Portal da Fábrica Presidente Vargas, sem data.
FONTE: capturado da internet.
Apesar
de vitorioso na Guerra do Paraguai (1864-1870), o Exército Imperial do Brasil
carecia, desde o início do conflito, de equipamentos de qualidade e efetivos
bem treinados. Em uma guerra, prevista pela Tríplice Aliança para durar seis
meses, os exércitos aliados “suaram” durante seis anos para vencer os
paraguaios, e comeram o pão que o Diabo “amassou”, crentes em sua
“superioridade”. As próprias contradições no Império levaram a uma situação,
que mesmo vencendo a guerra, o país saíra enfraquecido economicamente. Sempre dependendo
de investimentos estrangeiros (até hoje), o Governo Imperial atravessava uma
séria crise financeira já em 1864; para tentar resolver a situação recorria à
empréstimos com banqueiros ingleses. Na prática “despia” um santo para “vestir”
outro, pois os juros exorbitantes faziam travar o desenvolvimento em um país
marcado pelo estigma da escravidão. Segundo a análise de Júlio José
Chiavenatto, enquanto que o Paraguai já possuía um parque industrial bem
estruturado, seus vizinhos importavam tudo o que precisavam. Chiavenatto faz
menção à Fundição de Ybicuí, pois “enquanto Brasil e Argentina importavam
‘bebidas espirituosas’ e desde o alfinete e botão para roupas até colheres e
utensílios domésticos, no Paraguai a Fundição de Ferro de Ybicuí fundia uma tonelada
de metal em cada vinte e quatro horas”. Isso se refletia no setor bélico, onde
principalmente o Brasil comprava equipamentos militares de países europeus. Em
sua maioria, armamentos obsoletos, obviamente.
O
fim do conflito resultou em ganhos territoriais para Argentina e Brasil, e nada
para o Uruguai; já o Paraguai foi totalmente destroçado, no que foi caracterizada
como uma guerra de extermínio. Para Chiavenatto, o único vencedor foi a
Inglaterra, que além de garantir a entrada de seus produtos no Paraguai,
derrotado, ocupado e humilhado, lucrou e muito, vendendo armas e munições; e
também emprestando dinheiro, principalmente para o Brasil. Porém, no caso
específico, o Exército volta dos campos de batalha com outras ideias e convicções
políticas, principalmente os ideais republicanos, conscientizado de sua
importância no jogo político da nação. Um fato significativo da mudança, foi a
recusa, pelo Exército, de perseguir escravos fugidos, tarefa considerada
desonrosa e, portanto, reservada aos capitães-do-mato. Em 1883, a Questão
Militar iria mostrar a insatisfação de parte da oficialidade, com os rumos da
política do Império, que sempre prestigiou a Armada (Marinha). Mesmo
contornando o episódio, o Governo Imperial perde um de seus sustentáculos, que
junto com outros fatores, é deposto pelo Exército no dia 15 de novembro de
1889.
No
entanto, a República, nascida de um golpe militar, não atende aos anseios de
grande parte da população. Mesmo contando ainda com a insatisfação de alguns
oficiais, agora contra o Governo Republicano, o Exército é utilizado para reprimir
manifestações e revoltas contra à nova ordem. É o caso das duas revoltas da
Armada (1891 e 1893); Revolta Federalista (1983-1894); Guerra de Canudos (1896-1897).
Embora vitoriosos os comandantes militares reclamavam da falta constante de
investimentos em armas, munições e treinamentos necessários. Mesmo estando sob
administração republicana, a estrutura do Exército ainda era considerada
arcaica, oriunda dos tempos monárquicos. Isso contribuía para a inoperância da
instituição, refletindo a ausência de contato entre oficiais e a tropa, além da
manutenção do estilo de vida vigente nos quartéis. Diante desse quadro
pessimista, o Marechal Hermes da Fonseca, Ministro da Guerra do Presidente
Afonso Pena, propõe em 1908, a modernização do Exército. Nessa proposta estava
incluída, entre outras coisas, a instrução militar nos colégios secundários, a
reorganização dos batalhões em todo o país, a isenção dos privilégios no
recrutamento e a construção de fábricas de pólvora. A situação era caótica para
o Exército, pois enquanto ainda arrastava em 1908, a herança pesada e
ultrapassada das origens monárquicas, a Força Pública do Estado de São Paulo,
estava no mesmo ano, muito mais bem armada e treinada.
Contudo,
a modernização das Forças Armadas teria se iniciado um pouco antes. Segundo a
análise do Coronel Wanderley Gomes Sardinha e Saulo Caetano da Silva, foi já no
governo de Campos Salles que tal teve início. Através do Ministro da Guerra
desse governo, Marechal João Nepomuceno de Medeiros Mallet, foi desenvolvido um
projeto renovador no Exército. Entre outras medidas foi incluída, “a construção
de uma fábrica de pólvora e explosivos. Foi nomeada então, em 16 de janeiro de
1901, por Aviso do Ministério da Guerra, a Comissão encarregada de proceder aos
estudos necessários para escolha de uma área para a instalação da Fábrica de
Pólvora”. Segundo relato do Capitão Jacy Eleotério da Costa, esse projeto visava
livrar o Brasil de ter de continuar importando “explosivos e munições, tão
necessários à sua soberania e defesa, o que onerava grandemente”. Por isso, a
ideia de se construir “uma fábrica de pólvora e explosivos no país, que seria a
primeira no Brasil”. Ao tomar conhecimento dos planos do governo, Francisco de
Paula Vicente de Azevedo, o Barão da Bocaína, membro da elite do Município de
Lorena, decidiu fazer algumas articulações políticas. Estando no Rio de
janeiro, procurou o Marechal Mallet e cedeu ao governo terras que possuía na
região de São Francisco dos Campos, para a construção de um Sanatório Militar.
Com o aval das autoridades militares, o Marechal e comitiva visitam a região
entre Lorena e Piquete, no dia 11 de janeiro de 1902. A comitiva segue para
Lavrinhas, no alto da Serra da Mantiqueira (não confundir com a cidade do mesmo
nome entre Cruzeiro e Queluz), onde é escolhido o lugar para o sanatório. No
mesmo dia é escolhida a Fazenda Bemfica (também ofertada pelo Barão da
Bocaína), para a construção da fábrica. Na opinião de Wanderley Sardinha e
Saulo Caetano, a escolha dessa fazenda em terras piquetenses, “atendia às
exigências estratégicas no campo da segurança, devido á sua topografia, e no
técnico, pelos seus recursos naturais”. Fazia parte dos planos do Marechal
Mallet também, a construção de um ramal férreo que ligasse a Estrada de Ferro
Central do Brasil a Bemfica.
Entretanto,
durante o governo de Rodrigues Alves, o novo Ministro da Guerra, Marechal
Francisco de Paula Argollo, mesmo seguindo os planos de seu antecessor, recusou
a oferta da Fazenda Bemfica. De acordo com o relato do Capitão Jacy Eleotério,
em julho de 1905, o Governo Federal adquiriu outras fazendas: Sertão, de 600
alqueires, por 50:000$000 (cinquenta contos de réis); Limeira, de 49 alqueires,
por 70:000$000; e Estrela do Norte, de 260 alqueires, por 90:000$000. Essa
última destaca-se entre as demais, porque teve como primeiro proprietário, o
Comendador Custódio José Vieira da Silva, nascido no dia 15 de maio de 1842 em
Itajubá. Era filho do Tenente Francisco Vieira da Silva e Domiciana Umbelina da
Silva. O Comendador se casou no dia 05 de março de 1867, com Henriqueta Augusta
Monteiro, nascida em 05 de agosto de 1852, filha do Tenente Francisco José
Monteiro de Sousa e Maria Gertrudes de Oliveira. Essa era filha do Visconde de
Guaratinguetá, Francisco de Assis e Oliveira Borges, e de sua primeira esposa,
Ana Silvéria Umbelina do Espírito Santo. O Comendador Custódio foi eleitor geral
da Vila de Lorena, dignatário da Ordem da Rosa, oficial da Guarda Nacional e o
primeiro Intendente (prefeito) de Piquete, quando este se emancipou de Lorena
em 1891; faleceu no dia 21 de junho de 1895. Do casamento com Henriqueta
resultaram seis filhos. Desses destacamos Maria Domiciana, nascida em 06 de
abril de 1868 e falecida em 07 de novembro de 1947; foi casada com o Major
Carlos Alvim Taques Bittencourt. Dessa união resultaram oito filhos. Desses
destacamos Custódio Vieira Bittencourt, que foi casado com Carmélia Fleming
Bittencourt, filha de João de Godoy Fleming e Ricarda de Castro Fleming,
proprietários da Fazenda Godoy no Embaú. Desse matrimônio resultou uma única
filha, Adracir Fleming Bittencourt.
Retornando aos planos militares, iniciam-se os projetos para a
construção do complexo fabril. Apesar de exaltar a autonomia e independência em
planejamentos nacionais, o governo brasileiro contrata uma empresa
norte-americana, a Cia. E. I. Dupont, para a elaboração do projeto de
construção, aprovado pelo Aviso nº 105, de 04 de maio de 1905. Na sequência é
criada a Comissão Construtora, conforme Decreto de 06 de julho, sendo nomeado
Diretor, o Tenente-Coronel Augusto Maria Sisson. E já no dia 22 de julho, a
referida Comissão se instala na Fazenda Estrela do Norte, dando início às obras
da barragem do Rio Sertão, construindo uma usina hidrelétrica. A represa que se
formou recebeu o nome de “Marechal Argollo”. Nessa e nas demais fazendas foram
construídos 37 edifícios fabrís. Foi construído também, seguindo os planos
originais do Marechal Mallet, o ramal férreo Lorena-Piquete (infelizmente
desativado em 1977), necessário para o escoamento da produção que se iniciaria.
No dia 17 de dezembro de 1908, através do Decreto nº 7.230, o Governo Federal
aprova o primeiro regulamento “da Fábrica de Pólvora sem fumaça, fixando entre
outros objetivos: ‘abastecer o Exército e a Armada com seus produtos, concorrer
no mercado com as sobras destes, adaptados no que convier aos usos correntes,
criando, assim, uma fonte de receita para o Estado’”. No dia 15 de março de
1909, foi inaugurada a Fábrica de Pólvora sem Fumaça. Estiveram em Piquete, o
Presidente da República, Afonso Pena; o Presidente de São Paulo, Albuquerque
Lins; o Ministro da Guerra, Hermes da Fonseca, e demais autoridades civís e
militares. Já em setembro de 1909, o Exército recebia o primeiro lote de
pólvora fabricado no Brasil. O início da produção teve o acompanhamento de
engenheiros americanos, que foram dispensados antes de completar um ano de
permanência em Piquete.
Wanderley
Sardinha e Saulo Caetano afirmam que em 1911, graças à eficiência dos
engenheiros e dos operários, a Fábrica de Pólvora sem Fumaça participou da
Exposição Internacional de Torino, na Itália. Na ocasião conquistou o “Grande
Prêmio”. Em 1922, por ocasião do centenário da Independência, o Brasil sediou
essa exposição, no Rio de Janeiro, onde a Fábrica de Pólvora foi uma das
premiadas. Porém, em 1932, na Revolução Constitucionalista, a fábrica foi
ocupada pelos combatentes paulistas. Hernâni Donato afirma que “os
constitucionalistas instalaram posto de comando do setor (em Piquete), visando
também a defender a fábrica de pólvora, necessária ao seu esforço de guerra”. A
violência dos combates entre rebeldes e legalistas pelo controle da fábrica,
pode ser verificada no relato de Agostinho Ramos. Conforme o ex-Prefeito de
Cachoeira Paulista, no dia 15 de julho de 1932, às 17h 30min aproximadamente, a
“tarde ia morrendo. Da escadaria da Santa Casa, Herbert de Vasconcellos, Edgard
das Neves, enfermeiros, demais pessoas e nós, assistíamos o intenso canhoneio
na serra de Piquete, divisando perfeitamente os fogos da explosão”. Vencidos os
paulistas, o Exército retoma o controle sobre a fábrica.
Ao
longo dos anos a Fábrica de Pólvora sem Fumaça foi mudando de nome. No dia 03
de junho de 1936 foi rebatizada com o nome de Fábrica de Pólvoras e Explosivos
de Piquete. No dia 25 de abril de 1939, o nome foi simplificado para Fábrica de
Piquete. E no dia 08 de dezembro de 1942, o nome foi alterado para Fábrica
Presidente Vargas (FPV), em homenagem a Getúlio Vargas, que permanece até os
dias atuais. Durantes décadas a Fábrica Presidente Vargas se tornou
praticamente a principal empregadora do Município de Piquete. A unidade fabril
bélica era considerada motivo de orgulho para os cidadãos piquetenses, segundo
os relatos de Jacy Eleotério, Wanderley Sardinha e Saulo Caetano. No ano de
1977, durante o Governo Militar, o Presidente General Ernesto Geisel incorporou
a FPV à Indústria de Material Bélico do Brasil (IMBEL), tornando-se uma de suas
unidades, vinculada ao Ministério do Exército.
Lamentavelmente,
com a redemocratização do país e a ascensão de governos civís neo-liberais, o
setor militar passou para terceiro, quarto, ou quinto planos. Seguindo a onda
privatista da década de 1990, a FPV e a própria IMBEL, escaparam por pouco.
Melhor sorte não tiveram espresas como a ENGESA, que fabricava carros de
combate, tanques e blindados do Exército, sucateada e leiloada a preço
irrisório. Outra que deixou de receber investimentos, sucateada e privatizada,
a EMBRAER, segue líder no mercado da aviação civil; mas o setor de aviação militar,
praticamente desapareceu. A Fábrica Presidente Vargas resiste, mesmo com a
vergonhosa falta de investimentos, o que ocorre em outros setores,
infelizmente. Constantemente, os salários de seus pouquíssimos funcionários são
atrasados, ocasionando manifestações e greves, o que reforça o discurso
daqueles que defendem as privatizações. E de outro lado, acompanhamos nos
noticiários, as “negociações” desde o ano de 2002, do governo brasileiro,
referentes a compra de caças para a FAB, quando podiam continuar sendo
fabricados em território nacional. Antes de encerrar o presente artigo, este
autor faz uma indagação: em caso de uma guerra, para defender a soberania
nacional, como o Brasil se saíria? Acreditamos hoje, que, apesar de toda a
tecnologia desenvolvida, o Brasil está pior do que na aurora do século XX,
quando a FPV e o projeto de modernização militar foram concebidos. Hoje, o
Brasil estaria em nível de igualdade com o Paraguai, que um dia destroçara; e
“olhe” lá..., o resultado é imprevisível. Até a próxima.
Eddy
Carlos.
Dicas para consulta.
CHIAVENATTO, Júlio José. Genocídio
Americano: A Guerra do Paraguai. Editora Brasiliense. São Paulo, 1980.
COSTA, Capitão Jacy Eleotério da. Piquete: O Pequeno Mundo de um Artista. Editora
“O Taubateano”. Taubaté, 1978.
DONATO, Hernâni. A
Revolução de 32. Círculo do Livro. São Paulo, 1982.
ENCICLOPÉDIA Nosso
Século. Volume II. Círculo do Livro. São Paulo, 1985.
RAMOS, Agostinho. Recordações
de 32 em Cachoeira. Revista dos Tribunaes. São Paulo, 1937.
SARDINHA e SILVA, Cel. Wanderley Gomes e Saulo Caetano da (Colaboradores).
Memorial Usina Rodrigues Alves
(1906-2006). Publicação IMBEL/FPV, 2006.
Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br
Parabéns pelo relato, qual a importância do militar Gustavo Martins de gouveia na Fábrica de pólvora? Obrigado e mais uma vez parabéns
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