O Rancho dos Silveiras.
Assim como já
mencionamos em artigos anteriores, a abertura do Caminho Novo da Piedade impulsionou
o surgimento de diversos núcleos habitacionais que, ao longo do tempo, transformaram-se
nas atuais cidades que compõe o denominado Vale Histórico. Tal ocorreu com
Bananal, Arapeí, São José do Barreiro, Areias e Silveiras, esta última nosso
foco de análise do presente artigo. Próximo à junção de dois ribeirões (o
também chamado “Silveiras” e o “Guedes”) que por sua vez deságuam no
“Itagaçaba”, afluente do Rio Paraíba, surgiu em fins do século XVIII, um
simples e rústico povoado, iniciado pelo capitão José Ventura de Abreu e
Francisco Guedes de Siqueira, com a construção de uma pequena capela por volta
de 1780. Através do incentivo oferecido pelas autoridades coloniais com o
beneplácito da Coroa portuguesa, como a concessão de sesmarias, algumas
famílias estabelecem-se no local, como por exemplo, os Ramos, os Ferreiras, os
Castros, os Rodrigues e os Silveiras. Estes últimos, constituíam duas famílias:
os Silveira Guimarães e os Rego da Silveira, ambas com numerosíssima prole, e
seriam oriundas de Pindamonhangaba e
fixam-se na região, devido aos citados incentivos do governo lusitano.
Com a intensificação do movimento de
tropeiros, indo e voltando da Corte ( Rio de Janeiro), os irmãos Silveiras
construíram um amplo rancho, que servia de pouso e descanso tanto para os
condutores como para as mulas após longo trajeto.No referido rancho, os
tropeiros além de descanso e pousada encontravam comida para se refazerem da
jornada e capim fresco para os animais extenuados. Dessa forma, tropeiros e
viajantes passaram a referir o local como sendo o “Rancho dos Silveiras”, o que
proporcionou, para manter o nome até os dias atuais. Ao longo de todas as rotas
comerciais, o único meio de transporte de mercadorias era o muar, conduzido
pelo tropeiro até o advento da ferrovia. Era comum, então, surgirem ranchos e
pousadas que serviam aos viajantes que, não raro, eram explorados pelos
proprietários dos referidos ranchos, tanto no preço como na qualidade e asseio
de alimentos e hospedagem. Não tivemos conhecimento de que o mesmo ocorria no
Rancho dos Silveiras.
Entretanto, ao regressar para o Rio de Janeiro, o botânico francês
Saint-Hilaire, mesmo trafegando pela região, não menciona o rancho do sapé (que
supomos ser o atual bairro do Sapé em Cachoeira Paulista) e o rancho do Ramos;
provavelmente da família Ramos que auxiliou na povoação de Silveiras. Em 1822,
após o périplo do referido botânico, o Príncipe Dom Pedro ao realizar a jornada
da independência, teria sido recebido com todas as honras por Antônio Pinto da
Silveira, seguindo até Lorena onde pernoitou. Sendo assim, no dia 9 de dezembro
de 1830, o agora conhecido bairro dos Silveiras, então parte integrante de
Lorena, é elevado à Freguesia com a instalação da paróquia, através de um ato
da Assembléia Geral do Império (equivale ao Congresso Nacional), segundo a
análise do pesquisador silveirense Ocílio Ferraz. Seguindo a evolução
político-administrativa, a então Freguesia dos Silveiras é elevada à condição
de Vila pela Lei Provincial nº. 12, datada de 28 de fevereiro de 1842. A instalação, porém,
do município foi adiada em pelo menos dois anos, devido às conturbações
políticas envolvendo as Províncias de São Paulo e Minas Gerais. Em artigo
anterior intitulado “Os Liberais em Armas”, discorremos sobre a Revolução
Liberal de 1842, sendo líderes, em São Paulo, Rafael Tobias de Aguiar e em Minas Gerais, Teófilo
Otoni, entre outros. Aludimos também a participação, nas províncias rebeladas,
de padres que seguiram os políticos liberais. É o caso do Padre Manoel
Theotônio de Castro que assumiu a chefia
do movimento armado em Lorena, sendo que
em Silveiras, puseram-se à testa da revolta o Padre Manuel Félix de Oliveira, o
juiz de paz Anacleto Ferreira Pinto e Francisco Félix de Castro. A casa
paroquial de Silveiras transformou-se no centro de debates e conspiração, onde
os líderes rebeldes aliciaram os comandantes e soldados da Guarda Nacional. Como
é sabida a reação governamental manipulada pelo Partido Conservador foi
truculenta, desproporcional e impiedosa.
Comandando as hostes
imperiais, Luís Alves de Lima e Silva, então Barão de Caxias, após destroçar as
forças de Tobias de Aguiar em Sorocaba e prender o Padre Diogo Antônio Feijó,
comunica ao Barão de Monte Alegre, Presidente da Província de São Paulo, o que
estava reservado a Silveira. Nas
palavras do próprio Caxias, “os rebeldes de Silveiras forão os únicos
que offerecerão alguma resistência e por
isso pagarão caro a sua audácia”. Entrincheirados em Silveiras, os rebeldes
comandados por Anacleto Ferreira Pinto e pelo referido padre de Lorena,
transformaram o local no último baluarte da Revolução Liberal e no dia 12 de
julho houve o assalto final dos legalistas. Ocorreu em Silveiras um “banho” de
sangue e a data ficou gravada na memória tanto de silveirenses como de
lorenenses, devido à violência exercida pelas forças imperiais. Quase um mês
antes, para facilitar a repressão, o Governo Imperial, através do Decreto nº.
180, de 18 de junho de 1842, desanexou da Província de São Paulo e incorporou à
do Rio de Janeiro as Vilas de Areias, Bananal, Cunha, Lorena, Guaratinguetá,
Queluz e Silveiras. Após debelar a revolta, o governo emite outro Decreto, o de
nº 216,
de 29 de agosto de 1842, revogando o anterior e reincorporando os
citados municípios a São Paulo.
Entretanto, mesmo
prendendo e processando os líderes do movimento, o imperador concede a anistia
a todos os envolvidos. Em 1844, os liberais tornam-se a situação com o Partido
Liberal chefiando o gabinete de governo, tendo a frente José Carlos Pereira de
Almeida Torres (futuro Visconde de Macaé) e na pasta da justiça Manuel Alves
Branco, um dos líderes do movimento em Minas Gerais. Sendo
assim, a anistia é decretada no dia 14 de março de 1844, e finalmente no dia 6
de janeiro de 1845 é instalada pelas autoridades de Lorena, a primeira
legislatura da Câmara Municipal da Vila dos Silveiras. Os vereadores que
tomaram posse foram: Tenente Anacleto Ferreira Pinto, Alferes, Francisco Lescura
Banher, Capitão José Ventura de Abreu, Alferes Cláudio Ribeiro da Silva,
Vigário Manuel Félix de Oliveira, Capitão Manuel Alves de Sene e Manuel Inácio
da Silveira. Quinze anos mais tarde, a Vila dos Silveiras recebe a visita de
Augusto Emílio Zaluar, destacando a lavoura cafeeira que produzia em 1860
150.000 arrobas, aproximadamente. Sobre o caráter do povo silveirense, Zaluar
afirma que “é ameno, progressista, e o seu espírito de fraternidade é digno de
louvor e da estima daqueles que o visitam”. O viajante também elogia o chafariz
instalado na terceira praça da Vila, mas lamenta o fato de o mesmo não ter água
para a sua utilização, devido a falta de recursos para o encanamento. Por outro
lado, Azevedo Marques afirma em 1876, que além do café, os habitantes de
Silveiras plantavam também, algodão, cana-de-açúcar e cereais, sendo que a
população era de 6.071 almas, das quais 1.309 eram escravos. Entre 1869 e 1870,
as rendas públicas de Silveiras eram as seguintes: Arrecadação Geral –
9:268$831; Provincial – 4:679$721 e Municipal – 3:710$000, totalizando em
17:658$ 552 em impostos recolhidos.
Todavia, se a abertura
do “Caminho da Piedade”, mais tarde conhecida como Estrada Geral, foi um dos
fatores do povoamento e desenvolvimento de Silveiras e adjacências, o
surgimento da ferrovia contribui para o início de sua estagnação e ostracismo.
O transporte ferroviário dinamiza o escoamento das sacas de café, agilizando a
sua exportação. Nas cidades servidas pela estrada de ferro, ocorreu um surto
econômico, inclusive com o transporte de passageiros. Interligando São Paulo e
Rio de Janeiro, a ferrovia “deixou” de lado as cidades que hoje compõe o Vale
Histórico. Os senhores de Bananal resolveram a situação criando a sua própria
ferrovia, como já analisamos, também em
artigo anterior. As demais cidades necessitavam ainda transportar em
lombo de mula, os sacos até a estação mais próxima, como é o caso de Silveiras
que utilizava a estação da futura Cachoeira Paulista – até 1880 pertencente a
Lorena. Mas a decadência cafeeira iria piorar a situação não só de Silveiras,
mas de todo o Vale do Paraíba, devido ao esgotamento do solo e a queda do preço
das sacas no mercado internacional.
Sendo assim, Silveiras
vive um período de “esquecimento” ao longo do século XX, mas torna-se novamente
cenário de lutas, sendo duramente bombardeada pelas forças legalistas de
Getúlio Vargas em 1932. Noventa anos depois, Silveiras revive a experiência que
passara na Revolução Liberal. Na Revolução Constitucionalista, os mesmos ideais
são proclamados com os mesmos resultados. Silveiras, entretanto, resistiu
apesar da decadência econômica, escapando de ter o mesmo destino do Jatahy e
nos fins da década de 1970 e início da de 1980, os silveirenses resgatam a
história e a tradição das cidades. Diversas personalidades contribuíram para o
ressurgimento de Silveiras com a criação da Fundação Nacional do Tropeirismo,
onde o símbolo do renascimento é o tropeiro que muito auxiliou no desbravamento
não só do local, mas do Brasil. Através de simpósios, palestras, festas
tradicionais, apoiadas por entidades como o IEV, CESP e órgãos governamentais a
reabilitação de Silveiras tornou-se realidades. Dentre os vários colaboradores
podemos mencionar Francisco Sódero Toledo, Ocílio Ferraz, José Luiz Pasin,
Nelson Pesciotta, Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia, que com o trabalho
em equipe despertou a consciência adormecida dos habitantes de Silveiras e de
todo o Vale do Paraíba. E para homenagear o herói que foi o tropeiro, o trecho
da antiga Rodovia Washington Luís – Estrada Velha São Paulo-Rio que fôra a Estrada
Geral e o mesmo Caminho Novo da Piedade – em Cachoeira Paulista
no entroncamento com a Rodovia Presidente Dutra, passa a chamar-se Rodovia dos
Tropeiros, desse ponto até Bananal. Tal ocorreu através do Decreto nº. 20.184,
de 15 de dezembro de 1982, assinado pelo Governador do Estado de São Paulo,
José Maria Marin, criando a SP-66. Recentemente a mesma foi rebatizada como Estrada
dos Tropeiros, configurando uma justa homenagem ao próprio tropeiro, visto que
em sua época não existiam rodovias e sim, estradas. Até a próxima.
Eddy Carlos.
Dicas para
consulta.
ANDRADE, Antônio de. 1932. Os
deuses estavam com sede. Editora Stiliano. Lorena, 1997.
FERRAZ, Ocílio José Azevedo. Voltando
às origens. Publicação da CESP. São Paulo, 1984.
MARQUES, Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos
da Província de São Paulo.
Tomo I. Biblioteca Histórica
Paulista. Vol.I. Livraria Martins Editora. São Paulo, 1976.
RODRIGUES, Antônio da Gama. Gens
Lorenensis. Do Sertão de Guaypacaré à Formosa
Cidade de Lorena. Coleção
Lorenense.Vol.VI.HL2 Gráfica e Editora. Lorena, 2002.
TOLEDO, Francisco Sodéro. Em Busca
das Raízes. Editora Santuário. Aparecida, 1988.
ZALUAR, Augusto Emílio. Peregrinação
pela Província de São Paulo (1860-1861).
Biblioteca Histórica Paulista. Vol. II. Livraria Martins Editora. São
Paulo, 1976.
E o destino final do parlamentar e sub delegado empossado, Cap. Manoel Alves de Sene?
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