Imagen retratando Saint-Hilaire, extraída da internet.
Com
Com a expansão militarista da França,
conquistando vários países europeus no início do século XIX, Napoleão Bonaparte
implanta no Velho Mundo um sistema de monarquias governadas por seus parentes,
sobretudo irmãos. Oriundo da Revolução Francesa, Napoleão consegue pela força
das armas depor algumas “cabeças coroadas” que simbolizavam o chamado Antigo
Regime. Comandando, na maioria das vezes pessoalmente seu exército, Napoleão liquida
o antigo Sacro Império Germânico (Alemanha), fundando a Confederação do Reno em
1806, após a entrada triunfal em Berlim. Impõe também sua autoridade aos
territórios da Igreja e ao Reino de Nápoles na Itália, além de conquistar toda
a Espanha. Dentre os diversos países inimigos da França, estava a Inglaterra e
para tentar vencê-la, Napoleão decreta o Bloqueio Continental, proibindo
qualquer país de comercializar com os ingleses, sob ameaça constante de invasão
e conquista. Em Portugal, o reino estava nas mãos do príncipe regente D.João,
que governava em nome da rainha, sua mãe, D. Maria I, a Louca. Preso aos
tratados comerciais com os ingleses, D.João ficava entre a “cruz e a espada”
diante da ameaça francesa.
Dessa forma, no final de 1807,
toda a corte portuguesa decide fugir para o Brasil, chegando ao Rio de Janeiro
por volta de março de 1808. Com a vinda da Família Real, o Brasil passa de
colônia à sede da monarquia lusa, enquanto Portugal é ocupado pelos franceses.
Em 1815, França e Portugal reatam os laços diplomáticos, após a derrota de
Napoleão e a realização do Congresso de Viena que restitui aos reis depostos
todos os territórios que haviam sido tomados durante a fase napoleônica. A
partir de 1816, a
convite de D. João IV, vem para o Brasil um grande número de artistas europeus,
além de cientistas e botânicos. O grupo mais importante é a missão artística
francesa, composto entre outros nomes, por Nicolas Antoine Taunay e Jean-Baptiste
Debret. O Brasil foi visitado também por Karl Friedrich Philipp Von Martius e
Johann Baptist Von Spix, ambos da Bavária (Alemanha); e Johann Moritz Rugendas,
da Áustria. Porém, vamos focalizar em um botânico francês que permaneceu no
Brasil entre 1816 e 1822, Augustin François César Provençal de Saint-Hilaire.
Viajando por Goiás, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Minas
Gerais, o botânico europeu descobriu e catalogou várias espécies animais e
vegetais do Brasil, além de relatar os costumes das povoações por onde passava,
publicando mais tarde na França os seus escritos referentes a flora e a fauna,
além de aspectos geográficos do Brasil. Na segunda viagem a Província de São
Paulo, realizada entre janeiro e maio de 1822, Saint-Hilaire percorreu em lombo
de burro , acompanhado de cinco auxiliares, o trajeto do Rio de Janeiro à Minas
Gerais, passando por Rio Preto, Barbacena, São João D’El Rei , Aiuruoca,
Baependy, Pouso Alto e, descendo a Mantiqueira, por Embaú, Cachoeira, Lorena e
Guaratinguetá. Depois, até Taubaté, Jacareí, Mogi das Cruzes e São Paulo. Ao retornar
ao Rio de Janeiro, Saint-Hilaire partiu da capital paulista para Mogi das
Cruzes, Nossa Senhora da Escada (Guararema) e depois de Guaratinguetá seguiu
por Areias, Bananal, São João Marcos, Itaguaí e Santa Cruz.
Conforme mencionado acima, o relato do
viajante francês é interessante, pois reproduz um cenário no qual podemos
imaginar como eram as localidades por ele visitadas no crepúsculo do período de
dominação portuguesa no Brasil. Para nós interessa aqui, o trajeto percorrido
entre o Registro da Mantiqueira até Guaratinguetá. Dessa forma acompanhemos
passo a passo o itinerário do botânico. No dia 13 de março de 1822,
Saint-Hilaire, deixou Pouso Alto e, três léguas adiante, faz parada no
Córrego-Fundo, partindo no dia seguinte rumo ao Registro da Mantiqueira,
seguindo a Estrada Real e, percorrendo mais três léguas. O Registro era um
posto de controle e fiscalização das autoridades portuguesas e, devido às
chuvas, o francês permanece até o dia 20 de março, quando reinicia a marcha com
a melhora do tempo. Bem na “garganta” do Embaú, (Rodovia Cruzeiro-Passa Quatro),
Saint-Hilaire passa por uma cruz de madeira que indica o limite entre a Capitania
de Minas e a de São Paulo, iniciando a descida da serra próximo ao Rio Passa
Vinte. Mantendo o itinerário pela Estrada Real, o botânico descreve a paisagem,
admirando a mata espessa e intacta e a qualidade da terra, além de destacar o
número considerável de casas, porém de poucas com importância. Essa descrição
do francês revela que a maioria dos habitantes da região sobrevivia com parcos
recursos, onde o café ainda não havia se consolidado no Vale do Paraíba, apesar
de Saint-Hilaire, assinalar que tanto a rubiácea (café) como o açúcar já eram
cultivados.
Ao passar pelo Embaú, o viajante
registra o local com nome diferente; ele diz que “passamos por uma aldeiola
chamada Imbanha e onde existe uma capela dependente da matriz de Lorena”. Sendo
assim, depois de percorrer quatro léguas, desde a descida da Mantiqueira, o
naturalista e seus acompanhantes chegam no dia 21 de março de 1822 a um “arraial situado a
margem do Paraíba e chamado Porto da Cachoeira”. É interessante notarmos como o
viajante fica encantado com a paisagem de Cachoeira que à época possuía pouco
mais de uma dezena de casas com algumas lojas e vários ranchos, sendo que o
ofício de ferrador era muito valorizado por ser rota de mercadores e
exploradores. Deixemos que o próprio Saint-Hilaire nos narre o que vislumbrou :
“É difícil ver-se algo mais bonito do que a posição do Porto da Cachoeira.
(...) e a gente não pode cansar-se de contemplar uma paisagem que tem, ao mesmo
tempo, algo de risonho e majestoso. (...) Cachoeira é lugar de passagem de
todas as tropas que ao Rio de Janeiro vão de Baependy e suas redondezas; partem
para a capital carregadas de fumo e voltam cheias de sal”. Depois de passar
pela Vila de Lorena, onde também presenciou e registrou belas paisagens e o
asseio das casas, o francês chega a
Guaratinguetá no dia 23 de março e depois de seguir o roteiro já citado
anteriormente, a comitiva chega a São Paulo, no Tatuapé no dia 2 de abril de
1822. No dia 11 inicia a viagem de retorno ao Rio de Janeiro, passando
novamente por Cachoeira no dia 21.
Ao retornar à França, Saint-Hilaire
obteve o reconhecimento não só na pátria, mas internacionalmente ao publicar
suas obras que retratam suas pesquisas e descobertas realizadas no Brasil,
tendo percorrido aproximadamente 14.808 Km . Divulgando seu trabalho científico,
o botânico divulgou, também as belezas de nossa terra, principalmente do Vale
do Paraíba. No dia 30 de setembro de 1853, Augustin François César Provençal de
Saint-Hilaire, falece aos 74 anos de idade em Tupiniére. Quarenta anos mais
tarde, outro viajante passa pela região valeparaibana, relatando a beleza das
paisagens e o costume dos habitantes das diversas localidades, assunto para o
próximo artigo. Um grande abraço e até a próxima.
Eddy Carlos.
Para conhecer mais.
SAINT-HILAIRE.
Augustin de. Segunda Viagem a São Paulo
e Quadro Histórico da Província de
São Paulo. Coleção Biblioteca Histórica Paulista. Vol. VI. Livraria Martins
Editora. São Paulo, 1976.
SAPUCAHY,
Mário Lúcio. 1822: Um botânico europeu
em viagem pelo Vale do Paraíba. 1º edição, 1998.
GOMES,
Laurentino. 1808: Como uma rainha louca,
um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a
História de Portugal e do Brasil. Planeta. São Paulo, 2007.
PASIN, José
Luiz. Vale do Paraíba. A Estrada Real.
Caminhos e Roteiros. Editora Santuário. Aparecida, 2004.
E-mail: eddycarlos@ymail.com
Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br
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