Vista parcial de Queluz, em desenho de Tom Maia, década de 1970. Extraído da internet.
Há
algum tempo, na edição de número 664, deste periódico, o título de nosso artigo
foi “Os antigos habitantes”, no qual abordamos a tragédia que abatera sobre os
silvícolas de Pindorama decorrente da expansão colonizadora empreendida pelos
lusitanos. No caso do Vale do Paraíba, as principais vítimas da ação dos
colonos foram os Puris, sendo que no litoral paulista e fluminense foram os
Tamoios, exterminados muito tempo antes. Embora inimigas naturais, Tamoios e
Puris, assim como outras nações indígenas foram condenadas ao aniquilamento
total por insistirem em manter seu próprio estilo de vida, suas crenças e
religiões e seus hábitos culturais, não se sujeitando ao modelo de exploração e
domínio imposto pelas autoridades coloniais portuguesas como o aval da Igreja.
Para termos uma noção da dimensão da política ultramarina portuguesa, lembremos
que durante a Confederação dos Tamoios contra o avanço colonizador, Mem de Sá,
3º Governador-Geral, declarou guerra total e de extermínio aos índios pelo fato de os mesmos terem se
aliado aos franceses durante o episódio da França Antártica (1555-1572). O
mesmo Mem de Sá decretaria também o extermínio dos Caetés do Nordeste por terem
comido o primeiro bispo do Brasil, Dom Pero Fernandes Sardinha, cujo navio
naufragara próximo a Alagoas, quando viajava para Lisboa. Tal fato ocorrera no
governo de Duarte da Costa, mas Mem de Sá considerou como uma afronta a Santa
Igreja Católica e por isso toda uma nação foi exterminada.
Voltando,
porém, ao nosso Vale do Paraíba, é sabido que os Puris foram aos poucos sendo
dizimados por trabalho escravo, doenças e mortes em combates contra os
bandeirantes que se dirigiam à garganta do Embaú na Serra da Mantiqueira com
destino às Gerais. Dessa forma cada povoado ou arraial construído pelos colonos
significava uma aldeia a menos dos indígenas, que ou fugiam para os sertões ou
ficavam entre os “brancos” como servos, na realidade, escravos. O avanço
colonizador e o recuo dos silvícolas proporcionaram o surgimento de povoados
(hoje grandes cidades) como Mogi das Cruzes – a antiga Boigy de Brás Cubas –
Taubaté, Guaratinguetá, Jacareí, São José dos Campos, Lorena e assim por
diante. Para iniciar a ocupação das terras despovoadas e repovoá-las de acordo
com os preceitos “civilizados” e católicos, os pretendentes obtinham cartas de
sesmarias que eram condicionadas ao cultivo e exploração das áreas concedidas
em nome do rei de Portugal por intermédio de capitães-mores, geralmente
indivíduos que lideraram a expulsão e extermínio dos autóctones. É o caso por
exemplo quando da construção do “Caminho Novo da Piedade”, onde pessoas
“ilustres” de Guaratinguetá e de Lorena “limparam” o sertão e através das
sesmarias distribuídas surgiriam Bananal, Areias, Silveiras, São José do
Barreiro, etc. Mas outras surgiram de forma diferente como iremos analisar a
seguir.
Uma das diversas maneiras de dominação
consistia em “reduzir” os indígenas em aldeias administradas por ordens religiosas,
sobretudo, pelos jesuítas. Embora muitos estivessem salvos das garras dos
bandeirantes até os ataques ao Guairá, os silvícolas eram destituídos de seus
valores culturais tornando-se meros indivíduos passivos e subservientes,
devendo reconhecer a autoridade do rei e do papa como supremas. No Vale do
Paraíba, três cidades surgiram de aldeamentos indígenas: São José dos Campos,
Guararema (antiga Nossa Senhora da Escada), e Queluz. É neste último que
iremos direcionar o nosso foco de análise. Até o crepúsculo do século XVIII, os
Puris ainda resistiam ao avanço colonizador no território valeparaibano. Com a
elevação da Freguesia da Piedade em Vila em 1788 com o nome de Lorena, a caçada
ao gentio intensificou-se ainda mais. No dia 27 de janeiro de 1798, o
Governador da Capitania de São Paulo, Capitão-general Antônio Manuel de Melo
Castro e Mendonça determinou ao Capitão-Mor de Lorena, Domingos Gonçalves Leal
que reduzisse em aldeia os últimos puris que se encontravam nas matas entre o
Rio Paraíba e a Serra da Mantiqueira. Sendo assim, Gonçalves Leal que reduzisse
em aldeia organiza e dirige duas expedições ao sertão lorenense, como era
conhecida então a área habitada pelos índios. Na primeira aprisiona sete Puris
que envia ao Governador da Capitania como troféus de guerra e, na segunda
captura dez, entre os quais encontra-se Vuti, de idade avançada, que
passa a ser chamado pelos lorenenses de Mongo. Os vencedores incubem o
velho indígena de convencer os remanescentes a deporem as armas e se
sujeitarem ao poder colonial português. De acordo com a análise de Paulo
Pereira dos Reis, Mongo ou Vuti, cumpriu a missão e conduziu 86
indivíduos (homens, mulheres e crianças) a um local conhecido como Figueira,
território da Vila de Lorena, e se apresentaram a Gonçalves Leal, o qual
ordenou, que armassem um acampamento até a instalação da aldeia .
Através da desapropriação das
terras de Antônio José de Carvalho, que tinha início na margem esquerda do Rio
Paraíba confinando com as vertentes da Mantiqueira, compreendendo, assim, uma
área entre o Ribeirão do Entupido a Oeste e o das Cruzes a Leste. Indenizado o
proprietário, as autoridades transformaram tal área em sesmaria dos Puris e
para administrá-la foi escolhido Januário Nunes da Solva, diretor e como pároco
o Padre Francisco das Chagas Lima. Em 12 de março de 1801 foi instalada a Nova
Aldeia de São João da Queluz, cujo “Auto de Posse” foi lavrado pelo escrivão da Câmara de Lorena, Joaquim José Fernandes de
Leite. O nome da aldeia era uma homenagem a Dom João, Príncipe Regente e ao
Palácio de Queluz em Lisboa, onde nascera o príncipe Dom Pedro. Para a
elaboração do culto divino foi construído um oratório, benzido no dia 20 de
novembro de 1803 pelo Padre Francisco da Costa Moreira, Visitador da Comarca. A
benção ocorreu diante do pároco da aldeia Francisco das Chagas Lima e os
indígenas e o oratório passou a denominar-se Igreja Matriz de São João de
Queluz.
Todavia, o empreendimento estaria
fadado, desde o início, ao fracasso, pois antes do “Auto de Posse”, dos 86
cativos, 34 morreram, 7 fugiram e 2 estavam trabalhando na casa de
Domingos Gonçalves Leal. Ainda de acordo com Paulo Pereira dos Reis, o
aldeamento forçado na redução, onde se destruíam valores e costumes
nativos transformavam os silvícolas “em homens sem iniciativa e sem vontade,
eternos tutelados num regime de paternalismo que os consideravam imaturos
permanentes”. Um outro fator que contribuiu para a falência da aldeia foi a
cobiça de antigos e novos moradores que desejavam explorar a sesmaria dos
Puris, sempre repelidos pelo Padre Chagas Lima. Porém o defensor dos
índios foi transferido para Guarapuava a fim de catequizar outros indígenas e,
em Queluz substituiu-o o Vigário Lourenço Marcondes de Sá a partir de 28 de
fevereiro de 1805, o qual, no entanto, não possuía a mesma firmeza de seu
antecessor. Para piorar a situação o Diretor da aldeia passou a induzir os
índios a deixarem o local para facilitar a posse dos cobiçosos, no que foi
energicamente desautorizado por Antônio José de Franca e Horta, então
Governador da Capitania, através de ofício enviado ao novo Capitão-mor de
Lorena, Manuel Domingues Salgueiro, em 30 de julho de 1806. A sorte dos índios
estava lançada; em 1821, o governo autorizou os administradores arrendarem a
sesmaria dos Puris, cedendo aos interesses dos colonizadores, principalmente os
da Vila de Areias, emancipada de Lorena em 1816, e que passara a ter, então,
jurisdição sobre a Freguesia de São João de Queluz. Em 1831 restavam somente
seis Puris em Queluz: Bento, Antonia, Anacleto, Lourença, Gertrudes e Inês.
Entrementes, tudo alcançado o seu
objetivo, que era o de se apossarem da sesmaria dos Puris, os colonos
“civilizados” passam a exercer a administração de Queluz, por sua vez elevada à
condição de Vila por lei provincial no dia 4 de março de 1842. Durante o
episódio da Revolução Liberal do mesmo ano, Queluz seria desanexada da Província
de São Paulo e incorporada temporariamente à do Rio de Janeiro, com o intuito
de facilitar a repressão do Governo Central. O mesmo ocorreria com as demais
cidades do hoje denominado Vale Histórico. Em 1860 ao passar em Queluz, o
viajante português Augusto Emílio Zaluar conheceu aquela que seria a última
Puri. Trata-se de Inês, citada anteriormente, e que já estava com 60 anos,
sendo, portanto, uma das crianças trazidas da mata pelo velho Vuti. De acordo
com Zaluar, Inês vivia nas imediações de Queluz com uma filha e quatro netos,
todos mestiços e sobreviviam de esmolas e caridade dos moradores. O viajante
havia sido recebido em Queluz pelo amigo Luís Dias Novaes, deputado
provincial (estadual) que solicitara do governo uma verba no valor de 20:000$000
para a construção de uma ponte sobre o Paraíba. Afirma Zaluar que como Queluz fora edificada em
ambas as margens do Rio, a comunicação de um lado e de outro era feita “por uma
elegante ponte de madeira que se acaba de terminar agora, construída à custa do
governo de S. Paulo. Esta ponte substitui a rude piroga, ou canoa, em que até aqui se costumava atravessar o rio”.
Tal ponte a que se refere Zaluar foi dinamitada por ordem de Euclydes
Figueiredo durante a retirada das forças paulistas na Revolução
Constitucionalista de 1932, com a intenção de retardar o avanço das tropas
legalistas de Getúlio Vargas. O mesmo destino tiveram as pontes de Lavrinhas e
Cachoeira Paulista. Queluz é ocupada no final do dia 10 de agosto após intenso
combate com os rebeldes paulistas, sendo bombardeada pela aviação de Vargas e
canhões do Exército.
Atualmente Queluz, assim como as demais
cidades do Vale Histórico, é uma excelente opção para turistas que desejem
conhecer um pouco mais da cidade. Além da Igreja Matriz, há a casa em que morou
Júlio César Mello e Souza, escritor famoso em todo o Brasil pelo pseudônimo de
Malba Tahan, autor da obra valiosa “O homem que calculava”, utilizada até hoje
em escolas de ensino primário. Outro escritor também famoso de Queluz era João
Baptista Mello e Souza, irmão do primeiro. Devido ao passado cafeeiro, Queluz
ainda possui fazendas deste áureo período: São José, Cascata, Bela Aurora,
Sertão, Regato e Restauração. Assim como nas outras cidades como Bananal,
Areias e Silveiras, Queluz merece atenção pelo conteúdo histórico e cultural e,
vale a pena ser visitada, para podermos conhecer algo mais sobre a “Vila” dos
Puris. Até a próxima.
Eddy Carlos
Dicas para consulta.
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Antônio de.1932. Os deuses estavam com
sede. Editora Stiliano, Lorena , 1997.
MAIA
e MAIA, Thereza Regina de Camargo e Tom. O
Passado ao Vivo. FDE. São Paulo, 1988.
MARQUES,
Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos
Históricos e Geográficos da
Província de São Paulo. Biblioteca Histórica Paulista. Vol.I.
Livraria Martins Editora. São
Paulo, 1976.
MÜLLER,
Nice Lecocq. O Fato Urbano na Bacia do
Rio Paraíba – São Paulo. IBGE. Rio de Janeiro, 1969.
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Paulo Pereira dos. O indígena do Vale do
Paraíba. Coleção Paulística. Vol. XVI. Imprensa Oficial. São Paulo, 1979.
ZALUAR, Augusto Emílio. Peregrinação pela Província de São Paulo (1860-1861).
Biblioteca Histórica Paulista. Vol.
II. Livraria Martins Editora. São Paulo, 1976.
E-mail: eddycarlos@ymail.com
Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br
achei muito loko fessor
ResponderExcluirfessor voce e um otimo professor
ResponderExcluiroh fessor vc mora em cachoeira paulista
ResponderExcluirExcelente trabalho professor, meus parabéns!
ResponderExcluirAdorei seu blog!
ResponderExcluirDesculpe a longa demora em responder a vossa mensagem, pois o ofício de docente acaba tomando um demasiado tempo. Muito obrigado pelo elogio. Abraços cordiais do Prof. Eddy Carlos.
ResponderExcluirparabéns
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