Imagem aérea parcial de São José dos Campos; ao centro o Sanatório Vicentina Aranha.
FONTE: Arquivo Público Municipal.
Desde tempos remotos a humanidade
tem convivido com as mais variedades formas e tipos de doenças, principalmente as
contagiosas. Em muitos casos, as moléstias eram consideradas, já nos tempos
antigos, como castigo ou punição divina. Nos tempos bíblicos, a doença mais
temida era a lepra, conhecida atualmente pelo nome de hanseníase. Os Evangelhos
mencionam diversas passagens contendo leprosos como participantes ou
protagonistas dos sofrimentos e segregação à que estavam sujeitos. Na Judéia,
ocupada pelos romanos, os habitantes seguiam a Lei de Moisés, a qual determinava
que em caso de doenças contagiosas, os enfermos teriam de ser expulsos das
cidades e aldeias fortificadas. A lepra é citada, por exemplo, no Antigo Testamento,
quando é descrito o episódio de Naamã, general arameu, que teria sido curado ao
se banhar sete vezes no Rio Jordão, seguindo a orientação do profeta Eliseu. A
mencionada doença, porém, não fazia distinção de classe ou status social, sendo
por isso considerada a doença mais temida da época. Por outro lado, na Europa
medieval entre 1347 e 1349, a Peste Negra ceifou aproximadamente um terço da população.
O flagelo foi tão virulento que chegou a interromper durante certo tempo as
hostilidades entre a França e a Inglaterra na Guerra dos Cem Anos (1346–1453).
Da mesma forma que a lepra, igualmente ativa na Idade
Média, a peste tem suas causas na falta de higiene e ambas eram relacionadas
como consequência dos pecados da humanidade. Assim, a epidemia era considerada
uma punição de Deus contra os pecadores.
Com a conquista e dominação ibérica no continente
americano, os europeus trouxeram, além da cruz e da espada, diversas doenças
contagiosas desconhecidas pelos indígenas como a gripe, o sarampo e a varíola,
por exemplo. Sem a imunidade no organismo para tais enfermidades, as mesmas
causaram enorme mortalidade entre os ameríndios nos séculos XVI e XVII. De
acordo com a análise do historiador Cláudio Bertolli Filho, o processo “de
conquista e ocupação do Novo Mundo construiu-se enquanto momento traumático,
onde a presença europeia e africana resultou na imposição de novas e mortais
enfermidades à população autóctone da América”. Para o autor, as doenças
importadas causaram mortes em massa entre os índios, mais do que as armas e
maus tratos, tendo sido então, “o principal fator que viabilizou o triunfo da
colonização e também da desorganização das estruturas tribais”. Entre o final
do século XVIII e o inicio do XIX, as doenças infectocontagiosas ainda
castigavam de forma avassaladora os silvícolas, sendo que a enfermidade mais
comum seria a sífilis, disseminada por brancos, negros e mamelucos, somada ao
uso excessivo de bebidas alcoólicas. Em viagem pela Capitania de São Paulo,
passando pelo Vale do Paraíba no
ano de 1817, os naturalistas alemães Johann Baptist von Spix e Carl Friederich
Phillip von Martius, relataram os Guaianases como marcados pelo fealdade e
degeneração moral, causadas pelas doenças. Outros viajantes, como Auguste Cesar Provençal de Saint-Hilaire,
também relataram cenas de epidemias, onde homens e mulheres aparecem com sinais
da cirrose hepática e do bócio.
Ao longo do período colonial, a população valeparaibana
(incluindo senhores, escravos e indígenas) sofreu com patologias como a sarna,
bicheira, lombrigas, escorbuto, bouba, hidropisia, sarampo, além da própria
lepra, já mencionada. Para Cláudio Bertolli, além da sífilis, haviam outras
doenças transmitidas sexualmente, como o cancro e a blenorragia. Outra doença
que castigava os habitantes era a corrupção, também identificada como sendo a
diarreia, a qual não havendo controle pode levar à morte, devido à
desidratação. Nos tempos coloniais, a então colônia lusitana, carente de
recursos, sofria constantemente com a diarreia, sendo que a mesma, ao piorar o
estado de saúde da vitima, somente era estancada à base do saca-trapo, de uso comum
até a Guerra do Paraguai. Tal método consistia em introduzir no reto do convalescente
um bastão com algodão contendo pólvora, pimenta e tabaco. Caso contrário, o
paciente viria à óbito, devido à gravidade da moléstia. No século XIX, o Vale
do Paraíba seria atingido por uma nova onda de epidemias, como a lepra, novamente o
chamado “mal de São Lázaro e a varíola, também conhecida como o mal das
bexigas”. No caso da primeira, Bertolli Filho afirma que a população valeparaibana,
principalmente agregados e escravos mantinham o hábito de dormir no chão,
direto e sem proteção para a pele. O autor salienta também que as condições materiais
e os parcos recursos dos desvalidos propiciavam “o surgimento de outras
enfermidades que eram confundidas com a lepra, dentre elas o pênfigo foliáceo (fogo
selvagem), o piao ou o puru-puru (dermatose comum entre os indígenas), a
filariose de origem africana (elefantíase), casos avançados de escabiose
(sarna)” e ainda, as já citadas doenças venéreas. Sendo assim, em um censo
organizado pelo Governo da Província de São Paulo em 1820, o Vale do Paraíba
foi apontado como tendo 65,8% dos morféticos, totalizando 371 casos de doença.
Desses, 92 doentes eram de Taubaté. A partir do referido censo, as autoridades
provinciais passaram a construir lazaretos para abrigar os enfermos que eram
expulsos dos centos urbanos, assim como já ocorria nos tempos antigos. A
varíola, por sua vez, grassou no território valeparaibano desde meados do
século XVIII, tendo nas Vilas de Taubaté e Guaratinguetá, seus centros
irradiadores, junto com Santos e São Paulo. Da mesma forma que a lepra, os
variolosos ou bexiguentos eram excluídos do contato das áreas urbanas, devido
ao temor do contágio, apesar de o Conselho Ultramarino nunca ter ordenado tal
medida. Novamente, segundo Cláudio Bertolli, as autoridades decidiram realizar
uma campanha antivariólica no Vale do Paraíba, o qual “foi uma das áreas mais
insistentemente vistoriada (...), tornando-se cenário de seguidas intervenções
reguladoras dos comportamentos coletivos que visam a regeneração moral da
população, com o intuito de impor a toda gente os então denominados deveres
civilizados”. Consequentemente, na Vila de Taubaté, por exemplo, alguns habitantes
foram punidos com alguns dias na cadeia, por se entregarem à danças escandalosas,
o mesmo ocorrendo com alguns vadios e libertinos de Areias, São Luiz do
Paraitinga e Ubatuba.
Entretanto, apesar de relacionar as causas das doenças
infecciosas com pecados, vícios, e degeneração moral da população, sobretudo
dos excluídos, a questão higiênica passa a ser abordada em fins do século XIX.
No Rio de Janeiro, capital do Império e depois da República, o esgoto “corria”
a céu aberto, contendo vários tipos de sujeira como excrementos e carcaças de
animais mortos que não eram removidas. Além disso, as pessoas tinham o hábito
de lançarem pelas janelas das casas os conteúdos dos urinóis – tanto liquido
como sólido – atirando-os nas vias públicas, prática que seria proibida pelas
autoridades. Segundo a análise de Ana Maria Santos Sousa e Luiz Laerte Soares,
os excrementos humanos também “eram esgotados nos urinóis, que abasteciam os
tigres, e depois, lançados nos quintais, nos rios ou no mar”. Sendo assim no início
do século XX, a capital federal passaria, por um intenso processo de
remodelação e urbanização, empreendido pelo Prefeito Pereira Passos. Segundo
Ana Maria Sousa e Luiz Laerte Soares, o saneamento e embelezamento da urbe carioca
contaram com o autoritarismo do Estado, onde as “interferências autoritárias e segregadoras
(...) aguardam estreitas similaridades com as intervenções urbanísticas aplicadas
nas metrópoles européias (...). A população pobre significava perigo e
constituía o foco ideal para espalhar as doenças a serem combatidas”. Em 1905,
como símbolo do progresso e da modernidade é inaugurada a Avenida Central no
Rio de Janeiro.
Porém, o Vale do Paraíba ainda iria conhecer outra
epidemia mortífera entre o final do século XIX e o inicio do século XX, durante
até mais ou menos a década de 1950. A “nova” enfermidade atacava suas vítimas
através dos pulmões e, na ampla maioria das vezes levava o doente à morte.
Segundo a análise do médico Douglas Carlyle Belculfiné, nas ultimas décadas do
oitocentos, no Velho Mundo, os cientistas buscavam avançar nos estudos de doenças
infectocontagiosas, “principalmente da
tuberculose que ceifava a vida de milhões de pessoas por ano. Era incessante a
busca pelo agente causador de doenças,
assim como o medicamento que pudessem por fim ao sofrimento dos enfermos”. De
acordo com o médico tisiologista, no ano de 1859, com os trabalhos de Brehmer,
chegou-se ao conceito de tratamento climático em locais de altitudes elevadas,
onde o bacilo não iria resistir às baixas porcentagens de oxigênio, tese
contestada pelo seu paciente e assistente Deitweiller, segundo o qual apenas o
repouso ao ar livre era suficiente. No ano de 1882, o médico e bacteriologista
alemão Robert Koch anunciou a descoberta do bacilo Mycobacterium tuberculosis,
causador da doença denominada tuberculose, também chamada de tísica. A partir
de então, o causador da enfermidade ficou conhecido como “Bacilo de Koch”. A moléstia
se caracterizava por lesões nos pulmões, oriundos pela formação de granulomas
chamadas tubérculos; os principais sintomas são: o emagrecimento, perda de
apetite, tosse, expectoração contendo sangue, suores noturnos e febre no
período da tarde.
Por volta de 1881, o médico tisiólogo Clemente Ferreira
elogiava, no Rio de Janeiro, as condições de São José dos Campos e Campos de
Jordão, então parte integrante de São Bento do Sapucaí, como benéficas para o
tratamento da doença. Dessa forma, ambas as localidades passaram a ser
procuradas por levas de doentes do peito de várias partes do Brasil, em especial
do Rio de Janeiro e São Paulo. Com a construção da ferrovia que ligaria
Pindamonhangaba a Campos do Jordão, o transporte pareceria assegurado aos
enfermos ansiosos pela cura. Mas os que se utilizavam do assim chamado “ trem
dos tuberculosos”, ainda que doentes, eram os que dispunham de amplos recursos
financeiros, ao posso que os desprovidos de tais recursos eram abandonados à própria sorte. Nas
palavras de Douglas Carlyle Belculfiné o que acontecia geralmente, “é que
muitos desses doentes, ao apartarem na estação ferroviária de Pindamonhangaba,
eram encaminhados para São José dos Campos, não permitindo mesmo que eles
chegassem a subir a serra para Campos de Jordão”. Outras possibilidades podem
ter ocorrido para a preferência por São José dos Campos, como o fato de se localizar
às margens da principal ferrovia do pais, no meio do caminho entre Rio de
Janeiro e São Paulo, bem como da inauguração, na década de 1920, da Rodovia
Washington Luís, também ligando as duas principais cidades (Estrada Velha Rio-São
Paulo). Havia também o fato da chegada do médico tisiologista Mário Nunes Galvão
a São José dos Campos, ele próprio enfermo, que buscando a cura restabeleceu a saúde,
fixou residência na cidade e tornou-se referência no tratamento da moléstia.
Outros médicos chegaram a cidade como Fritz Jacobs e José de Asprer Garcia,
sucedendo ao italiano Giovanni Guglielmino (João Guilhermino), este o primeiro
a fixar residência em São José dos Campos no ano de 1876, junto com Mario
Galvão viriam também na década de 1910, Gaspar Barbosa de Rezende e Nelson
Silveira D’Ávila, também enfermos que obtiveram a cura e marcaram a historia de
São José.
Os infectados impedidos
de irem a Campos de Jordão, como afirmado, rumavam para São José dos Campos; ao
desembarcarem dos trens eram alojados em hotéis, pensões e até em casas
particulares, cujos proprietários cediam pelo menos um cômodo para os
contaminados. Alguns faleciam no mesmo dia da chegada. Mesmo com a procura,
faltavam condições mínimas como infraestrutura e profissionais de saúde. Como entre
os doentes estavam, médicos, aos quais fizemos referência, os mesmos apesar de
serem, segundo Douglas Carlyle, em números reduzidos, “exerceram um papel muito
importante nesse período da história”. Dispondo de poucos recursos, exerceram
um trabalho desgastante e, pela convivência constante com seus pacientes,
estabeleceu-se uma integração forte, tornando-os idolatrados pela causa que
abraçaram. Trataram e conseguiram salvar a vida, nem sempre é claro, de muitos
tuberculosos e, constantemente atendiam doentes sem condições financeiras para
o tratamento e, nem por isso os abandonavam. Através desse grupo de tisiólogos,
começou a crescer em São José dos Campos, a ideia da necessidade de se
construírem sanatórios para aprimorar o atendimento aos portadores do bacilo de
Koch. A primeira tentativa em 1911, porém, não logrou êxito; José Bento
Monteiro Lobato firmou contato com a Prefeitura e Câmara Municipal de São José
dos Campos e o Governo do Estado para a construção de um sanatório. O projeto
não vingou porque as autoridades estaduais consideraram-no oneroso demais.
No entanto, no ano de 1914, por iniciativa de Vicentina de Queirós Aranha, esposa do Senador Olavo Egídio,
teve inicio a campanha para a construção de um sanatório em São José dos Campos.
Lançada na cidade de São Paulo, a campanha de Vicentina teve a ajuda da Câmara Municipal
paulistana, que vota e aprova uma verba de 100:000$000 (cem contos de réis), dobrada por outra do Governo
Federal, auxiliada ainda pelos comerciantes paulistanos em 390:000$000, numa
etapa e 123:000$000 em outra. Para não ficar de fora, a Câmara de São José
entra com a soma de 3:000$000. A incentivadora falece prematuramente, mas a sua
iniciativa continua; em uma chácara de 435.724m², adquirida de Maria Carolina
Schuvenck de Magalhães, que chegava até o Ribeirão da Vidoca, é inaugurada no
dia 27 de abril de 1924, o Sanatório Vicentina Aranha. O sanatório, de
propriedade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, teve o seu projeto
elaborado pelo arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo e pelo engenheiro
civil Arnaldo Vieira de Carvalho. Segundo a análise da Arquiteta Tânia
Bittencourt, o Sanatório Vicentina Aranha foi reconhecido como sendo o mais
completo, contendo o melhor arranjo espacial; “apontado como um dos maiores da
América Latina, configura-se como a obra mais importante do período denominado
fase sanatorial, e que, além do padrão de serviço oferecido, serviu com referência
obrigatória para outras edificações, no município com finalidades idênticas”.
Todavia,
se por um lado, o Sanatório Vicentina Aranha despertava temor de uma invasão de
tuberculosos, como informou o Correio Joseense em sua edição nº 208, de 27 de abril de1924,
apesar de contemporizar que o sanatório contaria com “doentes de classe,
aqueles que pagam a sua estadia sem regatear preço,
de modo que os pobres ingressarão em quantidade infinitamente menor”, citado
por Augusto Dias; por outro mostrava o seu lado elitista, segundo a opinião de
Altino Bondesan. O ilustre advogado e escritor, também ex-tísico, tendo vindo
para São José dos Campos em 1935 e obtido a cura, afirma em obra conceituada
que doente “rico ou remediado ia para sanatório. Doente modesto ia para as
pensões sanatoriais. Os mais pobres formavam repúblicas. As casas eram baratas,
não havia dificuldades em conseguir uma, em plena avenida 24 de outubro (atual
Avenida Dr. Nelson D’ Ávila), onde o prefeito Dória mandava plantar cedrinhos,
em canteiros centrais”. Apesar das presença de sanatórios, algumas pensões
ainda eram dignas de menção como a carioca, de propriedade de Frediano Bianchi;
São João, de José Matarazzo; Dom Bosco, de Renato Fonseca; a de José Taddei, a
de Emanuel Rosemberg, a Romon Ovalle, a
de Elvira Chiocchi; a São José cujo proprietário era João Muzacco; a São Geraldo, etc.
Nesse ínterim, apesar da afirmação de
Altino Bondesan, de que o tuberculoso era bem aceito na sociedade joseense, o
fato é que havia casos de discriminação e preconceito. Por exemplo, os
forasteiros passaram a ser vistos como portadores de bacilo de Koch, sendo
evitados quando se aproximavam de pessoas sãs. Quando algum doente (ou suspeito
de ser doente) visitava alguém, o anfitrião tratava de separar talheres, copos
e pratos, devido ao temor do contágio da moléstia. Mesmo assim, a presença dos
infectados em São José dos Campos alavancava a economia da cidade. Como
consequência, o Prefeito Rui Rodrigues Dória afirmou que São José dos Campos
não precisava de indústrias e máquinas, pois isso era para Jacareí e Taubaté. A cidade
precisava então de doentes, pois isso era a indústria de que São José
necessitava. Ainda assim, a tuberculose era relacionada ao pecado e a vida desregrada.
Da mesma maneira que as outras doenças mencionadas no presente artigo, citando
o Boletim Médico de 1934, Nara Rúbia Martins, Carlos Eduardo de Quadro, Suele
França Costa e Valéria Zanetti afirmam que ao mesmo tempo em que o referido
Boletim “retratava a tísica como um mal social, cujo cerne da propagação era a miséria
da população, também se afirmava que a doença era fruto, sobretudo da imoralidade
do próprio individuo infectado”. No ano
de 1935, a cidade de São José dos Campos é transformada em Estância Climática,
através do decreto nº. 7.007, assinado por Armando Salles de Oliveira,
Interventor Federal no Estado de São Paulo. Isso possibilitava a São José
receber maiores investimentos por parte do governo estadual. Segundo Vitor
Chuster, “a possibilidade de reforçar a receita do município era uma luz ao final
do túnel, claro que isso nos custou a autonomia, Prefeito seria indicação do
Governo do Estado. Também em 1935 é inaugurado o Pavilhão de Hygiene, destinado
à desinfecção
e
esterilização de objetivos de uso de tuberculosos como também à lavagens de
roupas”, segundo Chuster.
Na realidade, o que se implantou em São José
dos Campos foi a “Indústria da Tuberculose”, pois de acordo com o depoimento de Altino Bondesan, em um determinado momento os enfermos passam a marcar
a tônica na vida cotidiana na cidade. Na opinião do advogado e escritor, com a
debilidade dos infectados “vinha a potência financeira da cidade. De sua
presença se beneficiava a prefeitura de um orçamento duplo, o que arrecadava normalmente
e o que lhe vinha do Estado”, após advento da Estância Climatérica e
Hidromineral. Para atrair os enfermos e justificar a fama da cidade, propagou-se
a ideia de que o local possuía “bons ares” para a cura da moléstia algo
divulgado desde os fins do século XIX. Sendo assim, após a inauguração do “Vicentina
Aranha”, outros sanatórios surgiriam, como a “Vila Samaritana” inaugurada em
1929, localizado na Rua Paraibuna, atualmente preservado e funcionando com
Colégio Técnico de uma instituição de ensino; o Sanatório Maria Imaculada, inaugurado em 1935, localizado na Rua Major Antônio Domingues, funcionando como
hospital geriátrico; o Sanatório Ruy Dória, inaugurado em 1934, a partir da pensão São Geraldo localizada na Rua
Vilaça, atualmente demolido; o Sanatório São José, inaugurado em 1946 e
localizado na Rua Paraibuna, demolido em 1983; o Sanatório Antoninho da Rocha
Marmo, localizado na Avenida Heitor Villa-Lobos, inaugurado em 1952, funcionando
atualmente como creche. A comunidade judaica, por sua vez construiu em
sanatório exclusivo para seus membros; inaugurado em 1936 o Sanatório Ezra
localizava-se, onde atualmente está o Parque Municipal Santos Dumont. Houve
outros projetos de construção de sanatórios que não se concretizaram, como o Sanatório
Penitenciária, o Sanatório do Sindicato dos Trabalhadores do Teatro, etc.
No
entanto, para facilitar o empreendimento das construções de sanatórios a Prefeitura,
divide a cidade de São José dos Campos, no ano de 1938 em quatro zonas
administrativas: a Zona Comercial, a Residencial, a Sanatorial (já delimitada
em 1932) e a Industrial. A contradição existente é que se procurava isolar
os tuberculosos e ao mesmo tempo
necessitavam de sua presença, pois isso trazia alta receita para o município.
No auge da fase sanatorial, tanto São José dos Campos, como Campos do Jordão
lucravam com a tísica, recebendo ambas, a alcunha de “tisiópolis”. A
possibilidade de cura era um mero detalhe, uma vez que a alta taxa de
mortalidade entre os enfermos significava alta taxa de lucro para as funerárias,
outro setor a lucrar com o bacilo de Koch.
Contudo,
após a inauguração da Rodovia Presidente Dutra, a instalação de grandes indústrias,
redirecionou os rumos econômicos de São José dos Campos. Com o desenvolvimento
de novas técnicas de tratamento, de medicamentos eficazes, além da cirurgia
torácica, a fase dos micuins entra em declínio. A maioria dos sanatórios e pensões
foram fechados e demolidos, outros se transformam em hospitais geriátricos, dentre
eles o Vicentina Aranha e o Maria Imaculada, como afirmado anteriormente. São
José dos Campos entra com tudo na nova fase, a da industrialização e da
tecnologia, tentando, porém, apagar a memória do passado dos micuins . Um fato
sintomático é o caso do Sanatório Vicentina Aranha, que mobilizou a opinião pública
da cidade, evitando uma eventual demolição. Após a fase sanatorial, passou a atender idosos convalescentes até o
inicio do atual século; desativado, o poder público municipal adquiriu todo o
complexo da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, por volta de 2006, com a
intenção de demoli-lo, segundo reportagem veiculada por um importante jornal
regional. Devido às pressões exercidas, as autoridades recuaram e o primeiro
sanatório da cidade está em projeto de
restauração e seu entorno no centro urbano foi transformado em parque. Isso
pode possibilitar que a memória da fase sanatorial deva ser preservada, como
qualquer parte da história, para que possamos conhecer o sofrimento e o descaso
que nossos antepassados sentiram. Principalmente,
os doentes do peito que, acalentados pela falsa imagem dos “bons ares” e “climas
benéficos”, mesmo sem recursos, almejavam a cura para a preservação da vida.
Alguns obtiveram o restabelecimento da saúde, mas muitos foram os que
sucumbiram à tísica. Até a próxima.
Eddy Carlos.
Dicas para consultas.
BERTOLLI FILHO, Cláudio.
Vale do Paraíba: Saúde e Sociedade
(1750-1822). UNIVAP. São José dos Campos, 1995.
BITTENCOURT, Tânia. Arquitetura Sanatorial. Unidos Artes Gráficas.
São José dos Campos, 1967.
BONDESAN, ALTINO. São José em Quatro Tempos. Bentivegna.
São José dos Campos, 1967.
DIAS, Augusto. Um tempo na vida em São José dos Campos.
JAC Editora. São José dos Campos, 2000.
PAPALI e ZANETTI, Maria
Aparecida e Valéria (Orgs.). São José
dos Campos. História e Cidade. 5
Volumes. São José dos Campos, 2008, 2009 e 2010.
SOUSA E SOARES, Ana
Maria Santa e Luiz Laerte. Modernidade e
Urbanismo Sanitário; São José dos
Campos. Papercron. São José dos Campos, 2002.
E-mail: eddycarlos@ymail.com
Texto, muito bacana e esclarecer de forma simples consegue dar um panorama bem realístico sobre o crescimento da cidade e de uma forma dificilmente abordada. Parabéns ao autor.
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