terça-feira, 8 de setembro de 2015

As Palmeiras do Embaú.



                                                    
             Embora estejamos vivendo em um mundo cada vez mais globalizado, “moderno”, industrializado e em grandes centros urbanos, é inegável a falta que o verde das árvores e matas nos faz. Atualmente observamos “preocupados”, através dos meios de comunicação, o constante desmatamento que o homem pratica em prol de lucros vultosos. Mas o que fazemos para impedir que tal ocorra? Nada; ficamos em atitude passiva, vendo a destruição de imensas florestas nativas, porque “o progresso não pode parar”. Nós mesmos praticamos ato semelhante ao cortar uma árvore em nosso quintal (nas cidades quintal hoje é raríssimo) ou em algum sítio ou fazenda. Desde a chegada de Cabral a agressão ao meio ambiente tem sido prática constante. O objetivo sempre foi o de enriquecer rápido. Passando pela extração do pau-brasil, da derrubada das matas nativas para o cultivo de cana-de-açúcar, café, algodão e para a pecuária, a intenção do homem europeu “branco”, “desbravador”, “civilizado”, era, e ainda é, a de auferir riquezas, alterando a natureza para o seu “conforto” e “bem-estar”.
          Não é por acaso que hoje enfrentamos uma séria crise no abastecimento de água, com reservatórios, córregos e rios diminuindo de volume ou secarem completamente. A outrora imensa Mata Atlântica, verdadeira “muralha” verde do litoral brasileiro praticamente desapareceu. Estendendo-se pelo litoral, desde o Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte, além de partes do interior de São Paulo, Rio de Janeiro  e Minas Gerais, restam apenas 2% de sua área original. O mesmo ocorre com o Cerrado no Planalto Central, o complexo do Pantanal e a Floresta Amazônica. Essa última começou a ser agredida sistematicamente durante o Governo Militar (1964-1985), com a abertura da “Rodovia” Transamazônica, e desde então o desmatamento não para. O absurdo é que mesmo com as precárias condições de fiscalização, os madeireiros e donos de carvoarias que foram autuados com pesadas multas, respondendo ainda pelo crime ambiental foram anistiados recentemente pelo Governo Federal. A condição era que não desmatassem mais e o que se viu foi o aumento expressivo de árvores derrubadas.
            Mesmo tendo iniciada no século XVI a derrubada das matas, ainda era imensa a quantidade de árvores nativas na Província de São Paulo e no Vale do Paraíba no início do século XIX. Os relatos de viajantes como Spix e Martius, de Saint-Hilaire e de Zaluar já em 1860, são riquíssimos nos detalhes da flora nativa. Os dois primeiros, junto com Thomas Ender, integrantes da missão científica austríaca, percorreram o Vale em 1817. Ao passar pelo vilarejo de Bananal, então parte da Vila de Areias, Spix e Martius afirmam que ao “sul de Bananal, ainda algumas serras, quase paralelamente entre si e todas cobertas de densas matas, correm de oeste para o oceano. As primeiras dessas serras, de contornos mais arredondados e de feição agradável, entre as quais se rasgam alguns luminosos vales com lagoas e campinas luxuriantes, subimo-las, em dois dias de marcha”. O relato de Saint-Hilaire também nos traz uma cena do que era a paisagem natural do Vale do Paraíba em 1822. Saindo da Província de Minas Gerais para a de São Paulo, cruzando a Serra da Mantiqueira na Garganta do Embaú, o viajante narra que logo que “se começa a descer a montanha, goza-se, por intervalos, de vista muito dilatada. A região, descortinada é cheia de mata, bastante igual e limitada por uma cadeia, a que corre mais perto do mar e a este paralela”. No seu diário de viagem, Saint-Hilaire registra que no dia 21 de março de 1822, chegava ao Porto da Cachoeira e que toda “a região percorrida até hoje está cheia de mata (...). A cerca de légua e meia daqui passamos por uma aldeiola chamada Imbanha (Embaú) e onde existe uma capela dependente da matriz de Lorena”. Ao cruzar o Rio Paraíba em balsa, o francês descreve a visão que tinha, ao longe, da Serra da Mantiqueira, “cortada por imensas florestas e a gente não pode cansar-se de contemplar uma paisagem que tem, ao mesmo tempo, algo de risonho e majestoso”. Quase quarenta anos mais tarde, Zaluar ao passar pela Vila de Queluz descreve a visão que tinha do alto da montanha, ao observar que no “fundo de um vale delicioso desdobra-se a toalha límpida e clara das águas do Paraíba, que de uma a outra margem beijam preguiçosas as casinhas pitorescas da povoação, em número de noventa e cinco”. Bem diferente dos dias de hoje. Porém, as matas eram consideradas um obstáculo para o cultivo da rubiácea e, por isso, eram derrubadas impiedosamente.
            Todavia, o conceito de ajardinamento e arborização de ruas, avenidas e praças nos centros urbanos chegara ao Brasil nas últimas décadas do século XIX, mais precisamente no crepúsculo do Império e aurora da República. Para enfeitar tais ruas e praças as autoridades públicas adotam a palmeira imperial, introduzida no Brasil por Dom João VI, com a inauguração do Jardim Botânico no Rio de Janeiro no ano de 1809. Batizada como Roystonea oleracea, a palmeira imperial, segundo o Instituto Aprenda Bio, é originária do norte da Venezuela, nordeste da Colômbia e das Antilhas. Mas a muda que o monarca português plantou no Jardim Botânico, e que durou até 1972, foi contrabandeada das Ilhas Maurício pelo oficial da Armada Real, Luís Vieira e Silva. Espalhando-se pelo Rio de Janeiro, as palmeiras ganharam o vale fluminense, passando para o vale paulista. As mesmas passaram a enfeitar as paisagens rurais das fazendas de café e só no final dos oitocentos passaram a embelezar as cidades. Dessa forma, as palmeiras imperiais acabaram se transformando em um dos símbolos do poder monárquico. Aos poucos, diversas cidades e vilas passaram a plantar as palmeiras nos largos da Câmara e Cadeia, além das praças. Como o Governo Imperial enfrentava séria crise política após a Guerra do Paraguai e das Questões Religiosa e Militar, as autoridades incentivavam o plantio das referidas palmeiras, cujo objetivo era enaltecer o poder imperial. Podemos citar a cidade de Taubaté, como a primeira que plantou as árvores em 1881 na Rua Conselheiro Moreira de Barros. Outra cidade que adotou as palmeiras imperiais foi Lorena. Segundo José Geraldo Evangelista, era “a preocupação de todos os moradores tornar a cidade formosa. (....). É a época em que as primeiras palmeiras imperiais são plantadas, e depois replantadas, inicialmente na Rua Viscondessa de Castro Lima (em 1884), e posteriormente no Largo da Matriz, no Largo Imperial (iniciado em 1888) e, finalmente, na nova Praça de São Benedito”. As obras do Largo Imperial foram demoradas, sendo concluídas em 1890. A atuação das autoridades imperiais torna-se evidente, quando o Ministério da Agricultura faz a doação de 50 palmeiras, além do gramado; mesmo com o aparato a obra só é concluída no Governo Republicano. Não temos informações precisas, mas Bananal, outrora considerada a capital econômica do Império teve ruas, praças e largos ornamentadas com as palmeiras, e infelizmente foram arrancadas logo do cenário urbano.
         Apesar da queda da monarquia, os novos governantes prosseguem no plantio das palmeiras imperiais. Logo de início, no entanto, as autoridades republicanas tratam de eliminar tudo o que representasse o regime deposto no dia 15 de novembro de 1889, alterando nomes de ruas, praças e edifícios públicos, alcem de algumas cidades. Mas parecem que não se incomodaram com as palmeiras plantadas a partir da década de 1890, como é o caso de São José dos Campos, que plantou em 1896 várias palmeiras ao longo da antiga Rua da Estação, (atual Avenida Dr. João Guilhermino, onde ainda restam 4 de pé). Outras foram plantadas e continuam também de pé, na Fazenda Santana do Rio Abaixo, próximo da antiga fábrica, Tecelagem Paraíba. Outros municípios do Vale iriam adotar as palmeiras imperiais como símbolo de embelezamento de praça pública, como a Vila de Nossa Senhora da Conceição do Cruzeiro, então sediada no Embaú. Elevado à condição de Freguesia em 1846 e à município em 1871, o Embaú desmembra-se da Vila de Lorena com a instalação da Câmara Municipal em 1873. Como qualquer vila, as primeiras providências são a de organizar a administração, adquirindo o edifício para o funcionamento da Câmara e Cadeia. Porém, a emancipação do Embaú ocorre num período em que o café começa a se estagnar como meio produtivo e a implantação da ferrovia longe de sua sede faria com que logo perdesse essa prerrogativa. Ainda que passando por terras do município, na Fazenda Boa Vista, a ferrovia não garante ao Embaú progresso e desenvolvimento. Pelo contrário, com o entroncamento ferroviário para o Sul de Minas Gerais em 1884, surge um novo núcleo urbano, o Povoado da Estação, que iria arrebatar o centro das atenções político-econômicas, culminando com a transferência da sede administrativa em outubro de 1901, dando origem à atual cidade de Cruzeiro.
           Entretanto, ainda assim e a despeito do antagonismo político entre os partidários do Major Novaes e do Major Chrispim Bastos, a antiga elite do Embaú procurava sempre manter o local em ordem. Entre os anos de 1895 a 1898 a Câmara Municipal foi ocupada pelos vereadores Capitão Avelino Bastos, Capitão José de Godoy Fleming, Tenente João da Mata Coelho, Tenente Joaquim Pereira Amorim, Manoel Joaquim de Almeida e José Perrony. Nesse período, o Capitão Avelino Bastos faz o plantio de 10 palmeiras imperiais em um terreno público defronte ao prédio da Câmara Municipal do Embaú, e de 2 em uma chácara próxima, que pertenceu mais tarde ao seu sobrinho Pedro Bastos. Tais palmeiras atingiram a altura de 30 metros e durante sete décadas embelezou o antigo Largo da Câmara e Cadeia do Embaú. Avelino Bastos descendia de pessoas da elite da Vila de Lorena, que possuíam propriedades no Embaú desde tempos remotos. Era neto do comerciante português, Antônio Luís Domingues Bastos, que já atuava na referida vila desde 1815. Filho de Manoel Luís Domingues Bastos e Ubaldina Gomes de Castro Bastos, Avelino era irmão de, entre outros, Minervina de Castro, casada com Francisco de Godoy Fleming, o “Velho Chicão”, líder político e vereador no Embaú no período imperial; Ricarda de Castro, casada com João de Godoy Fleming, proprietários da Fazenda Godoy; Manoel Luís, também fazendeiro no Embaú, além do Major Chrispim Bastos, casado com Cândida Gomes Serapião, proprietários da Fazenda Rio Branco. Assim como o irmão e demais familiares, o Capitão Avelino prosseguiu na carreira política, principalmente após a transferência da sede do município em 1901. Segundo o historiador Carlos Borromeu de Andrade, entre 1902 e 1905 o Presidente da Câmara Municipal de Cruzeiro foi o Major Chrispim Bastos; entre 1908 e 1910 e de 1911 a 1919, a presidência da Casa foi exercida pelo Capitão Avelino Bastos, ocupando ainda em 1919 o cargo de Prefeito de Cruzeiro. Em 1921 foi sub-prefeito do Embaú, então Distrito de Cruzeiro até 1934 quando é anexado à Cachoeira Paulista. Nesse meio tempo, as palmeiras continuariam a ilustrar a paisagem bucólica, pitoresca e tranquila de uma povoação que havia sido sede de município e que caminhava para a estagnação e relativo esquecimento ao longo do século XX. O antigo Largo da Câmara passou a ser utilizado, então, para lazer, comícios políticos e demais atos públicos e cerimônias religiosas, como as comemorações da Semana Santa e a festa da padroeira, realizada no mês de dezembro. O local foi cenário também do evento cívico-político da posse do Embaú por Cachoeira. A comitiva oficial do Prefeito Agostinho Ramos chega ao Embaú no dia 19 de agosto de 1934. Apesar de não mencionar nenhuma das palmeiras, o próprio Agostinho afirma que recebida “a comitiva, na porta do posto policial (antiga Câmara), ahi foram saudadas as autoridades cachoeirenses pelo Sr. José de Oliveira Montenegro, que proferiu expressiva oração. Chovia, e assim sendo, ingressaram todos no amplo salão das autoridades do juizado de paz no prédio referido. (...). Após essa reunião, dirigiram-se todos à casa do sr. Francisco Bastos (filho de Avelino).onde foram fidalgamente, tratados”.
           Contudo, no final da década de 1960, quando já funcionava na antiga Câmara o Grupo Escolar “Profª Maria Izabel Fontoura”, as palmeiras imperiais começaram a “incomodar” algumas pessoas, principalmente a diretora da instituição. Sob o argumento de que as folhas das árvores caíam no telhado da escola e de quatro casas próximas, a ilustre diretora liderou um movimento, acompanhado de um abaixo-assinado que, encaminhado à Prefeitura Municipal da Cachoeira Paulista, solicitava o corte das árvores. Ainda que o então prefeito da cidade recusava-se, aparentemente, a compartilhar com tal movimento, as belas palmeiras, símbolo de uma era do passado, foram postas abaixo, salvando-se apenas as que estavam na propriedade de Francisco Bastos. A derrubada das palmeiras gerou revolta e consternação no Embaú e Cachoeira. Através do extinto jornal cachoeirense “Frente”, o cidadão embauense Laudelino de Jesus Godoy, sobrinho-neto do Capitão Avelino Bastos, publicou um enérgico manifesto contra a atitude da diretora do Grupo Escolar. O referido jornal era de publicação mensal e o artigo de Laudelino foi publicado na página 4, da edição nº 5, de novembro de 1968. Em seu texto, Laudelino afirma que durante “a longa existência dessas palmeiras—mais de 70 anos—nunca se registrou um único acidente com a queda de folhas. (...) eram como que sentinelas do lugar. Faziam parte da paisagem bucólica, assim como o faz a Serra da Mantiqueira, qual pano de fundo”. A indignação do autor é clara quando acusa a diretora da escola e o prefeito de Cachoeira, sem citar seus nomes, como mentores da barbárie praticada durante dois dias em um intervalo de vinte. Vale a pena transcrevermos as palavras do próprio Laudelino, quando indaga como “a Sra. Diretora irá justificar a necessidade, junto aos seus alunos, do plantio de árvores, quando ela mesma se mostra inimiga das mesmas? Enquanto ensina seus alunos a plantar couve ao lado do grupo, mostra-lhes com que facilidade se derrubam 10 quase octogenárias Palmeiras Imperiais”. O autor do manifesto afirma ainda que, apesar de negar participação no ato, um aliado do prefeito, vereador José Mário, “abraçou” a ideia. Segundo Laudelino, o político era “o homem indicado para essa difícil tarefa. Não teria escrúpulos em pisotear os direitos, as tradições e mesmo a amizade que liga os habitantes do Embaú aos de Cachoeira”. Revoltado, Laudelino afirma que recorreu pessoalmente à antiga D.R. Florestal, sediada em Cruzeiro, e às altas autoridades da Polícia Florestal na capital. Tudo em vão. Sendo assim, no dia 12 de setembro de 1968, o vereador José Mário e alguns funcionários da Prefeitura chegam ao antigo Largo da Câmara para, atendendo aos anseios da diretora da escola, dar início ao que chamaríamos hoje de crime ambiental. Nesse dia foram cortadas 6 árvores, pois 3 já estariam condenadas e as outras para atender os “pedidos”. No dia 1º de outubro, o próprio prefeito, junto com José Mário e os funcionários, chegam ao Embaú para continuar a derrubada das árvores, eliminando as 4 restantes. A presença do prefeito confirma sua participação no plano hediondo e ignomioso da diretora da escola, segundo Laudelino, o qual afirma ainda que o “que os ventos e as tempestades não conseguiram em 70 anos, conseguiram os machados criminosos da Prefeitura em poucas horas”. Laudelino encerra seu manifesto com uma preocupação com outro símbolo do Embaú. Para ele havia restado só “a Igreja. Tememos porém que o seu destino seja idêntico ao das palmeiras”.
           Infelizmente, as palmeiras imperiais do Largo da Câmara do Embaú pertencem ao passado e à nossa memória. Por outro lado, as autoridades municipais e escolares não conseguiram—e nem podiam---derrubar as 2 que ainda estão de pé, com mais de 120 anos, na antiga propriedade de Pedro Bastos, hoje de outra família. O autor do presente artigo não conheceu as palmeiras imperiais do Embaú, mas lembra-se do que delas restou, os troncos no cepo, a partir de 1977, quando é matriculado na então E.E.P.G. “Profª Maria Izabel Fontoura”, lembrando-se ainda da história do caso contada por seu avô materno, Sr. Antônio Quirino de Souza. As marcas do crime bestial praticado desapareceram no início da década de 1990, quando o antigo Largo passa por obras da Prefeitura Municipal para a construção da Praça “Luís Carlos Martins Fleming”, jovem vereador, assassinado em 1986, sobrinho de Laudelino de Jesus Godoy. O vaticínio de Laudelino, referente à Igreja do Embaú, lamentavelmente cumpriu-se parcialmente no início dos anos 2000, assunto para um próximo artigo. Até a próxima.
                                                                                                        Eddy Carlos.


Dicas para consulta.

ANDRADE, Carlos Borromeu de. Os Pioneiros da História de Cruzeiro. Centro Educacional Objetivo/CERED. Caçapava, 1994.

EVANGELISTA, José Geraldo. Lorena no Século XIX. Coleção Paulística. Vol. VII. Imprensa Oficial. São Paulo, 1978.

GODOY, Laudelino de Jesus. Crime ou Arbitrariedade? Artigo publicado no jornal “Frente”.  Cachoeira Paulista. Edição nº 5 de novembro de 1968.

RAMOS, Agostinho. Cachoeira Paulista. 1780-1970. Vol. I. IHGSP, São Paulo, 1971.

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda Viagem a São Paulo. Biblioteca Histórica Paulista. Vol. VI. São Paulo, 1976.

SPIX e MARTIUS, Johann Baptist von e Carl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil. Volume único. Ed. Melhoramentos. São Paulo, 1976.

E-mail: eddycarlos@ymail.com

Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br

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