quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O Rancho dos Silveiras.



                                           O Rancho dos Silveiras.


           Assim como já mencionamos em artigos anteriores, a abertura do Caminho Novo da Piedade impulsionou o surgimento de diversos núcleos habitacionais que, ao longo do tempo, transformaram-se nas atuais cidades que compõe o denominado Vale Histórico. Tal ocorreu com Bananal, Arapeí, São José do Barreiro, Areias e Silveiras, esta última nosso foco de análise do presente artigo. Próximo à junção de dois ribeirões (o também chamado “Silveiras” e o “Guedes”) que por sua vez deságuam no “Itagaçaba”, afluente do Rio Paraíba, surgiu em fins do século XVIII, um simples e rústico povoado, iniciado pelo capitão José Ventura de Abreu e Francisco Guedes de Siqueira, com a construção de uma pequena capela por volta de 1780. Através do incentivo oferecido pelas autoridades coloniais com o beneplácito da Coroa portuguesa, como a concessão de sesmarias, algumas famílias estabelecem-se no local, como por exemplo, os Ramos, os Ferreiras, os Castros, os Rodrigues e os Silveiras. Estes últimos, constituíam duas famílias: os Silveira Guimarães e os Rego da Silveira, ambas com numerosíssima prole, e seriam oriundas de Pindamonhangaba  e fixam-se na região, devido aos citados incentivos do governo lusitano.
            Com a intensificação do movimento de tropeiros, indo e voltando da Corte ( Rio de Janeiro), os irmãos Silveiras construíram um amplo rancho, que servia de pouso e descanso tanto para os condutores como para as mulas após longo trajeto.No referido rancho, os tropeiros além de descanso e pousada encontravam comida para se refazerem da jornada e capim fresco para os animais extenuados. Dessa forma, tropeiros e viajantes passaram a referir o local como sendo o “Rancho dos Silveiras”, o que proporcionou, para manter o nome até os dias atuais. Ao longo de todas as rotas comerciais, o único meio de transporte de mercadorias era o muar, conduzido pelo tropeiro até o advento da ferrovia. Era comum, então, surgirem ranchos e pousadas que serviam aos viajantes que, não raro, eram explorados pelos proprietários dos referidos ranchos, tanto no preço como na qualidade e asseio de alimentos e hospedagem. Não tivemos conhecimento de que o mesmo ocorria no Rancho dos Silveiras.
Entretanto, ao regressar para o Rio de Janeiro, o botânico francês Saint-Hilaire, mesmo trafegando pela região, não menciona o rancho do sapé (que supomos ser o atual bairro do Sapé em Cachoeira Paulista) e o rancho do Ramos; provavelmente da família Ramos que auxiliou na povoação de Silveiras. Em 1822, após o périplo do referido botânico, o Príncipe Dom Pedro ao realizar a jornada da independência, teria sido recebido com todas as honras por Antônio Pinto da Silveira, seguindo até Lorena onde pernoitou. Sendo assim, no dia 9 de dezembro de 1830, o agora conhecido bairro dos Silveiras, então parte integrante de Lorena, é elevado à Freguesia com a instalação da paróquia, através de um ato da Assembléia Geral do Império (equivale ao Congresso Nacional), segundo a análise do pesquisador silveirense Ocílio Ferraz. Seguindo a evolução político-administrativa, a então Freguesia dos Silveiras é elevada à condição de Vila pela Lei Provincial nº. 12, datada de 28 de fevereiro de 1842. A instalação, porém, do município foi adiada em pelo menos dois anos, devido às conturbações políticas envolvendo as Províncias de São Paulo e Minas Gerais. Em artigo anterior intitulado “Os Liberais em Armas”, discorremos sobre a Revolução Liberal de 1842, sendo líderes, em São Paulo, Rafael Tobias de Aguiar e em Minas Gerais, Teófilo Otoni, entre outros. Aludimos também a participação, nas províncias rebeladas, de padres que seguiram os políticos liberais. É o caso do Padre Manoel Theotônio  de Castro que assumiu a chefia do movimento armado  em Lorena, sendo que em Silveiras, puseram-se à testa da revolta o Padre Manuel Félix de Oliveira, o juiz de paz Anacleto Ferreira Pinto e Francisco Félix de Castro. A casa paroquial de Silveiras transformou-se no centro de debates e conspiração, onde os líderes rebeldes aliciaram os comandantes e soldados da Guarda Nacional. Como é sabida a reação governamental manipulada pelo Partido Conservador foi truculenta, desproporcional e impiedosa.
           Comandando as hostes imperiais, Luís Alves de Lima e Silva, então Barão de Caxias, após destroçar as forças de Tobias de Aguiar em Sorocaba e prender o Padre Diogo Antônio Feijó, comunica ao Barão de Monte Alegre, Presidente da Província de São Paulo, o que estava reservado a Silveira. Nas  palavras do próprio Caxias, “os rebeldes de Silveiras forão os únicos que offerecerão  alguma resistência e por isso pagarão caro a sua audácia”. Entrincheirados em Silveiras, os rebeldes comandados por Anacleto Ferreira Pinto e pelo referido padre de Lorena, transformaram o local no último baluarte da Revolução Liberal e no dia 12 de julho houve o assalto final dos legalistas. Ocorreu em Silveiras um “banho” de sangue e a data ficou gravada na memória tanto de silveirenses como de lorenenses, devido à violência exercida pelas forças imperiais. Quase um mês antes, para facilitar a repressão, o Governo Imperial, através do Decreto nº. 180, de 18 de junho de 1842, desanexou da Província de São Paulo e incorporou à do Rio de Janeiro as Vilas de Areias, Bananal, Cunha, Lorena, Guaratinguetá, Queluz e Silveiras. Após debelar a revolta, o governo emite outro Decreto, o de nº 216, de 29 de agosto de 1842, revogando o anterior e reincorporando os citados municípios a São Paulo.
         Entretanto, mesmo prendendo e processando os líderes do movimento, o imperador concede a anistia a todos os envolvidos. Em 1844, os liberais tornam-se a situação com o Partido Liberal chefiando o gabinete de governo, tendo a frente José Carlos Pereira de Almeida Torres (futuro Visconde de Macaé) e na pasta da justiça Manuel Alves Branco, um dos líderes do movimento em Minas Gerais. Sendo assim, a anistia é decretada no dia 14 de março de 1844, e finalmente no dia 6 de janeiro de 1845 é instalada pelas autoridades de Lorena, a primeira legislatura da Câmara Municipal da Vila dos Silveiras. Os vereadores que tomaram posse foram: Tenente Anacleto Ferreira Pinto, Alferes, Francisco Lescura Banher, Capitão José Ventura de Abreu, Alferes Cláudio Ribeiro da Silva, Vigário Manuel Félix de Oliveira, Capitão Manuel Alves de Sene e Manuel Inácio da Silveira. Quinze anos mais tarde, a Vila dos Silveiras recebe a visita de Augusto Emílio Zaluar, destacando a lavoura cafeeira que produzia em 1860 150.000 arrobas, aproximadamente. Sobre o caráter do povo silveirense, Zaluar afirma que “é ameno, progressista, e o seu espírito de fraternidade é digno de louvor e da estima daqueles que o visitam”. O viajante também elogia o chafariz instalado na terceira praça da Vila, mas lamenta o fato de o mesmo não ter água para a sua utilização, devido a falta de recursos para o encanamento. Por outro lado, Azevedo Marques afirma em 1876, que além do café, os habitantes de Silveiras plantavam também, algodão, cana-de-açúcar e cereais, sendo que a população era de 6.071 almas, das quais 1.309 eram escravos. Entre 1869 e 1870, as rendas públicas de Silveiras eram as seguintes: Arrecadação Geral – 9:268$831; Provincial – 4:679$721 e Municipal – 3:710$000, totalizando em 17:658$ 552 em impostos recolhidos.
           Todavia, se a abertura do “Caminho da Piedade”, mais tarde conhecida como Estrada Geral, foi um dos fatores do povoamento e desenvolvimento de Silveiras e adjacências, o surgimento da ferrovia contribui para o início de sua estagnação e ostracismo. O transporte ferroviário dinamiza o escoamento das sacas de café, agilizando a sua exportação. Nas cidades servidas pela estrada de ferro, ocorreu um surto econômico, inclusive com o transporte de passageiros. Interligando São Paulo e Rio de Janeiro, a ferrovia “deixou” de lado as cidades que hoje compõe o Vale Histórico. Os senhores de Bananal resolveram a situação criando a sua própria ferrovia, como já analisamos, também em  artigo anterior. As demais cidades necessitavam ainda transportar em lombo de mula, os sacos até a estação mais próxima, como é o caso de Silveiras que utilizava a estação da futura Cachoeira Paulista – até 1880 pertencente a Lorena. Mas a decadência cafeeira iria piorar a situação não só de Silveiras, mas de todo o Vale do Paraíba, devido ao esgotamento do solo e a queda do preço das sacas no mercado internacional.
          Sendo assim, Silveiras vive um período de “esquecimento” ao longo do século XX, mas torna-se novamente cenário de lutas, sendo duramente bombardeada pelas forças legalistas de Getúlio Vargas em 1932. Noventa anos depois, Silveiras revive a experiência que passara na Revolução Liberal. Na Revolução Constitucionalista, os mesmos ideais são proclamados com os mesmos resultados. Silveiras, entretanto, resistiu apesar da decadência econômica, escapando de ter o mesmo destino do Jatahy e nos fins da década de 1970 e início da de 1980, os silveirenses resgatam a história e a tradição das cidades. Diversas personalidades contribuíram para o ressurgimento de Silveiras com a criação da Fundação Nacional do Tropeirismo, onde o símbolo do renascimento é o tropeiro que muito auxiliou no desbravamento não só do local, mas do Brasil. Através de simpósios, palestras, festas tradicionais, apoiadas por entidades como o IEV, CESP e órgãos governamentais a reabilitação de Silveiras tornou-se realidades. Dentre os vários colaboradores podemos mencionar Francisco Sódero Toledo, Ocílio Ferraz, José Luiz Pasin, Nelson Pesciotta, Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia, que com o trabalho em equipe despertou a consciência adormecida dos habitantes de Silveiras e de todo o Vale do Paraíba. E para homenagear o herói que foi o tropeiro, o trecho da antiga Rodovia Washington Luís – Estrada Velha São Paulo-Rio que fôra a Estrada Geral e o mesmo Caminho Novo da Piedade – em Cachoeira Paulista no entroncamento com a Rodovia Presidente Dutra, passa a chamar-se Rodovia dos Tropeiros, desse ponto até Bananal. Tal ocorreu através do Decreto nº. 20.184, de 15 de dezembro de 1982, assinado pelo Governador do Estado de São Paulo, José Maria Marin, criando a SP-66. Recentemente a mesma foi rebatizada como Estrada dos Tropeiros, configurando uma justa homenagem ao próprio tropeiro, visto que em sua época não existiam rodovias e sim, estradas. Até a próxima.

                                                                                                             Eddy Carlos.



Dicas para consulta.
ANDRADE, Antônio de. 1932. Os deuses estavam com sede. Editora Stiliano. Lorena, 1997.

FERRAZ, Ocílio José Azevedo. Voltando às origens. Publicação da CESP. São Paulo, 1984.

MARQUES, Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos da Província de São Paulo.
Tomo I.  Biblioteca Histórica Paulista. Vol.I. Livraria Martins Editora. São Paulo, 1976.

RODRIGUES, Antônio da Gama. Gens Lorenensis. Do Sertão de Guaypacaré à Formosa
Cidade de Lorena. Coleção Lorenense.Vol.VI.HL2 Gráfica e Editora. Lorena, 2002.

TOLEDO, Francisco Sodéro. Em Busca das Raízes. Editora Santuário. Aparecida, 1988.

ZALUAR, Augusto Emílio. Peregrinação pela Província de São Paulo (1860-1861).
Biblioteca Histórica Paulista. Vol. II. Livraria Martins Editora. São Paulo, 1976.
      

Um comentário:

  1. E o destino final do parlamentar e sub delegado empossado, Cap. Manoel Alves de Sene?

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