quarta-feira, 21 de outubro de 2020

O Trem de Ferro. Sinônimo de Desenvolvimento.

 


      Trem turístico, operado pela ABPF, no sul de Minas Gerais. FONTE: guiaviajarmelhor.com.br

Obs.: artigo publicado em 2013, na I Antologia da Academia Cachoeirense de Letras e Artes (ACLA), Cachoeira Paulista-SP.
                      

                A invenção ou descoberta da roda, proporcionou mais agilidade nos transportes terrestres, com a construção de veículos adaptados à tração animal como carros, carroções, carruagens, etc. Até meados do século XVIII, tanto em áreas rurais ou urbanas, na Europa, Ásia, Norte da África, os habitantes utilizaram-se de tais veículos, atrelados à bois, jumentos, cavalos e escravos, para o transporte de passageiros e mercadorias. A partir de 1760, a Inglaterra, que acumulara imensa fortuna com o Mercantilismo, tráfico de escravos e o ouro advindo das colônias ibéricas da América em troca de produtos manufaturados, aplica o capital excedente em desenvolvimento de novas técnicas de produção. O resultado foi a invenção da máquina à vapor que, ao substituir a energia humana, ficou conhecida como Revolução Industrial. Segundo a análise de Acrilson de Carvalho e Levy Tenório da Costa, o “aspecto mais importante da Revolução Industrial foi a radical transformação no caráter do trabalho, o que gerou intenso desenvolvimento dos centros urbanos”. A referida máquina à vapor, desenvolvida por James Watt, em 1770, influenciou diversas tentativas de construção “de um veículo que se locomovesse em uma estrada sendo movimentado a vapor d’água”, conforme o estudo dos autores, acima citados. Mais tarde, o inventor inglês George Stephenson, desenvolve outra máquina à vapor, conseguindo puxar vagões de 30 toneladas, a uma velocidade de 4 milhas por hora. O invento batizado de “Locomotion” (locomotiva), foi aperfeiçoado entre 1815 e 1816 por Stephenson, a ponto de no dia 27 de setembro de 1825, entrar em operação em caráter inaugural, realizando uma viagem entre as cidades de Stockton e Darlington, a uma velocidade de 25 quilômetros por hora. Os trilhos foram assentados em 1824 e, mesmo após o surgimento da máquina “The Rocket”, construída pelo filho de George, Robert Stephenson em 1829, a viagem inaugural é considerada o marco inicial das estradas de ferro, propagando-se rapidamente pelo mundo.Todavia, a consolidação do sistema ferroviário no mundo deve ser compreendida no contexto da afirmação do capitalismo, no século XIX. Segundo a análise das professoras Vera Vilhena de Toledo, Maria Odette Brancatelli e Helena Lopes, a ferrovia configurou-se em um investimento altamente rentável, pois além de permitir maior precisão nos horários e, encurtando as distâncias, barateou os custos dos transportes, “interligou diferentes mercados, transportando grandes quantidades de carga; gerou empregos e a formação de uma nova mão de obra especializada”. Nesse inédito cenário mundial, era nítida a divisão dos países em dois blocos: os industrializados, que detinham o capital e a tecnologia e os isentos, tanto de um como de outro atributo, sendo, então, dependentes. Os primeiros forneciam produtos manufaturados, inclusive trens, importando dos segundos, café, algodão, borracha, minérios, etc. Obviamente que o saldo da balança comercial, pesava sempre de forma positiva para os primeiros, em detrimento dos segundos, nos quais estava inserido o Brasil, recém-emancipado do jugo do Império Ultramarino Português, e que almeja “entrar” na era do revolucionário meio de transporte.

                   No alvorecer da dominação portuguesa, os colonos encontraram no índio o meio eficaz de transporte de mercadorias, principalmente no sudeste do Brasil com a prática do bandeirismo de preagem; eram utilizados tanto como bestas de carga, como para a lavoura, apesar das constantes proibições régias e breves papais. Na região açucareira do Nordeste, com a dizimação rápida dos autóctones, o meio de transporte foi o escravo africano, sendo “auxiliado” pelo carro de boi, o que não ocorria com os silvícolas. Como os índios foram considerados “inaptos” para o trabalho, houve a “padronização” e, nos dois séculos iniciais da fase colonial, “o único meio de transporte existente na região sul do Brasil era o que se efetuava no dorso do escravo”, de acordo com Acrilson de Carvalho e Levy Tenório da Costa. Outro meio de transporte que se destacou foi o fluvial, com as monções que, partindo de São Paulo, seguindo pelos rios Tietê, Paraná, Cuiabá e outros, atingiam regiões do atual Estado do Mato Grosso, além de Goiás. Por outro lado, o muar foi amplamente utilizado a partir da fase da extração aurífera nas Gerais, onde os escravos, então, eram destinados somente à mineração, sob severa vigilância por parte da Coroa. Partindo de Vila Rica e Diamantina, ouro e diamantes eram transportados em lombo de burros, fortemente escoltados, em viagem pela Estrada Real, cruzando a Serra da Mantiqueira na Garganta do Embaú, percorrendo o Vale do Paraíba, até Guaratinguetá; daí até o povoado do Facão, onde seguia para Paraty, seguindo, por sua vez, para o Rio de Janeiro. Mesmo com a abertura do Caminho Novo, de Garcia Rodrigues Pais, ligando as Minas diretamente com o Rio de Janeiro, o trajeto continuava penoso e cansativo. Recorrendo mais uma vez aos autores citados anteriormente, os mesmos afirmam que o Caminho Novo, devido à “contingencias políticas e interesses fiscais, foi o de maior importância, (...), onde a topografia e a menor distância indicavam uma saída natural da capitania”. Sendo assim, o Rio de Janeiro transformou-se na única porta de entrada e de saída da região das minas, uma vez que, o Caminho da Bahia, ao norte, estava bloqueado pela Coroa, que só permitia a entrada de bovinos para o abastecimento das Gerais. Por outro lado, a conclusão do Caminho Novo da Piedade, propiciou a circulação de nova atividade econômica, a do café, que iria encontrar nos muares o meio excelente para o transporte da rubiácea, conduzido agora pelo tropeiro. Transportando o café das fazendas para a Corte, onde eram embarcadas para a Europa e, em menor escala, para o porto de Santos, o tropeiro trazia de volta outros produtos, importados, para as fazendas e vilas, na viagem de retorno. Os burros eram empregados, também para viagens comuns ou cientificas, como as de Spix e Martius, Ender, Saint-Hilaire, Zaluar e outros. Mesmo a um custo elevado, o transporte em lombo de burro foi o preferido, por não haver alternativa, desde as décadas iniciais do século XVIII, até aproximadamente 1875, quando deixa de ser hegemônico, em decorrência do advento da ferrovia.

                       Contrabandeado da Guiana Francesa para o Brasil em 1727 por Francisco de Melo Palheta, o café foi cultivado de forma tímida, atendendo primordialmente para o consumo interno, sendo plantado inicialmente em Belém do Pará. Em 1774, João Gualberto Castelo Branco, foi transferido de Belém para o Rio de Janeiro para assumir o posto de Desembargador, e trouxe consigo duas mudas de café. O primeiro cafezal foi formado pelo holandês Van Mooke, na periferia da Corte, de acordo com a análise do historiador Alves Motta Sobrinho. O gesto foi imitado por diversos fazendeiros e com o incentivo de Dom João VI em 1817, “as experiências já aprovadas foram-se repetindo, das chácaras da Tijuca e Corcovado, no Rio, aos sítios da Baixada Fluminense, de onde os cafeeiros marcharam sobre o Vale do Paraíba”. Expandindo-se, a partir da cidade de Vassouras, no Vale Fluminense, o café logo atinge o Vale Paulista, proporcionando o surgimento de imensas fazendas e Vilas ao longo do Caminho Novo da Piedade, que em Lorena, ao “juntar-se” com o Caminho Velho dos Paulistas, formaria a Estrada Geral, mencionada por Zaluar. No Vale Paulista, o café teria a sua “capital”, na Vila do Bananal, a qual, devido à proximidade da Corte, passou a exercer influência sobre as demais, como Areias, São José do Barreiro, Silveiras, Lorena, etc. Baseado na grande propriedade, na monocultura e no trabalho escravo, o café criou fortunas imensas, formou uma elite política e econômica, a qual auxiliou o Império na Guerra do Paraguai, além de novos estilos arquitetônicos, representados pelos soberbos solares rurais e urbanos.

                     Entretanto, o custo do transporte das sacas era muito elevado. Segundo José Roberto do Amaral Lapa, conduzidas pelos tropeiros, as “tropas que transportavam café, em São Paulo, chegavam a ter de 200 a 300 mulas cada”. O autor destaca, no entanto, que as tropas de muares atuavam em distâncias inferiores a 150 quilômetros dos portos, considerando antieconômico a ultrapassagem de tal limite. Com o surgimento da ferrovia, o destino do café ficaria totalmente relacionado a esse meio de transporte, o que não fez, porém, que a atividade do tropeiro desaparecesse. Somente com o advento e consolidação das rodovias, tal atividade entra em declínio. Os primeiros passos para concretizar tal intento, ocorreram durante a Regência, quando o Regente, Padre Diogo Antônio Feijó em 1835, sanciona a resolução da Assembleia Legislativa Geral, a qual concedia o direito de privilégio exclusivo para, de acordo com Hilton Federici, a “construção de uma estrada que, partindo da Capital do Império, fosse ter às províncias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia”. Ninguém se interessou pelas garantias do governo e, somente em 1854, com a iniciativa de Irineu Evangelista de Sousa, é que seria inaugurada a primeira ferrovia no Brasil. Ainda, segundo Federici, a estrada ligava “o fundo da baía da Guanabara (hoje Porto Mauá) até alcançar o começo da serra da Estrela, em demanda da cidade de Petrópolis. (...) O objetivo máximo e primeiro era alcançar a cidade serrana, o que só muito mais tarde foi conseguido”. A empreitada do Barão, depois, Visconde de Mauá, foi o “pontapé” inicial para a construção de novas ferrovias no Brasil, sobretudo no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, apesar da morosidade dos trabalhos. Em 09 de maio de 1855, através do Decreto nº 1599, o Governo Imperial aprova e torna efetivos os Estatutos da Companhia Estrada de Ferro Dom Pedro II, tendo os trabalhos iniciados em 11 de junho do mesmo ano, conduzidas por uma empresa inglesa. Também, da mesma data do Decreto 1599, outro determinava, segundo Hilton Federici, que a ferrovia, partindo do Rio de Janeiro, “transpusesse a Serra do Mar e depois se dividisse em dois ramais: um para a cidade de Cachoeira Paulista, enquanto o outro deveria alcançar Porto Novo do Cunha, na fronteira mineiro – fluminense”. A escolha do então, Porto da Cachoeira, pertencente à Vila de Lorena, para ponto final dos trilhos, deveu-se ao fato de que nessa localidade, terminava a navegabilidade do Rio Paraíba, a qual ia até a Vila de Jacareí; em sentido oposto, o referido rio continha corredeiras até Queluz o que impedia qualquer propósito de navegação fluvial. No dia 07 de agosto de 1864, os trilhos alcançam Barra do Piraí, onde bifurcam-se nos sentidos previstos, ocorrendo porém, a dissolução da companhia concessionária, devido a dificuldades financeiras, sendo encampada pelo Governo Imperial que assumiu a ultima ação da obra. Mas, somente em 20 de julho de 1875, a primeira locomotiva chega ao Porto da Cachoeira, detendo-se na margem esquerda do Rio Paraíba, devido à falta de uma ponte que ainda seria construída para interligar com a margem direita a qual esperava os trilhos de outra estrada férrea. Analisando projeto, desde 1862, o Governo da Província de São Paulo, objetivava uma ferrovia que, com inicio próximo da capital paulista, “cortasse” todo o Vale, em sua área plana, com destino final, o Porto da Cachoeira, ponto previsto (e executado) para término da Estrada de Ferro Pedro II. No entanto, somente em 1871, através da Lei Provincial n° 28, de 24 de março, que o projeto “vingou”, surgindo a Companhia São Paulo e Rio de Janeiro, assinando contrato com o Governo Provincial no dia 02 de março de 1872. As obras dessa estrada, tornaram-se mais agilizadas, na opinião de Federici, “por causa da rapidez com que os grandes proprietários de café, enriquecidos por essa lavoura, haviam subscrito as ações de constituição da empresa”. Partindo da Estação do Brás, na capital paulista, a referida ferrovia tem seus trabalhos concluídos em 08 de julho de 1877, com a chegada dos trilhos ao Porto da Cachoeira, detendo-se, na margem direita do Paraíba.

                    Entrementes, a escolha do Porto da Cachoeira como ponto de junção das duas ferrovias mexeu com os “nervos” da Câmara Municipal da Vila de Lorena, que apesar de os trilhos chegarem em área de sua administração, os lorenenses perceberam as vantagens econômicas que teriam. Segundo José Geraldo Evangelista, os vereadores de Lorena não concordavam com o fato de Cachoeira ser o ponto final da Estrada de Ferro Dom Pedro II, pois não passava de um simples bairro do município; o ponto terminal devia ser o centro de Lorena, “para onde convergiriam vários caminhos, ativando o seu comercio e fazendo verdadeira captura econômica de todos os produtos que, do Sul de Minas e do próprio Vale do Paraíba, buscavam os portos de São Sebastião, Ubatuba, Paraty e Mambucaba”. Os edis de Lorena não aceitavam a ideia de que a ferrovia preferisse um simples arraial à uma vila em processo de desenvolvimento. Porém, como afirma ainda, o Prof. Evangelista, os engenheiros que construíam a E. F. Pedro II estavam plenamente corretos em escolher Cachoeira, “porque a partir daí seria possível a navegação fluvial no Paraíba, até além de São José dos Campos e de Jacareí, terminando na Freguesia de Nossa Senhora da Escada, já próxima a Mogi das Cruzes”. Sendo assim, como ponto de encontro de duas estradas férreas, de bitolas diferentes – a “Pedro II” e a de 1,60 m e a “São Paulo-Rio”, de 1,00 – tornava-se necessário a baldeação, em balsas pelo Rio Paraíba, de cargas e passageiros, para atravessar de uma margem à outra. Isso foi determinante para justificar as enormes dimensões da estação de Cachoeira.  A belíssima estação foi construída com três torreões, servindo de dormitório para passageiros e funcionários em serviço. Dois imensos galpões para receber café e cargas em geral, e enormes plataformas de ambos os lados por embarque e desembarque de passageiros e a caixa d’água completavam a gigantesca obra. No entanto, faltava a ponte sobre o Rio Paraíba, o que, como já afirmamos, obrigava a baldeação. Na viagem inaugural, Cachoeira recebera a chegada de duas composições: uma vinda do Rio de Janeiro, trazendo a Princesa Isabel e seu esposo, Gastão de Órleans, o Conde D’ Eu; a outra vinha de São Paulo e levaria o casal imperial até a capital paulista, após a penosa travessia na balsa do Paraíba. No ano seguinte,1878, foi a vez do próprio imperador atravessar o Paraíba na balsa, durante viagem realizada entre a Corte e a capital bandeirante. A solução veio com a República, quando o governo encampa a ferrovia paulista em 1890 e unifica a bitola para 1,60, equiparando-a com a “Pedro II”, de cuja união resultaria na Estrada de Ferro Central do Brasil. Em 1893, é inaugurada a ponte férrea sobre o Rio Paraíba, resolvendo de vez a questão da travessia nas balsas. Em que pese este incômodo para passageiros, funcionários e comerciantes, o fato é que o antigo arraial vivenciou um surto econômico e financeiro, o que era almejado pelos vereadores de Lorena, como já citado. Isso influenciou a evolução política e, através da Lei Provincial n° 05, de 09 de março de 1880, a Freguesia de Santo Antônio da Cachoeira é elevada à vila, desmembrada da de Lorena, com o nome de Santo Antônio da Bocaína. No dia 08 de janeiro de 1883, utilizando um dos torreões da estação ferroviária como sede, é instalada a primeira Câmara Municipal da Vila da Bocaína, tomando posse os vereadores: Tenente Domiciano Rodrigues Pinto, Manoel Saturnino de Seixas, Joaquim dos Santos Pinto Júnior, Tenente Joaquim José Rodrigues da Mota, Joaquim Cândido Pinto, Joaquim Luiz de Freitas e Joaquim Pedro Barbosa.

                    Consequentemente, após a inauguração da ponte férrea e a unificação das bitolas, a direção da “Central do Brasil” instalou em Cachoeira, em 1895, a IL-8 (Oitava Inspetoria de Locomoção), com o objetivo de criar uma oficina de reparos de locomotivas e vagões. O resultado foi a instalação de uma estrutura organizada, composta por almoxarifado, escritórios e oficina adaptada com aparelhos eletromecânicos, supervisionados por um engenheiro chefe, o qual passou a residir na cidade. Mas não foi só Cachoeira a se beneficiar com a chegada da ferrovia; por onde seu traçado “passasse”; era certo de que o progresso viria, como veio para as cidades valeparaibanas. Para os autores, Acrilson de Carvalho e Levy Tenório da Costa, a questão do traçado era de vital importância para a sobrevivência das cidades, para o seu desenvolvimento ou estagnação. O historiador Alves Motta Sobrinho também é enfático quanto à questão, afirmando que “Ai daquelas vilas e cidades que lhe ficassem à distância ou segregados. Foi o que aconteceu com Bananal, São José do barreio, Areias, Silveiras, que não conseguiram inclusão na rota do trem, a despeito de intenso trabalho naquele sentido, e depois tiveram que socorrer a ramais, para não estiolarem de uma vez”. Bananal, por iniciativa dos Barões do Café, em especial da família Vallim, conseguiu manter-se, construindo a sua própria ferrovia, a qual entroncava-se com a E. F. Pedro II na Estação da Saudade, em Barra Mansa. Quanto às demais, entraram para o rol das “Cidades Mortas”, como Silveiras, que quase foi extinta como município. Tal ocorreu com o Jatahy, tendo a maior parcela de seu antigo território, incorporado à Cachoeira Paulista em 1934. Mesmo representando um fator de desenvolvimento econômico, social e político, no último quartel do século XIX, a ferrovia chegou tarde ao Brasil, em particular no Vale do Paraíba. Quando da viagem inaugural de Mauá, do Rio de Janeiro às proximidades de Petrópolis, países como Argentina, Peru, Chile, Cuba é México, já estavam construindo ferrovias, ao passo que os Estados Unidos já contavam com mais de 14 mil quilômetros de caminhos de ferro. Apesar de garantir o escoamento rápido das sacas de café, destinados à exportação, racionalizando e reduzindo custos dos transportes, com o barateamento do frete, o cultivo da rubiácea já estava entrando em declínio. Ainda assim, a estrada de ferro deixaria o tropeiro de lado, ficando sua atividade restrita ao comércio entre vilas e fazendas desprovidas da locomotiva. Como, no entanto, o Vale do Paraíba iniciava a atividade pecuária leiteira, a estrada de ferro foi, novamente, um fator positivo para o transporte das cooperativas que surgiam, bem como do transporte de gado, comercializado entre fazendeiros da região. Outra novidade foi o estímulo ao transporte de passageiros, sendo os quais divididos em classes. Segundo Vera Vilhena de Toledo, Maria Odette Brancatelli e Helena Lopes, nos vagões de primeira classe “as poltronas eram de dois lugares, com encosto móvel, recobertas de couro ou palhinha, enquanto que nos de segunda classe eram de madeira. Como que prevendo os futuros transportes coletivos atuais, já em 1888, os diretores das companhias ferroviárias, retiram os bancos dos vagões de terceira classe, para que os passageiros viajassem de pé, a fim de ‘encherem’ os referidos vagões”. Dessa forma, proporcionado pela ferrovia, Cachoeira mantém o status privilegiado, a ponto de, em 1928, o então Presidente da República, Washington Luís, inaugurar a Rodovia Rio-São Paulo, em Cachoeira.

                    Contudo, durante a Revolução Constitucionalista de 1932, Cachoeira foi bombardeada pelas forças legalistas de Getúlio Vargas. Os alvos eram as instalações militares na cidade, incluindo a estação ferroviária, de onde saía o trem blindado, que fustigava as linhas federais em Queluz. Apesar do intenso bombardeio, a estação sofreu poucas avarias e, mais uma vez a História de Cachoeira, relacionava-se à da ferrovia, ainda que em momentos turbulentos. Porém, com a instalação da indústria automobilística “nacional” no governo de Juscelino Kubistschek, o sistema ferroviário cede espaço ao rodoviário, principalmente após a inauguração da Rodovia Presidente Dutra. Como sinônimo de modernidade, os automóveis e os ônibus transformaram-se nos meios de transportes preferidos para viagens a passeio ou trabalho, enquanto que o caminhão teve o mesmo efeito para o transporte de cargas. Aos poucos, a demanda por passageiros vai sendo reduzida, cujos efeitos são, redução das linhas regulares, desativação de postos de abastecimento, estações, até das próprias ferrovias. A Estação Ferroviária de Cachoeira Paulista foi desativada em 1974 e o último trem de passageiros a circular pelo Vale do Paraíba, passando em Cachoeira Paulista, foi o trem de prata, desativado com a linha em fins de outubro de 1998. Atualmente, ainda circulam trens em Cachoeira, transportando minérios ou quaisquer tipos de cargas. As raras paradas na cidade são próximas à oficina de reparos, reativado recentemente. Quanto à estação, a mesma foi tombada pelo Patrimônio Histórico em 18 de abril de 1982 e, desde então sofre com o completo abandono. Também, recentemente foi aprovado projeto de restauro da mesma, bem como da possibilidade de se implantar uma linha de trens turísticos de ida e volta até a cidade de Aparecida. A efetivação de tais projetos propiciaria à Cachoeira Paulista resgatar a maior parte de seu passado histórico e de sua identidade, quando um dia uniu duas importantes ferrovias do Império do Brasil e fez transportar o “rei-café”. 

                                                                                                          Eddy Carlos.

 

 

Referências bibliográficas.

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FEDERICI. Hilton. História de Cruzeiro. Volume II. (Da Instalação do Município-1873 – até a Transferência da Sede – 1901). Publicações da Academia Campinense de Letras. Campinas, 1978. 

FÉLIX, Sandra Regina (Org.). Cachoeira Paulista. Fé, História e Tradição. Editora Noovha América. São Paulo, 2005. 

LAPA, José Roberto do Amaral. A Economia Cafeeira. Coleção Tudo é História n° 72. Editora Brasiliense. 5° edição. São Paulo, 1993. 

RAMOS, Agostinho. Cachoeira Paulista. 1780-1970. 2 volumes. IHGSP. São Paulo, 1971. 

SOBRINHO, Alves Motta. A Civilização do Café. Editora Brasiliense. 3° edição. São Paulo, 1978. 

TOLEDO, BRANCATELLI e LOPES, Vera Vilhena de, Maria Odette e Helena. A Riqueza nos Trilhos. História das Ferrovias no Brasil. Coleção Desafios. Editora Moderna. São Paulo, 1998.

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