segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

A Fábrica Presidente Vargas.

          Portal da Fábrica Presidente Vargas, sem data.

   FONTE: capturado da internet. 


               Apesar de vitorioso na Guerra do Paraguai (1864-1870), o Exército Imperial do Brasil carecia, desde o início do conflito, de equipamentos de qualidade e efetivos bem treinados. Em uma guerra, prevista pela Tríplice Aliança para durar seis meses, os exércitos aliados “suaram” durante seis anos para vencer os paraguaios, e comeram o pão que o Diabo “amassou”, crentes em sua “superioridade”. As próprias contradições no Império levaram a uma situação, que mesmo vencendo a guerra, o país saíra enfraquecido economicamente. Sempre dependendo de investimentos estrangeiros (até hoje), o Governo Imperial atravessava uma séria crise financeira já em 1864; para tentar resolver a situação recorria à empréstimos com banqueiros ingleses. Na prática “despia” um santo para “vestir” outro, pois os juros exorbitantes faziam travar o desenvolvimento em um país marcado pelo estigma da escravidão. Segundo a análise de Júlio José Chiavenatto, enquanto que o Paraguai já possuía um parque industrial bem estruturado, seus vizinhos importavam tudo o que precisavam. Chiavenatto faz menção à Fundição de Ybicuí, pois “enquanto Brasil e Argentina importavam ‘bebidas espirituosas’ e desde o alfinete e botão para roupas até colheres e utensílios domésticos, no Paraguai a Fundição de Ferro de Ybicuí fundia uma tonelada de metal em cada vinte e quatro horas”. Isso se refletia no setor bélico, onde principalmente o Brasil comprava equipamentos militares de países europeus. Em sua maioria, armamentos obsoletos, obviamente.
                   O fim do conflito resultou em ganhos territoriais para Argentina e Brasil, e nada para o Uruguai; já o Paraguai foi totalmente destroçado, no que foi caracterizada como uma guerra de extermínio. Para Chiavenatto, o único vencedor foi a Inglaterra, que além de garantir a entrada de seus produtos no Paraguai, derrotado, ocupado e humilhado, lucrou e muito, vendendo armas e munições; e também emprestando dinheiro, principalmente para o Brasil. Porém, no caso específico, o Exército volta dos campos de batalha com outras ideias e convicções políticas, principalmente os ideais republicanos, conscientizado de sua importância no jogo político da nação. Um fato significativo da mudança, foi a recusa, pelo Exército, de perseguir escravos fugidos, tarefa considerada desonrosa e, portanto, reservada aos capitães-do-mato. Em 1883, a Questão Militar iria mostrar a insatisfação de parte da oficialidade, com os rumos da política do Império, que sempre prestigiou a Armada (Marinha). Mesmo contornando o episódio, o Governo Imperial perde um de seus sustentáculos, que junto com outros fatores, é deposto pelo Exército no dia 15 de novembro de 1889.
                   No entanto, a República, nascida de um golpe militar, não atende aos anseios de grande parte da população. Mesmo contando ainda com a insatisfação de alguns oficiais, agora contra o Governo Republicano, o Exército é utilizado para reprimir manifestações e revoltas contra à nova ordem. É o caso das duas revoltas da Armada (1891 e 1893); Revolta Federalista (1983-1894); Guerra de Canudos (1896-1897). Embora vitoriosos os comandantes militares reclamavam da falta constante de investimentos em armas, munições e treinamentos necessários. Mesmo estando sob administração republicana, a estrutura do Exército ainda era considerada arcaica, oriunda dos tempos monárquicos. Isso contribuía para a inoperância da instituição, refletindo a ausência de contato entre oficiais e a tropa, além da manutenção do estilo de vida vigente nos quartéis. Diante desse quadro pessimista, o Marechal Hermes da Fonseca, Ministro da Guerra do Presidente Afonso Pena, propõe em 1908, a modernização do Exército. Nessa proposta estava incluída, entre outras coisas, a instrução militar nos colégios secundários, a reorganização dos batalhões em todo o país, a isenção dos privilégios no recrutamento e a construção de fábricas de pólvora. A situação era caótica para o Exército, pois enquanto ainda arrastava em 1908, a herança pesada e ultrapassada das origens monárquicas, a Força Pública do Estado de São Paulo, estava no mesmo ano, muito mais bem armada e treinada.
               Contudo, a modernização das Forças Armadas teria se iniciado um pouco antes. Segundo a análise do Coronel Wanderley Gomes Sardinha e Saulo Caetano da Silva, foi já no governo de Campos Salles que tal teve início. Através do Ministro da Guerra desse governo, Marechal João Nepomuceno de Medeiros Mallet, foi desenvolvido um projeto renovador no Exército. Entre outras medidas foi incluída, “a construção de uma fábrica de pólvora e explosivos. Foi nomeada então, em 16 de janeiro de 1901, por Aviso do Ministério da Guerra, a Comissão encarregada de proceder aos estudos necessários para escolha de uma área para a instalação da Fábrica de Pólvora”. Segundo relato do Capitão Jacy Eleotério da Costa, esse projeto visava livrar o Brasil de ter de continuar importando “explosivos e munições, tão necessários à sua soberania e defesa, o que onerava grandemente”. Por isso, a ideia de se construir “uma fábrica de pólvora e explosivos no país, que seria a primeira no Brasil”. Ao tomar conhecimento dos planos do governo, Francisco de Paula Vicente de Azevedo, o Barão da Bocaína, membro da elite do Município de Lorena, decidiu fazer algumas articulações políticas. Estando no Rio de janeiro, procurou o Marechal Mallet e cedeu ao governo terras que possuía na região de São Francisco dos Campos, para a construção de um Sanatório Militar. Com o aval das autoridades militares, o Marechal e comitiva visitam a região entre Lorena e Piquete, no dia 11 de janeiro de 1902. A comitiva segue para Lavrinhas, no alto da Serra da Mantiqueira (não confundir com a cidade do mesmo nome entre Cruzeiro e Queluz), onde é escolhido o lugar para o sanatório. No mesmo dia é escolhida a Fazenda Bemfica (também ofertada pelo Barão da Bocaína), para a construção da fábrica. Na opinião de Wanderley Sardinha e Saulo Caetano, a escolha dessa fazenda em terras piquetenses, “atendia às exigências estratégicas no campo da segurança, devido á sua topografia, e no técnico, pelos seus recursos naturais”. Fazia parte dos planos do Marechal Mallet também, a construção de um ramal férreo que ligasse a Estrada de Ferro Central do Brasil a Bemfica.
                 Entretanto, durante o governo de Rodrigues Alves, o novo Ministro da Guerra, Marechal Francisco de Paula Argollo, mesmo seguindo os planos de seu antecessor, recusou a oferta da Fazenda Bemfica. De acordo com o relato do Capitão Jacy Eleotério, em julho de 1905, o Governo Federal adquiriu outras fazendas: Sertão, de 600 alqueires, por 50:000$000 (cinquenta contos de réis); Limeira, de 49 alqueires, por 70:000$000; e Estrela do Norte, de 260 alqueires, por 90:000$000. Essa última destaca-se entre as demais, porque teve como primeiro proprietário, o Comendador Custódio José Vieira da Silva, nascido no dia 15 de maio de 1842 em Itajubá. Era filho do Tenente Francisco Vieira da Silva e Domiciana Umbelina da Silva. O Comendador se casou no dia 05 de março de 1867, com Henriqueta Augusta Monteiro, nascida em 05 de agosto de 1852, filha do Tenente Francisco José Monteiro de Sousa e Maria Gertrudes de Oliveira. Essa era filha do Visconde de Guaratinguetá, Francisco de Assis e Oliveira Borges, e de sua primeira esposa, Ana Silvéria Umbelina do Espírito Santo. O Comendador Custódio foi eleitor geral da Vila de Lorena, dignatário da Ordem da Rosa, oficial da Guarda Nacional e o primeiro Intendente (prefeito) de Piquete, quando este se emancipou de Lorena em 1891; faleceu no dia 21 de junho de 1895. Do casamento com Henriqueta resultaram seis filhos. Desses destacamos Maria Domiciana, nascida em 06 de abril de 1868 e falecida em 07 de novembro de 1947; foi casada com o Major Carlos Alvim Taques Bittencourt. Dessa união resultaram oito filhos. Desses destacamos Custódio Vieira Bittencourt, que foi casado com Carmélia Fleming Bittencourt, filha de João de Godoy Fleming e Ricarda de Castro Fleming, proprietários da Fazenda Godoy no Embaú. Desse matrimônio resultou uma única filha, Adracir Fleming Bittencourt.
                       Retornando aos planos militares, iniciam-se os projetos para a construção do complexo fabril. Apesar de exaltar a autonomia e independência em planejamentos nacionais, o governo brasileiro contrata uma empresa norte-americana, a Cia. E. I. Dupont, para a elaboração do projeto de construção, aprovado pelo Aviso nº 105, de 04 de maio de 1905. Na sequência é criada a Comissão Construtora, conforme Decreto de 06 de julho, sendo nomeado Diretor, o Tenente-Coronel Augusto Maria Sisson. E já no dia 22 de julho, a referida Comissão se instala na Fazenda Estrela do Norte, dando início às obras da barragem do Rio Sertão, construindo uma usina hidrelétrica. A represa que se formou recebeu o nome de “Marechal Argollo”. Nessa e nas demais fazendas foram construídos 37 edifícios fabrís. Foi construído também, seguindo os planos originais do Marechal Mallet, o ramal férreo Lorena-Piquete (infelizmente desativado em 1977), necessário para o escoamento da produção que se iniciaria. No dia 17 de dezembro de 1908, através do Decreto nº 7.230, o Governo Federal aprova o primeiro regulamento “da Fábrica de Pólvora sem fumaça, fixando entre outros objetivos: ‘abastecer o Exército e a Armada com seus produtos, concorrer no mercado com as sobras destes, adaptados no que convier aos usos correntes, criando, assim, uma fonte de receita para o Estado’”. No dia 15 de março de 1909, foi inaugurada a Fábrica de Pólvora sem Fumaça. Estiveram em Piquete, o Presidente da República, Afonso Pena; o Presidente de São Paulo, Albuquerque Lins; o Ministro da Guerra, Hermes da Fonseca, e demais autoridades civís e militares. Já em setembro de 1909, o Exército recebia o primeiro lote de pólvora fabricado no Brasil. O início da produção teve o acompanhamento de engenheiros americanos, que foram dispensados antes de completar um ano de permanência em Piquete.
               Wanderley Sardinha e Saulo Caetano afirmam que em 1911, graças à eficiência dos engenheiros e dos operários, a Fábrica de Pólvora sem Fumaça participou da Exposição Internacional de Torino, na Itália. Na ocasião conquistou o “Grande Prêmio”. Em 1922, por ocasião do centenário da Independência, o Brasil sediou essa exposição, no Rio de Janeiro, onde a Fábrica de Pólvora foi uma das premiadas. Porém, em 1932, na Revolução Constitucionalista, a fábrica foi ocupada pelos combatentes paulistas. Hernâni Donato afirma que “os constitucionalistas instalaram posto de comando do setor (em Piquete), visando também a defender a fábrica de pólvora, necessária ao seu esforço de guerra”. A violência dos combates entre rebeldes e legalistas pelo controle da fábrica, pode ser verificada no relato de Agostinho Ramos. Conforme o ex-Prefeito de Cachoeira Paulista, no dia 15 de julho de 1932, às 17h 30min aproximadamente, a “tarde ia morrendo. Da escadaria da Santa Casa, Herbert de Vasconcellos, Edgard das Neves, enfermeiros, demais pessoas e nós, assistíamos o intenso canhoneio na serra de Piquete, divisando perfeitamente os fogos da explosão”. Vencidos os paulistas, o Exército retoma o controle sobre a fábrica.
                   Ao longo dos anos a Fábrica de Pólvora sem Fumaça foi mudando de nome. No dia 03 de junho de 1936 foi rebatizada com o nome de Fábrica de Pólvoras e Explosivos de Piquete. No dia 25 de abril de 1939, o nome foi simplificado para Fábrica de Piquete. E no dia 08 de dezembro de 1942, o nome foi alterado para Fábrica Presidente Vargas (FPV), em homenagem a Getúlio Vargas, que permanece até os dias atuais. Durantes décadas a Fábrica Presidente Vargas se tornou praticamente a principal empregadora do Município de Piquete. A unidade fabril bélica era considerada motivo de orgulho para os cidadãos piquetenses, segundo os relatos de Jacy Eleotério, Wanderley Sardinha e Saulo Caetano. No ano de 1977, durante o Governo Militar, o Presidente General Ernesto Geisel incorporou a FPV à Indústria de Material Bélico do Brasil (IMBEL), tornando-se uma de suas unidades, vinculada ao Ministério do Exército.
                  Lamentavelmente, com a redemocratização do país e a ascensão de governos civís neo-liberais, o setor militar passou para terceiro, quarto, ou quinto planos. Seguindo a onda privatista da década de 1990, a FPV e a própria IMBEL, escaparam por pouco. Melhor sorte não tiveram espresas como a ENGESA, que fabricava carros de combate, tanques e blindados do Exército, sucateada e leiloada a preço irrisório. Outra que deixou de receber investimentos, sucateada e privatizada, a EMBRAER, segue líder no mercado da aviação civil; mas o setor de aviação militar, praticamente desapareceu. A Fábrica Presidente Vargas resiste, mesmo com a vergonhosa falta de investimentos, o que ocorre em outros setores, infelizmente. Constantemente, os salários de seus pouquíssimos funcionários são atrasados, ocasionando manifestações e greves, o que reforça o discurso daqueles que defendem as privatizações. E de outro lado, acompanhamos nos noticiários, as “negociações” desde o ano de 2002, do governo brasileiro, referentes a compra de caças para a FAB, quando podiam continuar sendo fabricados em território nacional. Antes de encerrar o presente artigo, este autor faz uma indagação: em caso de uma guerra, para defender a soberania nacional, como o Brasil se saíria? Acreditamos hoje, que, apesar de toda a tecnologia desenvolvida, o Brasil está pior do que na aurora do século XX, quando a FPV e o projeto de modernização militar foram concebidos. Hoje, o Brasil estaria em nível de igualdade com o Paraguai, que um dia destroçara; e “olhe” lá..., o resultado é imprevisível. Até a próxima.                                                                               
                                                                                              Eddy Carlos.

Dicas para consulta.
CHIAVENATTO, Júlio José. Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai. Editora Brasiliense. São Paulo, 1980.
COSTA, Capitão Jacy Eleotério da. Piquete: O Pequeno Mundo de um Artista. Editora “O Taubateano”. Taubaté, 1978.
DONATO, Hernâni. A Revolução de 32. Círculo do Livro. São Paulo, 1982.
ENCICLOPÉDIA Nosso Século. Volume II. Círculo do Livro. São Paulo, 1985.
RAMOS, Agostinho. Recordações de 32 em Cachoeira. Revista dos Tribunaes. São Paulo, 1937.
SARDINHA e SILVA, Cel. Wanderley Gomes e Saulo Caetano da (Colaboradores). Memorial Usina Rodrigues Alves (1906-2006). Publicação IMBEL/FPV, 2006.
Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br
    


Um comentário:

  1. Parabéns pelo relato, qual a importância do militar Gustavo Martins de gouveia na Fábrica de pólvora? Obrigado e mais uma vez parabéns

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