sexta-feira, 9 de setembro de 2016

O Botânico Viajante.

                                             Imagen retratando Saint-Hilaire, extraída da internet.
Com                             
                 Com a expansão militarista da França, conquistando vários países europeus no início do século XIX, Napoleão Bonaparte implanta no Velho Mundo um sistema de monarquias governadas por seus parentes, sobretudo irmãos. Oriundo da Revolução Francesa, Napoleão consegue pela força das armas depor algumas “cabeças coroadas” que simbolizavam o chamado Antigo Regime. Comandando, na maioria das vezes pessoalmente seu exército, Napoleão liquida o antigo Sacro Império Germânico (Alemanha), fundando a Confederação do Reno em 1806, após a entrada triunfal em Berlim. Impõe também sua autoridade aos territórios da Igreja e ao Reino de Nápoles na Itália, além de conquistar toda a Espanha. Dentre os diversos países inimigos da França, estava a Inglaterra e para tentar vencê-la, Napoleão decreta o Bloqueio Continental, proibindo qualquer país de comercializar com os ingleses, sob ameaça constante de invasão e conquista. Em Portugal, o reino estava nas mãos do príncipe regente D.João, que governava em nome da rainha, sua mãe, D. Maria I, a Louca. Preso aos tratados comerciais com os ingleses, D.João ficava entre a “cruz e a espada” diante da ameaça francesa.
              Dessa forma, no final de 1807, toda a corte portuguesa decide fugir para o Brasil, chegando ao Rio de Janeiro por volta de março de 1808. Com a vinda da Família Real, o Brasil passa de colônia à sede da monarquia lusa, enquanto Portugal é ocupado pelos franceses. Em 1815, França e Portugal reatam os laços diplomáticos, após a derrota de Napoleão e a realização do Congresso de Viena que restitui aos reis depostos todos os territórios que haviam sido tomados durante a fase napoleônica. A partir de 1816, a convite de D. João IV, vem para o Brasil um grande número de artistas europeus, além de cientistas e botânicos. O grupo mais importante é a missão artística francesa, composto entre outros nomes, por Nicolas Antoine Taunay e Jean-Baptiste Debret. O Brasil foi visitado também por Karl Friedrich Philipp Von Martius e Johann Baptist Von Spix, ambos da Bavária (Alemanha); e Johann Moritz Rugendas, da Áustria. Porém, vamos focalizar em um botânico francês que permaneceu no Brasil entre 1816 e 1822, Augustin François César Provençal de Saint-Hilaire. Viajando por Goiás, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais, o botânico europeu descobriu e catalogou várias espécies animais e vegetais do Brasil, além de relatar os costumes das povoações por onde passava, publicando mais tarde na França os seus escritos referentes a flora e a fauna, além de aspectos geográficos do Brasil. Na segunda viagem a Província de São Paulo, realizada entre janeiro e maio de 1822, Saint-Hilaire percorreu em lombo de burro , acompanhado de cinco auxiliares, o trajeto do Rio de Janeiro à Minas Gerais, passando por Rio Preto, Barbacena, São João D’El Rei , Aiuruoca, Baependy, Pouso Alto e, descendo a Mantiqueira, por Embaú, Cachoeira, Lorena e Guaratinguetá. Depois, até Taubaté, Jacareí, Mogi das Cruzes e São Paulo. Ao retornar ao Rio de Janeiro, Saint-Hilaire partiu da capital paulista para Mogi das Cruzes, Nossa Senhora da Escada (Guararema) e depois de Guaratinguetá seguiu por Areias, Bananal, São João Marcos, Itaguaí e Santa Cruz.
               Conforme mencionado acima, o relato do viajante francês é interessante, pois reproduz um cenário no qual podemos imaginar como eram as localidades por ele visitadas no crepúsculo do período de dominação portuguesa no Brasil. Para nós interessa aqui, o trajeto percorrido entre o Registro da Mantiqueira até Guaratinguetá. Dessa forma acompanhemos passo a passo o itinerário do botânico. No dia 13 de março de 1822, Saint-Hilaire, deixou Pouso Alto e, três léguas adiante, faz parada no Córrego-Fundo, partindo no dia seguinte rumo ao Registro da Mantiqueira, seguindo a Estrada Real e, percorrendo mais três léguas. O Registro era um posto de controle e fiscalização das autoridades portuguesas e, devido às chuvas, o francês permanece até o dia 20 de março, quando reinicia a marcha com a melhora do tempo. Bem na “garganta” do Embaú, (Rodovia Cruzeiro-Passa Quatro), Saint-Hilaire passa por uma cruz de madeira que indica o limite entre a Capitania de Minas e a de São Paulo, iniciando a descida da serra próximo ao Rio Passa Vinte. Mantendo o itinerário pela Estrada Real, o botânico descreve a paisagem, admirando a mata espessa e intacta e a qualidade da terra, além de destacar o número considerável de casas, porém de poucas com importância. Essa descrição do francês revela que a maioria dos habitantes da região sobrevivia com parcos recursos, onde o café ainda não havia se consolidado no Vale do Paraíba, apesar de Saint-Hilaire, assinalar que tanto a rubiácea (café) como o açúcar já eram cultivados.                     
            Ao passar pelo Embaú, o viajante registra o local com nome diferente; ele diz que “passamos por uma aldeiola chamada Imbanha e onde existe uma capela dependente da matriz de Lorena”. Sendo assim, depois de percorrer quatro léguas, desde a descida da Mantiqueira, o naturalista e seus acompanhantes chegam no dia 21 de março de 1822 a um “arraial situado a margem do Paraíba e chamado Porto da Cachoeira”. É interessante notarmos como o viajante fica encantado com a paisagem de Cachoeira que à época possuía pouco mais de uma dezena de casas com algumas lojas e vários ranchos, sendo que o ofício de ferrador era muito valorizado por ser rota de mercadores e exploradores. Deixemos que o próprio Saint-Hilaire nos narre o que vislumbrou : “É difícil ver-se algo mais bonito do que a posição do Porto da Cachoeira. (...) e a gente não pode cansar-se de contemplar uma paisagem que tem, ao mesmo tempo, algo de risonho e majestoso. (...) Cachoeira é lugar de passagem de todas as tropas que ao Rio de Janeiro vão de Baependy e suas redondezas; partem para a capital carregadas de fumo e voltam cheias de sal”. Depois de passar pela Vila de Lorena, onde também presenciou e registrou belas paisagens e o asseio das casas, o francês  chega a Guaratinguetá no dia 23 de março e depois de seguir o roteiro já citado anteriormente, a comitiva chega a São Paulo, no Tatuapé no dia 2 de abril de 1822. No dia 11 inicia a viagem de retorno ao Rio de Janeiro, passando novamente por Cachoeira no dia 21.
              Ao retornar à França, Saint-Hilaire obteve o reconhecimento não só na pátria, mas internacionalmente ao publicar suas obras que retratam suas pesquisas e descobertas realizadas no Brasil, tendo percorrido aproximadamente 14.808 Km. Divulgando seu trabalho científico, o botânico divulgou, também as belezas de nossa terra, principalmente do Vale do Paraíba. No dia 30 de setembro de 1853, Augustin François César Provençal de Saint-Hilaire, falece aos 74 anos de idade em Tupiniére. Quarenta anos mais tarde, outro viajante passa pela região valeparaibana, relatando a beleza das paisagens e o costume dos habitantes das diversas localidades, assunto para o próximo artigo. Um grande abraço e até a próxima.                                             
                                                                                                     Eddy Carlos.




Para conhecer mais.
SAINT-HILAIRE. Augustin de. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da     Província de São Paulo. Coleção Biblioteca Histórica Paulista. Vol. VI. Livraria Martins Editora. São Paulo, 1976.

SAPUCAHY, Mário Lúcio. 1822: Um botânico europeu em viagem pelo Vale do Paraíba. 1º edição, 1998.

GOMES, Laurentino. 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. Planeta. São Paulo, 2007.

PASIN, José Luiz. Vale do Paraíba. A Estrada Real. Caminhos e Roteiros. Editora Santuário. Aparecida, 2004.


Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário