FONTE: www.monteirolobato.sp.gov.br
Antes da descoberta do ouro no sertão
dos Cataguases, o principal caminho para as minas, utilizado pelos bandeirantes
era o que partia das vilas de São Paulo, Mogi das Cruzes e Taubaté até a
“Garganta do Embaú” na Serra da Mantiqueira. Tal itinerário servia para as
expedições de preagem, tendo como principais vítimas da empreitada os índios
Puris. Com o início da atividade aurífera, o caminho ainda seria utilizado
pelos exploradores e comerciantes oriundos ou com destino ao planalto de
Piratininga e vilas do Vale do Paraíba como Guaratinguetá, Taubaté e Jacareí.
Com a instalação, pela Coroa portuguesa, de postos de fiscalização, conhecidos
como “registros” no principal acesso às minas, os aventureiros e
contrabandistas do precioso metal passaram a buscar rotas alternativas de fuga
da cobrança dos pesados tributos, pagos, inclusive quando adentravam a região
com mercadorias para o consumo dos mineiros. A primeira alternativa foi próximo
da atual cidade de Itajubá que durou pouco, devido ao fato de as autoridades
lusas instalarem um piquete de milicianos e o respectivo posto de controle, bem
ao “pé” da serra, no lado paulista. Esse posto ficou conhecido como o “Registro
de Itagyba” e após pertencer à Guaratinguetá e Lorena deu origem à atual cidade
de Piquete, emancipada em 1892. Os outros pontos de acesso mais conhecidos
foram o do Piagüí, Piracuama e o vale do Rio Buquira, além dos rios do “Peixe”
e das “Cobras”, em território anteriormente de Jacareí e, atualmente de São
José dos Campos. Focalizaremos, então, nossa análise no vale do Rio Buquira.
O mencionado rio é formado pela junção
de alguns ribeirões com o Rio Ferrão, tendo todas as suas vertentes nas
encostas da Serra da Mantiqueira. Após a junção, o Rio Buquira “percorre”
vários quilômetros até desembocar no Rio Paraíba, na altura do Município de São
José dos Campos. O nome, em tupi, significa “ribeirão dos pássaros” e foi próximo às nascentes que foram concedidas
sesmarias que, entre 1853 e 1858 contribuíram para formar um aglomerado urbano,
juntamente com a ereção de uma capela. Porém, para formar o patrimônio de tal
capela, Anna Martins da Rocha faz doação de uma área de 130 braças quadradas.
Para aumentar a área, cujo objetivo era também, formar uma freguesia, os
fazendeiros José Manoel Freire (que já possuía terras em Resende), Francisco
Alves Fagundes e Luciano José das Neves adquirem mais terras e, em seguida doam
as mesmas para a instalação da Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso do
Buquira, cujos limites integravam a Vila de Taubaté. Embora dependesse do aval
da igreja, a Freguesia teria sido criada a partir da atuação do Deputado
Provincial José Baptista Barata, segundo a análise de Geraldo Moacir Marcondes
Cabral. Obtendo autorização, tanto do poder público como do eclesiástico, a
freguesia é instalada no dia 25 de abril de 1857. Apesar de ostentar o nome de
“Buquira”, a referida freguesia aparece na ata da sessão ordinária da Câmara
Municipal de Taubaté, datada de 8 de outubro de 1857, como “Freguesia das
Estacas”. Deixando de lado o equívoco quanto ao nome, a nova Freguesia
(equivalente a Distrito) teve as suas divisas demarcadas da seguinte forma: ao
Norte, com São Bento do Sapucaí Mirim (então pertencente à Pindamonhangaba); ao
Sul com São José do Paraíba; a Leste, pelo platô inicial da Serra da
Mantiqueira e a Oeste com a Província de Minas Gerais, de acordo com a Lei
Provincial n°40 que criou a Freguesia do Buquira.
Entrementes, seguindo os trâmites
burocráticos da legislação imperial, a Câmara de Taubaté realiza o escrutínio
para o cargo de Juiz de Paz do Buquira em março de 1858. Foram escolhidos, respectivamente Antônio Salgado César como 1° Juiz, José dos Reis Ferraz, como 2° Juiz
e José Rodrigues Ferraz como 3° Juiz. Tais juízes se revezariam, cada um
cumprindo o mandato de um ano e substituindo o titular quando fosse necessário.
A maioria, no entanto, esquivava-se o máximo possível, de assumir o cargo,
devido à longa distância e de não ser renumerado. Para escaparem do “honrado”
ofício muitos alegavam doenças, o fato de residirem em outras vilas e, até
mesmo pobreza, embora possuíssem escravos. Ainda assim, bem ou mal, a Freguesia
do Buquira teve os seus juízes de Paz, a despeito de uma justificativa peculiar
para não assumir o posto, apresentada por Miguel Moreira César em 1862, o qual
apresentou um atestado médico afirmando que o mesmo era aleijado de ambos os
braços.
Todavia, na década de 60 do século XIX,
a Freguesia do Buquira trocou de “dono” duas vezes em menos de dois anos.
Originada em terras de Taubaté, conforme já citado, o povoado passou a
pertencer à Vila de Caçapava por força da Lei Provincial n° 46, de 17 de abril
de 1866. A segunda mudança ocorreu através da Lei n°11 de 8 de julho de 1867,
quando Buquira passa à esfera administrativa da Vila de São José do Paraíba
(São José dos Campos a partir de 1871). Em 1880, contudo, é criado o Município,
ou seja, a Vila de Buquira emancipando-se de São José dos Campos, através da Lei
Provincial n°149. Infelizmente não conseguimos para o presente artigo, os nomes
dos primeiros edis da Câmara Municipal
de Buquira. Mas, seguindo a análise de Geraldo Moacir Marcondes Cabral em obra
conceituada sobre Buquira, vemos que a partir do período republicano, durante a
Intendência, os vereadores de Buquira no ano de 1908 foram Vicente Savastano
Sobrinho, Ângelo Maria Auricchio, Fernando Sonnewend, Nicolau de Vitta, Manoel
Ozório Moreira e Paulino Monteiro de Sousa.
Como em qualquer cidade valeparaibana, a
freguesia e depois, Vila do Buquira teve como o forte da economia o cultivo
cafeeiro, tendo esgotado essa atividade
por volta de 1920, segundo Geraldo Cabral. A decadência econômica,
porém, era visível, inclusive nos círculos eclesiásticos. No ano de 1912, o
Bispo de Taubaté autoriza a venda, mediante recibo, de grande parte do
patrimônio religioso de Buquira, com o objetivo de angariar recursos para a reconstrução da Igreja matriz de Nossa
Senhora do Bom Sucesso. De acordo com Geraldo Cabral, até 1918 foram
comercializados 94 terrenos, resultando do percentual pago à Diocese, o líquido
de 5:781$700 (cinco contos, setecentos e oitenta e um mil e setecentos réis),
aplicados pelo Padre Antônio Manzi, nas obras da igreja. Aliás, o sacerdote em
questão, natural da Itália, ordenado padre em 1900, assumiu a paróquia de Buquira no dia 06 de janeiro de 1906,
permanecendo como vigário até a morte em 1960. Retornando as autoridades civis
de Buquira, vemos que no mesmo ano de 1912 era prefeito o Senhor Ângelo Maria
Auricchio, também descendente de italianos; entre 1917 e 1920 comandou o município o
Coronel Fernando Sonnewend, descendente de austríacos radicados em Buquira
desde antes da emancipação política e, deixando por sua vez inúmeros
descendentes. Em 1922 foi prefeito Lupércio da Costa Machado e, em 1927 Paulino
Monteiro de Sousa, já citado
anteriormente.
Após a vitória da Aliança Liberal na
Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas
ao Catete, os jogos da política mudam radicalmente. Com a instauração do
Governo Provisório (1930-1934), os governadores dos Estados passam a ser
indicados por Vargas e são chamados de interventores, ou seja, representam a
intervenção do Governo Federal nos Estados. Por sua vez, os interventores
passam a indicar os prefeitos das cidades, acabando com as eleições
temporariamente. Em Buquira foram prefeitos dessa forma Aristeu Ribeiro Rezende
em 1931 e Emygdio Pereira de Carvalho em 1933, o último da primeira fase
autonomista do Município de Buquira. Como o período de vigência do Governo
Vargas configurava com o da Grande Depressão (crise do sistema capitalista
iniciado em Nova York em 1929 e afetando quase todos os países, à exceção da União
Soviética, durante praticamente dez anos), é decretado pelo Governo Central,
que o Município que não atingisse a renda de 100:000$000 anuais, seria extinto,
sendo anexado à outro de condições econômicas e financeiras superiores. À
frente da interventoria do Estado de São Paulo, Armando de Sales Oliveira,
aplica logo o decreto federal e, no Vale do Paraíba, até onde conhecemos, dois municípios perdem sua autonomia; o Jataí, incorporado por Cachoeira Paulista no
governo de Agostinho Ramos e Buquira, por sua vez retornando à tutela de São
José dos Campos. No caso específico de Buquira, no dia 14 de junho de 1934,
quando o mesmo é rebaixado à condição de Distrito de São José dos Campos, o
procurador da extinta Câmara Municipal, Jaime Simões de Faria Lopes, passa a
exercer o cargo de subprefeito. Em julho de 1935 passa a ocupar o cargo de
Fiscal Arrecadador da Prefeitura de São José dos Campos em Buquira, agora mero
Distrito, Gustavo Sonnewend Filho. Quando foi anexado ao Município de São José
dos Campos, Buquira continha além da sede, os seguintes bairros: Gomes, Trabijú,
Matianda, Teixeiras, Souzas, Santa Maria, São Benedito, Pedra Branca, Rio do
Braço, Fabianos, Ferreiras, Farias, Vargem Alegre, Salto, Serrinha, Subúrbio,
Santa Cruz, Forros, etc. Algumas fazendas integravam o então ex-Município, como
Boa Esperança, Cafundó, Máchina Velha, Mossoró, Descoberto, Santa Laura, Santa
Maria, Santo Antônio, São José e Forros.
Entretanto, os municípios que, por força
de lei, incorporaram outros menores (no caso em estudo Buquira e, o Jataí),
também tiveram suas Câmaras Municipais fechadas durante o Governo Provisório em
1930 e no Estado Novo em 1937. Somente em 1945 com a derrota do Eixo na Europa
e os novos ventos “democratizantes”, o cenário político tendia a se alterar. No
Vale do Paraíba, somente o Jataí não reconquistou sua autonomia, tendo seu
território dividido com os municípios de Cachoeira Paulista e Cruzeiro,
permanecendo extinto até o presente momento. Com Buquira foi diferente; após
quase quinze anos sob a tutela de São José dos Campos conseguiu recuperar a
autonomia política em 1948 devido à forte campanha na Câmara joseense. Com o
fim do Estado Novo e a consequente redemocratização, os municípios readquiriram
as suas respectivas câmaras legislativas. Em 1° de janeiro de 1948 é empossada
em sessão solene a Câmara Municipal de São José dos Campos, a primeira, desde
1930. São empossados os seguintes vereadores: João Batista de Sousa Soares,
José Vieira de Macedo, Domingos Arsênio Janini, Alípio da Silva Viana, José
Priante Chaves, Rui Rodrigues Dória, Raul Ramos de Araújo, Benedito Davi, José
Alves da Silva, Manoel Pereira Costa, Elisário Guimarães, Pedro Davi, José
Gonçalves de Campos, José de Moura Candelária, Jorge Vieira da Silva e Caetano
Manzi Sobrinho (este representando o Distrito de Buquira).
A
partir de março de 1948, tem início os debates e discussões políticas pela
emancipação de Buquira, campanha levada a cabo pelo Vereador Caetano Manzi,
alegando que o então distrito estava abandonado pelo poder público joseense, o
qual por sua vez fazia-se representar somente quando iria efetuar a arrecadação
de impostos. A proposta, no entanto causou revolta de alguns setores políticos de São
José, incluindo um abaixo assinado dos moradores do Bairro do Taquari,
contrários à emancipação do Distrito, alegando a mutilação do território de São
José. De acordo com a análise de Geraldo Moacir Marcondes Cabral, na
sessão da Câmara de 17 de maio de 1948,
o Vereador Caetano Manzi, refuta os argumentos contrários, pois não se tratava
de “retalhamento do território joseense, como se insinuava no ofício, lembrando
que Buquira já tinha sido município, com território demarcado e, assim iria
volta ser município”. As discussões acaloradas se arrastam durante o ano, tendo
o Prefeito de São José dos Campos levado o caso para a Assembléia Legislativa.
Finalmente, no dia 24 de dezembro de 1948, com a Lei n° 233 do Governo do
Estado de São Paulo, sancionada por Adhemar de Barros, o Distrito de Buquira é
desmembrado de São José dos Campos, retornando à condição de Município, agora
com o nome de Monteiro Lobato. A emancipação foi uma vitória para Caetano
Manzi, arauto da autonomia política de Buquira e, sendo assim, o mesmo renuncia
ao mandato na Câmara de São José para assumir a presidência da nova Casa
Legislativa de Buquira. Quase ao mesmo tempo, renuncia também o Prefeito de São
José dos Campos, Antenor Nascimento Filho, opositor da emancipação,
considerando-se humilhado pelo episódio e, sendo substituído por Elmano
Ferreira Veloso.
Todavia, a luta pelo retorno à situação
pré-1934 não foi travada somente pelo Vereador Caetano Manzi. No então Distrito
foi formada uma comissão
“Pró-Emancipação Político-Administrativa”, integrada pelo referido vereador e
alguns cidadãos como Abílio Pereira Dias, Generoso Auricchio, Alexandre de
Campos, Álvaro Rodrigues, Benedito Monteiro do Prado, Benedito Rodrigues,
Pietro Datti, Miguel Eras, Luiz Paulo Laray, André Caetano de Vita, Miguel Amin
Rachid, Fernando Sonnewend Filho, Gustavo Sonnewend Filho, José Cauby de
Oliveira, José Pereira da Rosa, José Francisco Teixeira, Avelino Luiz Moreira e
Alberto Chacur, autor da proposta de mudança de nome do futuro município. Tal
mudança foi justificada pelo fato de o escritor taubateano José Bento Monteiro
Lobato ter residido em Buquira no início do século XX, na fazenda que
pertencera ao seu avô materno, José Francisco Monteiro, o Visconde de Tremembé.
Nessa fazenda, o escritor teria elaborado grande parte de suas obras literárias
como os livros “Urupês”, “Cidades Mortas”, etc. Existe uma grande celeuma
quanto a essa fazenda, localizada próximo à estrada Monteiro Lobato-Caçapava.
Para alguns o nome original é Fazenda Buquira; para outros, Fazenda do Visconde
e, para outros ainda é nessa fazenda que se localiza o famoso Sítio do Pica-Pau
Amarelo.
Retornando ao cenário político,
observemos que no dia 2 de abril de 1949, realiza-se a solenidade de instalação
da Câmara Municipal de Monteiro Lobato com a posse dos vereadores e do primeiro
prefeito da cidade de Fernando Sonnewend Filho. O novo município, entretanto,
manteve os laços econômicos com São José dos Campos, dependendo durante longo
tempo de serviços essenciais, da cidade da qual se separara e de convênios com
o Governo do Estado. A análise de Nice Lecocq Müller revela bem a situação da
cidade no ano de 1960, quando a população urbana somava 468 indivíduos ao passo
a rural totalizava 3.332 pessoas. Porém, ao longo das décadas, a cidade vai se
modernizando e se desenvolvendo no setor de educação, saúde, habitação,
saneamento básico, principalmente entre o final da década de 1980 e o início da
de 1990. Contudo, tal desenvolvimento se realiza sem a cidade romper com o seu
passado histórico. Atualmente, até mesmo empresas de pequeno e médio porte
estão instaladas em Monteiro Lobato, atraídas por incentivos fiscais e,
proporcionando uma alternativa para os jovens lobatenses ingressarem no mercado
de trabalho, sem terem que deixar a
cidade. A bucólica e pitoresca Monteiro Lobato, também é um atrativo turístico. Vale a pena
conhecê-la, bem como seus casarões e armazéns, além da citada Igreja Matriz de
Nossa Senhora do Bom Sucesso. A visita propicia uma viagem no tempo, vislumbrando
o passado da antiga Buquira, ou do “Ribeirão dos Pássaros”. Um grande abraço e
até a próxima.
Eddy
Carlos.
Dicas para consulta.
CABRAL, Geraldo Moacir Marcondes. História do Município de Monteiro Lobato (Ex-Buquira). Gráfica
Barthô. São José dos Campos, 1992.
JÚNIOR, Agê. São José
dos Campos e sua História. Oficinas Off Set Cópia Ltda. São Paulo, 1977.
MAIA e HOLANDA. Tom e Sérgio Buarque de. Vale do Paraíba. Velhas Fazendas. Companhia Editora Nacional. São
Paulo, 1976.
MÜLLER, Nice Lecocq. O
Fato Urbano na Bacia do Rio Paraíba-São Paulo. Fundação IBGE. Rio de
Janeiro, 1969.
E-mail: eddycarlos6@gmail.com
Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br
Muito interessante essa história do município do Buquira, hoje Monteiro Lobato.
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