FONTE: policimamilitardesaopaulo.blogspot.com.br
Antes mesmo de o homem passar a conviver com seu
semelhante em comunidades, quando deixa de ser apenas caçador e coletor, a
violência esteve presente. Seja por disputas por mulheres (entre os mais
primitivos), por cursos d’água, área de pastagens para os animais domesticados,
as lutas entre os seres humanos parece estar inerente à própria essência.
Quando se organizam em sociedades, que chamamos de “Estado”, por mais rudimentar
que fosse, tais “brigas” ou lutas armadas tinham como objetivo de se defender
uma determinada aldeia ou tribo contra outra, invasora. Ou também, quando
grupos dirigentes de um determinado povo parte para a conquista de outrém,
submetendo ao seu domínio e escravizando seus semelhantes, cujo objetivo único
era o de enriquecer tais líderes “poderosos”. É a origem das guerras, as quais
surgem em tempos remotos e imemoriais. Dessas guerras, antes primitivas,
travadas com clavas, passam a utilizar armas mais desenvolvidas, durante a fase
das cidades-estados da Mesopotâmia (atualmente o Iraque). Uma cidade-estado ao
dominar outra e mais outra, amplia seu poder, passando a dominar muitas,
fazendo surgir reinos e impérios, como o de Sargon I, que funda o Império Acadiano
em 2334 a. C.. Outros povos o sucedem;
ora são dominadores, ora são dominados, como assírios, caldeus, persas, etc. Os
relatos bíblicos do Antigo Testamento descrevem também como os povos subjugados
eram reduzidos à escravidão, como é o caso dos hebreus pelos egípcios e pelos
filisteus, até os próprios israelitas se organizarem em reino, mantendo sua
independência até certo período, quando são sucessivamente dominados por
assírios, caldeus, persas, macedônios e romanos.
Em todas as nações
conhecidas pelo seu aspecto conquistador e dominador, as forças armadas se
compunham basicamente do que veio a ser chamado de “Exército”, auxiliado por
uma frota marítima, a qual estava a serviço dessa mesma força. Assim, de todas
as organizações militares que conhecemos atualmente, o Exército é a mais antiga
e a mais tradicional. Para comandá-lo cada povo utilizava uma denominação
própria. Citemos o caso do Império Romano, por ter sido na Antiguidade o mais
bem organizado e mais poderoso até a
invasão dos bárbaros. Não havia a denominação de “general” como conhecemos
atualmente. Os comandantes das legiões eram denominados de “cônsul” ou “pretor”;
o termo “general só começou a surgir nos exércitos da Europa, no século
XVII, a partir da antiga patente de capitão-general. Tal denominação, significava o capitão
"geral", ou seja, o capitão de todo o exército. A denominação
"capitão-general" foi contraída, na maioria dos exércitos, para,
simplesmente, "general". Independente
das denominações dos líderes militares, as guerras, obviamente, causavam e
causam mortes e destruições para os mais devastados, em prol de um vencedor, ou
vencedores, que se glorificam com os despojos dos derrotados e aniquilados.
Porém, os efeitos se tornam mais
traumáticos quando conflitos bélicos são travados entre “irmãos”, ou seja, em
uma guerra interna, dentro de uma mesma nação, o que é denominado de “guerra
civil”. Muitas ocorreram, inclusive em Roma durante a crise da República, entre
Otavius e Marcus Antonius; e também durante o Império, entre Massencius e
Constantinus (Constantino, o imperador “cristão). Outros exemplos, que podem
ser mencionados são a Guerra das Duas Rosas (Inglaterra, 1455-1485), e também a
Guerra de Secessão nos Estados Unidos (1861-1865). E o Brasil não fugiu à
“regra”. Foi durante o Império, logo no inicio do governo de Dom Pedro I, que
duas revoltas internas desafiaram o poder central. A primeira, a Confederação
do Equador (1824), iniciada em Pernambuco, se alastrando por outras províncias,
a qual foi duramente reprimida pelo imperador. A segunda, a Guerra da
Cisplatina, na realidade um desdobramento da guerra contra a Argentina
(1825-1828), na qual após a intervenção diplomática britânica, o Brasil perde
sua província meridional, surgindo o atual Uruguai. Entre 1831 e 1845, várias
revoltas sacudiram o país, que quase leva ao esfacelamento do território, tais
como a Balaiada (Maranhão), a Cabanagem (Pará), a Sabinada e a dos Malês
(Bahia), a Farroupilha (Rio Grande do Sul e Santa Catarina), além da Revolução
Liberal de 1842 (Minas Gerais e São Paulo), esta encerrada violentamente no
Vale do Paraíba, Estado de São Paulo.
Com o advento da República,
no crepúsculo do século XIX, novas revoltas, como a as duas da Armada (Rio de
Janeiro, 1891 e 1892-1894), a Revolução Federalista (Rio Grande do Sul e Santa
Catarina, 1893-1895) e Guerra de Canudos (Bahia, 1893-1897); todas reprimidas
brutalmente. Em 1922 tem início o Tenentismo com a tomada do Forte de
Copacabana, reprimida pelo Presidente Epitácio Pessoa. Dois anos mais tarde, os
Tenentes atacam a cidade de São Paulo (Revolta Tenentista de 1924), que é
ocupada pelos rebeldes. Sem se importar com a população, o Presidente Arthur
Bernardes ordena o bombardeio incessante da capital, obrigando os revoltosos a
romperem o cerco legalista, unindo-se a outro grupo rebelde, liderado pelo
Capitão Luís Carlos Prestes, vindo dos pampas, surgindo a Coluna Prestes. Os
Tenentes se aliam à Getúlio Vargas, que em outra revolta, a Revolução de 1930,
depõe o Presidente Washington Luiz, impede a posse do presidente eleito, Júlio
Prestes, e toma o poder em outubro do mesmo ano. Tem início a Era Vargas, com o
chamado Governo Provisório (1930-1934) extinguindo a Constituição Federal de
1891, depondo os presidentes dos Estados e nomeando interventores federais.
Somente permanece Antônio Carlos de Andrada, Presidente de Minas Gerais, que
apoiara o movimento que depôs Washington Luiz.
No Estado de São Paulo, um
grupo dissidente do Partido Republicano Paulista (P.R.P.), agrupado no Partido
Democrático (P.D.), fundado em 1926, também havia apoiado e seu líder,
Francisco Morato, aguardava o momento de ser nomeado por Getúlio, o interventor
paulista. Mas, instigado pelos Tenentes, Vargas nomeia para o cargo um militar
e paraibano, o Coronel João Alberto de Lins e Barros; e para comandar a Força
Pública, Miguel Costa, um dos líderes do Tenentismo, que apesar de integrar tal
corporação, é nomeado general do Exército, para ser também general da Força
Pública. Estas atitudes de Vargas acabaram dando início ao antagonismo com a
elite paulista. Outros interventores sucedem João Alberto, mas a crise política
prossegue; no início de 1932, o P.D. e o P.R.P. deixam as divergências de lado
e fundam a Frente Única Paulista (F.U.P.), que passa a exigir a
reconstitucionalização do país. Mesmo com a nomeação do ex-Embaixador Pedro de
Toledo, civil e paulista, para a interventoria, os ânimos se exaltam, atingindo
o ápice, após a visita de Oswaldo Aranha, enviado por Getúlio para tentar um
acordo. O emissário de Vargas chega a São Paulo no dia 22 de maio de 1932,
recebido com vaias e xingamentos, o que o faz retornar para o Rio de Janeiro
sem nada conseguir. No dia seguinte as manifestações prosseguem com atos de
vandalismo pelas ruas da capital, até que a sede da Legião Revolucionária,
fundada por Miguel Costa, é cercada. Sendo um braço paramilitar, que apoiava o
Governo Vargas, os sitiados abrem fogo contra a multidão, resultando na morte
de quatro estudantes, Mário Martins, Euclydes Miragaia, Dráusio de Souza e
Antônio de Camargo. As iniciais de seus nomes formam a sigla M.M.D.C., que
auxilia a deflagração da denominada Revolução Constitucionalista, iniciada no
dia 09 de julho de 1932.
Comandada pelo General
Isidoro Dias Lopes (o mesmo da revolta de 1924, mas agora do lado oposto) e
pelo General Bertholdo Klinger, a revolta contra Vargas, já estava fadada ao
fracaso desde o seu péssimo planejamento. No Vale do Paraíba, foi comandada
pelo Coronel Euclydes Figueiredo, que estabelece em Cachoeira Paulista, a 2ª
D.I.O. (Divisão de Infantaria em Operações). Do
lado governista, Getúlio encarrega o General Pedro Aurélio de Góes
Monteiro da missão de esmagar o levante paulista, o que se concretiza após três
meses de uma luta desigual. A Guerra Paulista termina em 02 de outubro com a
rendição dos rebeldes na cidade de Cruzeiro. Ao longo de noventa dias ela
produziu destruição, prejuízos materiais, feridos, mutilados, mortos, viúvas e
órfãos, principalmente do lado paulista. Mas também criou mitos, mártires e
heróis, reais ou fictícios. Um caso inconteste foi o do lavrador Paulo Virgínio
do Município de Cunha, barbaramente torturado e morto por soldados getulistas.
Outro que ficou eternizado na luta contra a assim chamada “Ditadura de Vargas”,
foi o Capitão Manoel de Freitas Novaes Neto (Capitão Néco), de Cruzeiro,
surpreendido em uma emboscada na região de Vila Queimada, próxima de Queluz.
Ferido mortalmente, faleceu na Santa Casa de Cruzeiro. Porém, menos de um mês
após o início do conflito iria surgir a primeira vítima fatal, de de alta
patente e do lado paulista, obviamente, embora não tenha sido em combate.
Conforme a análise de Francisco
Piorino Filho, Júlio Marcondes Salgado nasceu no dia 01 de setembro de 1890 em
Pindamonhangaba, no Bairro do Mato Dentro. Filho do Capitão Victuriano
Clementino Salgado e de Anna Eufrasina Marcondes do Amaral. No ano de 1907
alista-se na Força Pública de São Paulo, ingressando no 1º Esquadrão do 1º
Regimento de Cavalaria. Em 1911 é promovido a 2º Sargento, e no ano seguinte
contraí núpcias com Ofélia Acritelli, natural de Santa Branca. De acordo com
Piorino Filho, Júlio Marcondes já em 1920, é 1º Tenente e Instrutor de Tiro,
chegando ao posto de Capitão em 1924. No mesmo ano ocorre o ataque tenentista a
São Paulo, já mencionado, e o então Capitão Salgado toma parte “no assalto à
Estação do Norte e à Usina da Light, em poder dos insurretos. Em 1925, na
perseguição à Coluna Miguel Costa (mais popularmente conhecida como Coluna
Prestes), comandando uma Coluna do 3º B.I., vence o combate de Iacanga, capturando
quase todos os inimigos, recebendo pelo feito a Medalha da Legalidade”. No ano
de 1927 é promovido a Tenente-Coronel, do Regimento de Cavalaria, no qual
ingressara, demonstrando ainda competência hípica, destacando-se no Concurso
Hípico Brasileiro do Rio de Janeiro em 1929.
Entretanto, como afirmado
anteriormente, a partir de outubro de 1930, Miguel Costa assume o Comando Geral
da Força Pública, nomeado por Getúlio Vargas, a quem o Capitão Salgado ficava a
partir de então subordinado. Novamente citando a análise de Francisco Piorino
Filho, no dia 23 de maio de 1932, o mesmo dia da morte dos estudantes citados,
o interventor Pedro de Toledo exonera Miguel Costa do importante cargo e o referido
Capitão Salgado é nomeado comandante interino. Dois dias depois é “promovido a
Coronel e mantido no Comando Geral, atingindo, assim, aos 41 anos de idade o
posto máximo da luminosa carreira”. Como mencionado, logo “estoura” o levante
paulista e com isso o agora Coronel Júlio Marcondes Salgado torna-se um dos
líderes do movimento, representando a Força Pública.
Lamentavelmanete, apesar do
entusiasmo, tanto os líderes militares como civís, tinham plena consciência da
deficiência bélica dos paulistas, o que não era revelado aos combatentes,
principalmente os voluntários. Por isso, a adaptação das indústrias para o
esforço de guerra e o desenvolvimento e novas e “modernas” armas. O historiador
Hélio Silva afirma, que devido à tais deficiências, o Major José Marcelino da Fonseca, da Força
Pública, e o engenheiro Jorge de Resende, desenvolveram uma arma nova,
semelhante a um morteiro ou bombarda. Após os testes iniciais, escolheram o dia
23 de julho de 1932 para a apresentação para o Alto Comando Constitucionalista,
em Indianópolis. Dentre os presentes graduados estavam o Coronel Júlio
Marcondes Salgado e o General Bertholdo Klinger, além do médico Vlademir Piza e
demais auxiliares. Mas algo “saiu” errado. Vamos transcrever o relato de Hélio
Silva, o qual afirma que o material “era improvisado, foi mal calculada a
espolêta da granada e a explosão se deu
dentro da própria peça, arrebentando-a e atirando os estilhaços longe. Um
fragmento apanhou, de raspão, o coronel Júlio Marcondes Salgado,
seccionando-lhe a carótida, derrubando-o, evaindo-se em sangue, morrendo ali
mesmo. Outro estilhaço atingiu o peito do capitão José Marcelino da Fonseca,
traspassando-o em ferimento grave o que não sobreviveria”. A explosão feriu ainda,
mas sem gravidade, o General Bertholdo Klinger, o Tenente-Coronel Salvador
Moya, o Capitão Heliodoro Tenório da Rocha Marques, incluindo também um
sargento e mais dois civís.
Com a morte do Coronel
Júlio Marcondes Salgado, assume o Comando Geral da Força Pública, o Coronel Herculano
de Carvalho e Silva, que prossegue com a guerra contra as forças do Governo
Provisório. Dentre as várias homenagens póstumas recebidas, a que mais se
destaca é que prestou o Governador Pedro de Toledo no mesmo dia da tragédia.
Através do Decreto nº 5.602, de 23 de julho de 1932, o Coronel Júlio Marcondes
Salgado é promovido ao posto de General Comandante da Força Pública do Estado
de São Paulo, tornando-se assim, post mortem, General Júlio Marcondes Salgado.
A guerra paulista se encerra no dia 02 de outubro, como afirmamos
anteriormente, quando o Coronel Herculano de Carvalho depõe as armas após o
ultimatum do General Góes Monteiro. Quanto a Júlio Marcondes Salgado, o último
general de uma força policial, sua memória está cultuada noas comemorações oficiais
da Revolução Constitucionalista, em nomes de ruas, logradouros,
avenidas,escolas, etc. Mas em sua terra natal, a Academia Pindamonhangabense de
Letras, criada pela Lei Municipal nº 664, de 18 de dezembro de 1962, o
homenageou como Patrono da Cadeira nº 15. Uma justa homenagem, como a de outros
que já ocorreram, como citado neste artigo, incluindo Paulo Virgínio. Porém, vários
tombaram acreditando em um ideal, que não foi levado a sério pelos mesmos que
propagaram a chamada “reconstitucionalização”. Há muitos que merecem a devida
honra. Até a próxima.
Eddy Carlos.
Dicas para
consulta.
BEZERRA, Holien Gonçalves. O Jogo do Poder. Revolução Paulista de 32.
Coleção Polêmica. Editora Moderna. São Paulo, 1989.
DONATO, Hernâni. A Revolução de 32. Círculo do Livro.
São Paulo, 1982.
FILHO, Francisco Piorino. Biografias. Mystic Editora. Campinas,
2001.
FILHO e MELO, José Canavó e
Edilberto de Oliveira. Asas e Glórias de
São Paulo. Imprensa Oficial. São Paulo, 1978.
FIGUEIREDO, Euclydes. Contribuição para a História da Revolução
Constitucionalista de 1932. Livraria Martins Editora. São Paulo, 1953.
SILVA, Hélio. 1932. A Guerra Paulista. Coleção O
Ciclo de Vargas. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 1976.
RHYMER, Joseph. Os Povos da Bíblia. Editora
Melhoramentos. São Paulo, 1995.
Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br
Você é ótimo Eddy
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