A construção das principais ferrovias, na segunda metade do século XIX, entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo e, em terras valeparaibanas, incentivou o surgimento de outras, como a Estrada de Ferro Minas and Rio Railway, que fazia a ligação de Cruzeiro (SP) com Três Corações (MG) e a Estrada de Ferro Bananalense, ligando Bananal com a Estrada de Ferro Dom Pedro II, na Estação da Saudade. Outras também surgiriam, como E.F. da Bocaína, de São José do Barreiro, também com a “Pedro II”, e a E.F. Campos do Jordão, esta, porém, concebida para transportar tuberculosos para tratamento de saúde, na atual “Suíça brasileira”. Houve também projetos de ferrovias que não “vingaram”, como uma que faria a ligação de São Sebastião (no litoral) a São Bento do Sapucaí, passando por Paraibuna e São José dos Campos; e ainda a que ligaria Ubatuba a Taubaté, passando por São Luís do Paraitinga. Mas, uma em particular, fora idealizada, projetada e construída para fins militares. Conhecida, também como o Ramal de Benfica, esta ferrovia foi construída entre 1902 e 1907, para atender às necessidades da Fábrica de Pólvora de Piquete, que também estava em construção. Tal fábrica teve suas origens em terras da Fazenda da Estrela e representava os anseios do Ministério da Guerra em desenvolver uma indústria bélica nacional, uma vez que os equipamentos do Exército e da Marinha (ainda não havia a Aeronáutica), vinham do exterior e sempre com restrições tecnológicas.
Segundo a análise de Antônio
Carlos Monteiro Chaves, com a construção da Estrada de Ferro Minas and Rio
Railway, e o surgimento da atual cidade de Cruzeiro, “a população
valeparaibana, bem como a do sul de Minas regozijaram-se com o esperado surto
de progresso e crescimento que o novo meio traria às regiões. Minas se antecipa
a 10-10-1871, através da lei nº 1827, que determinava ligar Itajubá à ferrovia
D. Pedro II, em construção, passando pelo bairro do Piquete. Ainda em 1871, aos
14-02, o Decreto (MG) nº 4693 autoriza a construção de uma estrada de ferro
para ligar Itajubá à Estrada de Ferro D. Pedro II, na parte compreendida entre
as estações de Cachoeira e Lorena”. Ao mesmo tempo em que a “Pedro II” estava
sendo construída e os anseios dos cidadãos do sul de Minas eram evidentes, uma
nova ferrovia estava sendo projetada. No ano seguinte, partiam da estação do Brás,
na capital paulista, os trilhos da Estrada de Ferro São Paulo-Rio de Janeiro,
com destino à margem direita do Rio Paraíba, no Porto da Cachoeira. A “Pedro
II” chega na margem oposta em 1875, enquanto que a outra, também conhecida como
Ferrovia do Norte, chegaria em 1877. Quando a estação de Lorena foi inaugurada
em 1877, a referida população mineira, junto com a Freguesia do Piquete,
passaram a crer que uma linha férrea seria uma realidade. A expectativa
aumentou quando uma companhia inglesa iniciou a construção da ”Minas and
Rio-Railway”, nas terras da Fazenda Boa Vista, do Major Novaes, que foi inaugurada
em 1884. Antônio Carlos Monteiro Chaves afirma que essa “companhia inglesa
intentou um ramal férreo entre sua sede, na fazenda Bela Vista (sic.), e a
Freguesia do Piquete. Todavia, tal projeto não vingou, por estranho que pareça,
por falta de cooperação dos cidadãos piquetenses. Outra tentativa ocorreu
quando foram oferecidos incentivos ao Engenho Central, que tinha uma ferrovia
própria, a E.F. Santa Lucrécia, interligada com a estação de Lorena, para
construir a tão sonhada estrada. A diretoria do Engenho Central, no entanto,
não demonstrou interesse, voltando tudo à estaca zero.
Mesmo diante de várias
frustrações, uma luz surgiu no fim do túnel, no início do século XX, já no
governo republicano. E foi justamente
devido aos planos da Fábrica de Pólvora, que citamos acima, que a ferrovia
almejada começou a se tornar realidade. Conforme a análise de José Palmyro
Masiero, tão logo foram definidos os locais para a edificação da referida
fábrica e, de um sanatório militar, a medida seguinte e imediata, estava
relacionada ao transporte dos materiais para as obras. Assinala Masiero que foi
decidido “pelo início imediato do ramal férreo, que partindo da E.F.C.B., em
Lorena, atingisse o Benfica. A maior parte dos estudos para essa obra, já havia
sido levantada no séc. XIX, pela comissão chefiada pelo engenheiro Dr. Desiré
Pujol, que pretendia construí-la até as divisas com Minas Gerais, e cujos
projetos foram adquiridos pelo Exército”.
Diante disso, surge a “Comissão
de Construção do Ramal Férreo Lorena-Bemfica”, que teve como diretor inicial, o
Coronel Belarmino de Mendonça, substituído pouco tempo depois pelo
Tenente-Coronel Ignácio de Alencastro Guimarães. No dia 03 de fevereiro de
1902, o então 12º Batalhão de Infantaria chega à Lorena e parte para a Fazenda
Amarela, de propriedade de Angelina Moreira de Azevedo, mãe de Francisco de Paula
Vicente de Azevedo, o Barão da Bocaína, onde se instalou. Palmyro
Masiero afirma que esse “batalhão militar veio construir o Ramal Férreo com um
efetivo de 450 homens sob o comando do cel. Francisco Agostinho de Melo
Menezes”. Com as obras em ritmo acelerado, já em novembro de 1902, é inaugurado
um trecho da estrada pelo Ministro da Guerra, Marechal Mallet. Este é
substituído na pasta pelo Marechal Francisco de Paula Argolo, o qual determinou
que o ritmo acelerado das obras prosseguisse, em direção a Piquete. Em 26 de
março de 1904, o séquito dos ministros, da Guerra e da Viação, chega na estação
da E.F.C.B. de Lorena. Segundo Palmyro Masiero, à chegada “foi executado o Hino
Nacional Brasileiro pelas bandas do 12º Batalhão, do Colégio São Joaquim e
‘Mamede de Campos’ (...). Após as cerimônias de recepção, a comitiva dirigiu-se
aos escritórios da Comissão Construtora do Ramal Férreo”. Em seguida, parte o
trem da estação de Lorena, com a comitiva em torno de trezentas pessoas, para a
vistoria das obras, sendo recepcionada na Fazenda São Francisco, do Barão da
Bocaína. No dia seguinte, tomaram rumo da Fazenda da Estrela do Norte, sendo
recebidos por Custódio Vieira da Silva.
Entrementes, ao mesmo tempo que
os trilhos avançavam ao seu destino, em Piquete estava sendo construída a
estação deste ramal. Apesar da euforia, nem tudo eram “flores” no referido
empreendimento. A construção enfrentou vários problemas, como falta de verbas
no orçamento federal, carência de operários em número suficiente, apesar do
contingente militar enviado, e irregularidades de ordem geográfica e
impropriedade do terreno escolhido. Uma das primeiras dificuldades que a
comissão enfrentou foi ter que realizar o desvio do curso do Rio Ronco, sendo
necessário a construção de vários declives e grandes patamares. Outras
dificuldades são relatadas por José Palmyro Masiero, como obras de segurança e
conservação, onde “a comissão construtora teve que fazer drenagem de diversas
áreas do solo, abrir valetas para escoamento das águas pluviais do leito da
estrada, construir pontilhões e boeiros em grande número”. Por outro lado,
paralelamente à linha férrea foi implantada uma linha telegráfica, necessária à
própria comissão como também da Fábrica de Pólvora, também em obras.
Após diversos problemas enfrentados e superados, finalmente no dia 15 de setembro de 1906, foi inaugurado o “Ramal Férreo Lorena-Bemfica”, e também da Estação Rodrigues Alves, em Piquete. Com o encerramento das obras, foram liberados ao tráfego 19,670 km de ferrovia, sendo que de Lorena até Piquete totalizavam 17,200 km e até Limeira, atualmente “General Mendes de Moraes”, os restantes 2,470 km. A viagem inaugural, em trem “especial”, teve a presença do Ministro da Guerra, Marechal Francisco de Paula Argolo, do Secretário de Justiça do Estado de São Paulo, Washington Luiz, representando o Presidente de São Paulo, Jorge Tibiriçá, além de diversos deputados e oficiais militares. Em 1909 é inaugurada a “Fábrica de Pólvora sem Fumaça”; da Estação Rodrigues Alves os trilhos prosseguiam, adentrando área militar. Assim, outras estações foram construídas, como a Wenceslau Brás (que na década de 1940 teve o nome alterado para Estrela do Norte), General Mendes de Moraes, bem na entrada da fábrica, e outra no interior dela. Entre as estações de Lorena e a Rodrigues Alves, em Piquete, haviam pequenas estações ou pontos de abastecimentos, entre as duas principais. Eram cinco: a da Ponte Paraíba, Angelina, Coronel Barreiros, Francisco Ramos e Bela Vista. No entanto, apesar da padronização da bitola da Estrada de Ferro Central do Brasil, para 1,60m, o Ramal de Benfica foi construído com bitola de 1,00m, obrigando a troca de composição, na estação de Lorena. Somente na década de 1940, é que a nova ferrovia foi padronizada em 1,60m. Apesar de sua finalidade original, ou seja, de atender a Fábrica de Pólvora, o Ramal de Benfica operou também com transporte regular de passageiros. Ao longo do século XX, os trens que trafegavam entre Lorena e Piquete ficaram conhecidos como “Trens Piqueteiros”, confundindo-se com a própria “identidade” do Município de Piquete.
Todavia, com o sucesso da nova estrada de ferro, e para atender à demanda sempre constante, o governo autoriza, através do Decreto Legislativo nº 3.928, de 11 de julho de 1917, a construção de outra linha dando sequência ao trecho Lorena-Piquete, com sentido ao Estado de Minas Gerais, passando pela cidade de Itajubá e Pedra Branca. Posteriormente, foi decidido em 26 de junho de 1918, com o Decreto nº. 9.638, que fosse construído o trecho de Piquete a Itajubá. De acordo com os historiadores Levy Tenório e Acrilson de Carvalho, foram realizados estudos técnicos referentes ao trecho citado, que “davam a extensão de 64,360 km, dos quais 13,500 km em cremalheira, para vencer a diferença de nível de 800 metros na Serra da Mantiqueira”. As obras foram iniciadas no dia 01 de outubro de 1918 e foram interrompidas em 31 de agosto de 1921, sendo concluído apenas o trecho entre Itajubá e Soledade.
Finalmente, em 30 de dezembro
de 1921 é entregue ao tráfego, a referida ferrovia e a administração dividida
da seguinte forma. De Lorena até Piquete, sob a responsabilidade da Central do Brasil;
de Piquete até a Fábrica de Pólvora, sob a responsabilidade do Ministério da
Guerra. Lamentavelmente, assim como em outras localidades, o transporte ferroviário
de passageiros deixou de existir e, com a extinção do Ramal de Benfica, em
1977, não é possível sequer imaginar a implantação de um trem turístico, como o
que há em São Lourenço, Mariana, estes no Estado de Minas Gerais; Guararema e o
que havia em Cruzeiro, em terras paulistas, pois até mesmo trilhos e dormentes
foram retirados do leito. Recentemente a Estação Rodrigues Alves foi restaurada
transformando-se em Centro Cultural, bem como a Estação Estrela do Norte, da Fábrica
de Pólvora. Esta mais tarde passou a denominar-se Fábrica Presidente Vargas e,
atualmente, compõe uma das unidades da Imbel, administrada pelo Exército
Brasileiro.
Eddy Carlos.
Indicações para consulta.
CARVALHO e COSTA, Acrilson de e Levy Tenório da. A Ferrovia no Vale do Paraíba: Opulência e Decadência. Trabalho de Graduação em História pela UNIVAP. São José dos Campos, 1996. Edição mimeografada.
CÉSAR,
Faustino. Resenha Histórica de Lorena.
Coleção Lorenense. Volume II, 2º edição. Lorena, 2000.
EVANGELISTA,
José Geraldo. Lorena no Século XIX.
Coleção Paulística. Volume VII. Imprensa Oficial. São Paulo, 1978.
GOUVÊA, CHAVES,
ROSA e MASIERO. Ana Maria, Antônio Carlos Monteiro, Célia Aparecida da e José
Palmyro. Estação Rodrigues Alves: 90
Anos (1906-1996). Grupo Medral. Rio de Janeiro, 1996.
MEMÓRIAS DE LORENA. Fotos e Palavras. Tomo 2. Coleção Lorenense. Volume 4. Sociedade dos Amigos da Cultura de Lorena, 1999.
REVISTA A CIDADE. Piquete. Cidade Paisagem. Informe Publicitário da Prefeitura Municipal de Piquete. Circuito Mantiqueira. Piquete, 2008.
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