Trem turístico, operado pela ABPF, entre São Lourenço e Soledade, Estado de Minas Gerais. FONTE: http://www.araucariaecoturismo.com.br/trem-das-aguas-sao-lourenco/
O surgimento da ferrovia no Brasil, em particular no Vale do Paraíba, foi uma resposta às necessidades econômicas dos grandes produtores de café na região, para que seus produtos escoassem de forma mais rápida para os portos de embarque aos mercados consumidores, principalmente o internacional. Com uma demanda maior, as antigas tropas de burros e mulas não conseguiam escoar a tempo uma enorme produção, encarecendo dessa forma ainda mais o preço da saca de café. Isso acarretava aos fazendeiros do Vale, principalmente, gastos muito onerosos para a manutenção de tropas e os responsáveis pelo transporte como arrieiros, peões, carreiros, etc. A aristocracia rural ficava inconformada diante deste “peso” para vender a produção e adquirir artigos de consumo. Neste contexto, coube ao antigo Arraial do Porto da Cachoeira a incumbência de se tornar o ponto de encontro de duas principais ferrovias da época: a Estrada de Ferro Dom Pedro II e a Estrada de Ferro São Paulo-Rio de Janeiro, também conhecida como “do Norte”. A primeira, partindo da capital do Império chega à Freguesia de Santo Antônio da Cachoeira no dia 20 de julho de 1875, detendo-se na margem esquerda do Rio Paraíba. Devido à ausência de uma ponte que ainda seria construída, os passageiros tinham de fazer a travessia do rio em balsas. A segunda ferrovia, partindo da capital da Província de São Paulo, só vai chegar a Cachoeira dois anos mais tarde, no dia 08 de julho de 1877, na margem direita do Paraíba, concluindo assim a ligação entre o Rio de Janeiro e São Paulo.
Porém, um fato que torna-se destaque e transforma Cachoeira em um diferencial é a diferença de bitola (largura entre os trilhos) de uma ferrovia para outra. A E. F. Pedro II fora construída com bitola de 1,60 m e a E. F. São Paulo-Rio com bitola de 1,00m. Tal fato impossibilitava realizar uma viagem direta em uma única composição do Rio a São Paulo e vice-versa. Na viagem inaugural, por exemplo, a Princesa Isabel e seu esposo, Gastão de Orleans, o Conde D’Eu, no mesmo dia 08 de julho de 1877, fizeram baldeação em Cachoeira, para trocar de composição. Isso justifica as enormes dimensões da estação de Cachoeira, porque além dos passageiros, inúmeras mercadorias, até mesmo gado bovino, eram ali baldeadas. O referido prédio, construído em 1876 pelo engenheiro inglês Newton Bennaton, possui três torreões que serviam de dormitórios para passageiros e funcionários em serviço. Continha, também duas imensas plataformas dos dois lados, para embarque e desembarque de cargas e passageiros, além de grandes galpões para armazenagem de café e, ainda, pátio com quiosques e a caixa d’água para abastecimento das locomotivas a vapor. Mais tarde, no dia 30 de agosto de 1890, o Governo Republicano com o Decreto nº 701, encampa a E.F. São-Rio, para alterar sua bitola e incorporá-la à E.F. Pedro II, formando, então, a Estrada de Ferro Central do Brasil, proporcionando a partir de 1908, viagens diretas entre as duas cidades.
Paralelamente, uma terceira
ferrovia surgiria em terras valeparaibanas, a que fazia a ligação da cidade de
Cruzeiro com o sul do Estado de Minas Gerais. Para atender as necessidades de
produtores rurais mineiros, o Governo Provincial de Minas Gerais e o Governo
Imperial autorizam a construção de uma ferrovia que deveria fazer a ligação com
a E.F. Pedro II. O projeto inicial previa que tal ferrovia partiria da
Província do Rio de Janeiro; em 12 de setembro de 1877, conforme o Decreto nº 6.593,
o traçado é modificado, devendo partir próximo da atual cidade de Lavrinhas,
com o objetivo de se chegar ao Vale do Rio Passa-Vinte. De acordo com o Prof. Hílton
Federici, devido ao projeto inicial a companhia foi batizada com o nome de
“Minas and Rio Railway”, sendo esta organizada em Londres no dia 24 de abril de
1880.
Conduzida por engenheiros
ingleses, as obras tiveram início no dia 18 de abril de 1881. No entanto, uma
nova modificação. Através do Decreto nº 8.068, de 03 de maio de 1881, o ponto
inicial deveria partir do Km. 252 da E.F. Pedro II, onde já havia uma pequena
estação próxima da Fazenda Boa Vista de propriedade do Major da Guarda
Nacional, Manoel de Freitas Novaes. A referida obra tinha como meta a cidade
mineira de Três Corações, à 170 quilômetros do entroncamento, que era o ponto de
partida. Comandada pelo engenheiro inglês, Herbert Hunt, mais tarde, o primeiro
Diretor da ferrovia, as obras são finalizadas no dia 14 de junho de 1884.
Acompanhado de sua comitiva, o imperador visita a estrada de ferro pela
primeira vez em junho de 1882, quando era escavado o túnel na Serra da
Mantiqueira, abaixo da Garganta do Embaú. Entre os dias 22 e 23 de junho de
1884, ocorre a segunda visita, quando o monarca e membros da Corte percorrem a
estrada recém-aberta, pernoitando em Três Corações. No dia 27 de setembro de
1884 é inaugurada a atual estação ferroviária de Cruzeiro, fazendo escoar toda
a produção sul-mineira, inclusive gado bovino, além de passageiros com destino
ao Rio de Janeiro ou a São Paulo.
Entretanto, situada em terras
da Vila do Cruzeiro (Embaú), a ferrovia acabou impulsionando um desenvolvimento
econômico significativo e, após o surgimento do Povoado da Estação do Cruzeiro
(atual cidade de Cruzeiro), o Embaú como sede do município entra em processo de
decadência. Surge então a conhecida rivalidade entre os dois “Cruzeiros”,
insuflada por partidários do Major Novaes, culminando na transferência da sede
municipal em 1901. Assim como muitas fazendas do período, a Fazenda Boa Vista,
do referido major, possuía um ramal direto, que a ligava à estação, para o embarque
das sacas do café “Coroa”, desativado atualmente, bem como a própria ferrovia.
A mencionada estrada de ferro, assim como aconteceu com Cachoeira, confunde-se
com a história da cidade. Logo após a eclosão da Revolução de 1932, os
paulistas utilizam uma locomotiva na entrada do túnel, bloqueando-o para
impedir o avanço das forças mineiras e federais, ocasionando os combates e
bombardeios na Serra da Mantiqueira. Durante o conflito, era da estação de
Cachoeira que partia o Trem Blindado que fustigava as forças legalistas de
Getúlio Vargas na zona de Queluz. Outro marco importante de Cruzeiro é a Rotunda,
onde se realizavam obras de manutenção nas locomotivas, além do Morro dos Ingleses,
onde os engenheiros residiam. O “boom” econômico, enfim, ocorreria na década de
1930, com a criação da Rede Sul Mineira de Viação, agrupando a referida
ferrovia com outras do território mineiro, além da implantação da Fábrica
Nacional de Vagões em Cruzeiro, em meados da década de 1940, além dos armazéns
gerais para estoque de café, estes atualmente abandonados.
Porém, comparada com a estação
de Cachoeira, a de Cruzeiro está “menos” pior, e a população local espera o
retorno do trem turístico dos domingos e feriados, que era operado e mantido pela
A.B.P.F. (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária), e que deixou a
cidade em meados de 2001, devido a divergências com as autoridades municipais. Ainda
assim, ambos os municípios deveriam seguir o exemplo de Guaratinguetá, que teve
concluída a reforma total de sua magnífica estação ferroviária, cujo descaso no
passado era denunciado por ilustres personalidades da região, entre elas o saudoso
Prof. José Luiz Pasin, falecido em janeiro de 2008.
Contudo, independente de uma
está “melhor” que a outra, as duas magníficas estações, de Cachoeira e de
Cruzeiro, encontram-se abandonadas e em estado lamentável; caindo aos pedaços
algo que já foi o principal orgulho de ambas cidades. O autor destas linhas se
recorda das histórias que os avós, maternos e paternos, contavam sobre as
viagens que faziam pelos trens da Central e hoje vislumbra essa decadência
total, não só da estação de Cachoeira, mas de todo o Vale do Paraíba. Resta
somente a lembrança, também, dos relatos do saudoso avô paterno, Sr. José
Vicente de Matos, falecido em maio de 2007, referente às viagens a passeios que
o mesmo realizava para a cidade mineira de Aiuruoca, ou a trabalho
transportando gado pela citada Rede Sul Mineira de Viação, proporcionando a
este que escreve uma maravilhosa viagem no tempo.
Eddy Carlos.
Dicas para consulta.
CARVALHO e COSTA, Acrílson de e Levy Tenório da. A Ferrovia no Vale do Paraíba: Opulência e Decadência. Trabalho de Graduação em História pela UNIVAP. São José dos Campos, 1996. Edição mimeografada.
FEDERICI, Hilton. História de Cruzeiro (Volume II). Da instalação do Município até a transferência da sua sede (1873-1901). Campinas: Publicação da Academia Campinense de Letras, 1978.
GUIMARÃES, Joaquim de Paula. Síntese da História de Cruzeiro. Edição da Prefeitura Municipal de Cruzeiro, 1951.
SILVA, João Ramos da. Cruzeiro: Binômio: Educação e Indústria. Oficina Gráfica Prof. João Silveira. Cruzeiro, 1970.
RAMOS, Agostinho. Recordações de 32 em Cachoeira. Empreza Graphica da Revista dos Tribunaes. São Paulo, 1937.
SOBRINHO, Alves
Motta. A Civilização do Café.
Editora Brasiliense. São Paulo, 1978.
Revivi a graduação em História. Falar de Vale é apreciar cada detalhe desta interessante construção que se tornou este gigante. Parabéns Eddy. Como sempre, você arrasa.
ResponderExcluirMuito obrigado pela consideração. Porém, não sei de quem se trata. Você também estudou História? E me conhece? Tenha um ótimo dia.
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