais como fez Pedro Ramos Nogueira. Em 1877, Pedro Ramos solicitou e obteve o título de Barão da Joatinga, 24 anos após ter sido indiciado no caso do Bracuhy. Quanto a Manoel de Aguiar Vallim, o Império iria lhe conferir o título de Comendador após sua morte, ocorrida em 1878 na Fazenda Resgate.                                                
 
                                                                                                      Eddy Carlos. 
 
 
Dicas para consulta.
CASTRO E SCHNOOR, Hebe Maria Mattos de e Eduardo. Resgate. Uma Janela para o Oitocentos.  Topbooks. Rio de Janeiro, 1995. 

LANNA, Ana Lúcia Duarte. Revoltos da Senzala. Ática. São Paulo, 1997. 

NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Publifolha. São Paulo, 1999. 

PEREGALLI, Enrique. Escravidão no Brasil. Global Editora. São Paulo, 1988.


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