Quadro de Nélson Lorena, representando a travessia do Rio Paraíba, em balsas, em 1876.
No
mundo em que vivemos atualmente, estamos habituados ao mundo da “informação”,
através da mídia, seja pela televisão, rádio, jornais, revistas e
principalmente da internet. Tais tipos de informação nos leva a menosprezar os
costumes e a cultura de nossos antepassados. Inclusive a nossa própria História
que já não é valorizada, hoje em dia nos meios escolares. Mesmo quando,
raramente, alguém resolve abordar a História do Brasil, a mesma é feita de
forma subjetiva, faltando e muito uma visão crítica de nossa evolução
histórica. Mas, para compreendermos a História no seu contexto geral é mais do
que necessário conhecer e analisar as origens do local em que vivemos o nosso
dia-a-dia. Tal deve ser realizado sob a ótica da Micro-História, inserida no
conteúdo da Macro-História. É por isso que insistimos em dar nossa contribuição
para a propagação do conhecimento, sobretudo o histórico, para que nossas
origens e os registros de nossa cultura permaneçam preservados, como é a função
dos arquivos públicos. Sendo assim, apesar de já termos abordado em outras
ocasiões, voltemos no tempo para conhecer as origens da cidade de Cachoeira Paulista.
Segundo a análise de
Agostinho Ramos, Cachoeira teve sua célula-máter no atual bairro da Margem
Esquerda em 1780 quando uma mulher, Sebastiana de Tal e um grupo de pessoas
ergueram uma capela em louvor ao Senhor Bom Jesus da Cana-Verde. No ano de
1784, Manoel da Silva Caldas e sua esposa Ângela Maria de Jesus fazem doação de
200 braças de terra (400 mts) de testada e meia légua de área extensa para
patrimônio e construção de uma nova capela do Bom Jesus. A escritura de doação
entregue a Sebastiana de Tal foi lavrada no cartório da Vila de Guaratinguetá
no dia 18 de outubro do mesmo ano. O local escolhido é o mesmo onde atualmente
está a igreja do Bom Jesus da Cana-Verde. Denominada Porto da Cachoeira, devido
às corredeiras do Rio Paraíba que ali iniciam, o povoado desenvolveu-se diante
do trânsito de mercadores que iam e voltavam da região das Minas e após
passarem pelo Embaú, paravam também ao redor da capela do Bom Jesus. Esse
trecho era o da Estrada Real e, além de mercadores, era rota também de
viajantes e aventureiros. Dentre esses, destaca-se o botânico francês
Saint-Hilaire que passou pelo Embaú e o Porto de Cachoeira em 1822, vindo das
Minas. Em seu diário, datado de 22 de março de 1822, o viajante afirma que é
“difícil ver-se algo mais bonito do que a posição do Porto da Cachoeira. Esta
vila (sic.) foi construída à beira do Paraíba, sobre o declive de uma colina,
no alto da qual fica a igreja”. A igreja citada pelo francês é a do Bom Jesus e
o mesmo faz referências aos ferreiros abundantes no local, cujo ofício era
muito valorizado na época. Mesmo com todo esse movimento, o pequeno povoado
composto de uma dezena de casas, conforme o relato de Saint-Hilaire, passava
por algumas privações, pois os gêneros alimentícios comercializados eram
caríssimos, o que obrigava a população a exercer uma atividade econômica de
subsistência, embora baseada no trabalho escravo.
No
entanto, a chegada dos trilhos das ferrovias “São Paulo-Rio de Janeiro” e “Dom
Pedro II” ao Porto da Cachoeira iria modificar o cenário do local. Escolhida
para ser o ponto de união das duas ferrovias em detrimento da Vila de Lorena à
qual pertencia, Cachoeira em pouco tempo se transformaria em freguesia e, em
seguida em município. Já
em 1875 a
ferrovia “Pedro II” chegava às barrancas da margem esquerda do Rio Paraíba, pois
ainda não havia sido concluída a construção da ponte. Porém somente em 1877 a “São Paulo-Rio” chega
a Cachoeira na margem direita. Mas para uma viagem completa do Rio de Janeiro a
São Paulo, os passageiros tinham de trocar de composição devido às diferenças
de bitola (a “Pedro II” era de 1,60m e a “São Paulo-Rio”, de 1,00m). Esse fato
justifica as enormes proporções da estação ferroviária de Cachoeira que fora
projetada para abrigar passageiros e cargas em grande quantidade para a troca
de composição. Somente em 1908, é que seria possível uma viagem completa sem
baldeação. De acordo com a opinião do historiador Alves Motta Sobrinho, a
ferrovia trouxe o progresso a Cachoeira, fixando-se como zona cafeeira
exportando seu produto, além da aguardente produzida ao lado da rubiácea. Essa
transformação iria refletir no âmbito político.
Nesse ínterim, a região da margem direita
do Paraíba começou a se destacar no cotidiano cachoeirense. Em 1862, Ana Ortiz
doa grande parte de suas terras para o patrimônio da Igreja de Santo Antônio.
Ora, com a inauguração da ferrovia e a respectiva estação houve o deslocamento
das atividades econômicas e sociais de um lado para o outro do Rio Paraíba.
Recorremos mais uma vez a Agostinho Ramos que em sua análise afirma que o
“patrimônio, em terras, oferecido a Santo Antônio, na Margem Direita, a
movimentação das estradas de ferro que aí se entroncavam o intenso comércio e,
ainda mais, a topografia do terreno, foram a causa da criação da Freguesia”. E
é assim que através da Lei Provincial nº 37 de 29 de março de 1876 é criada a
Freguesia de Santo Antônio da Cachoeira, sancionada pelo Presidente da
Província de São Paulo, Sebastião José Pereira. A nova freguesia continuava
pertencendo à Vila de Lorena. Quatro anos mais tarde, pela Lei Provincial nº 5
do dia 09 de março de 1880, é criada a Vila de Santo Antônio da Bocaína,
desmembrando-se assim de Lorena; lei sancionada pelo Presidente da Província,
Laurindo Abelardo de Brito. A primeira Câmara Municipal instalou-se no dia 08
de janeiro de 1883 em uma das torres de estação ferroviária, funcionando como
sede primitiva. Os primeiros vereadores de Cachoeira foram José Frutoso
Ferreira Neto, João Jacyntho de Aguiar Borges, Tenente Galdino Rodrigues
Pereira Goulart, Miguel Rangel dos Santos Maia, Joaquim dos Santos Pinto
Júnior, Tenente Joaquim José Rodrigues da Motta, Coronel Domiciano Rodrigues
Pinto e Manoel Saturnino de Seixas.
Todavia,
Cachoeira ganharia notoriedade política ao ser escolhida para sediar o Q.G. revolucionário
comandado pelo Coronel Euclydes de Figueiredo durante a Revolução
Constitucionalista de 1932, quando era prefeito Agostinho Ramos. Durante o
período do conflito Cachoeira foi bombardeada várias vezes pela aviação das
forças leais a Getúlio Vargas. Ao ordenar a retirada e, para tentar retardar o
avanço legalista, Euclydes de Figueiredo manda dinamitar a ponte metálica do
Rio Paraíba, assim como ocorrera em Lavrinhas e Queluz. Após o fim do levante
paulista, Cachoeira tem o seu território ampliado com a incorporação da maior
parte do antigo Município do Jataí, extinto em 1934, além de incorporar também
os bairros do Embaú, Embauzinho e Quilombo, antes pertencentes ao Município de
Cruzeiro. Atrelada à ferrovia, Cachoeira beneficiou-se com a inauguração da
Rodovia Presidente Dutra, que dinamizou de forma surpreendente a economia do
Vale do Paraíba. Mesmo com a instalação do INPE (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais) em Cachoeira Paulista, infelizmente com o declínio das
ferrovias a partir da década de 1970, a cidade entra em uma fase de estagnação
econômica; mas a partir dos anos 90,
a cidade encontra no turismo religioso uma alternativa
de desenvolvimento. Organizado por uma instituição religiosa que se expandiu
pelo Brasil todo, o turismo religioso em Cachoeira Paulista
atrai pessoas de todas as partes do país, tornando-se integrante do roteiro da
fé ao lado de Aparecida e, recentemente, de Guaratinguetá.
Contudo, Cachoeira tenta preservar sua
memória e história ao adquirir o prédio (em ruínas) da antiga estação para
restauro, onde pretende transformá-lo em centro cultural, a exemplo de outras
no Vale do Paraíba. Uma atividade que Cachoeira Paulista poderia realizar é a
revitalização do trecho abandonado da antiga Rodovia Cachoeira-Cruzeiro, entre
o “Lar das Crianças” no Embaú e a junção com a Rodovia Nesralla Rubez, próximo
à subestação das Furnas. Essa estrada corresponde exatamente ao trecho da
Estrada Real, tendo sido mapeada e identificada através de totens ou obeliscos
indicativos. O resgate, recuperação e revitalização de tal estrada já foram
propostos por Adracir Fleming Bittencourt na década de 1990, quando vereadora em Cachoeira Paulista ,
mas não logrou êxito. Mas além de auxiliar a população do Embaú, o local também
poderia tornar-se um ponto turístico, devido à riqueza de sua História que
remonta ao período do bandeirismo e origens tanto de Cachoeira, como do próprio
Embaú. Até a próxima.
Eddy Carlos.
Dicas para
consulta.
FÉLIX,
Sandrta Regina (Org.). Cachoeira
Paulista. Fé, História e Tradição. Editora Noovha América. São Paulo, 2005.
MARQUES,
Manuel Eufrazio de Azevedo. Apontamentos
Históricos e Geográficos da Província de São Paulo. I Tomo. Coleção
Biblioteca Histórica Paulista. Livraria Martins Editora. São Paulo, 1976.
MÜLLER,
Nice Lecocqc. O Fato Urbano na Bacia do
Rio Paraíba. IBGE. Rio de Janeiro, 1969.
RAMOS,
Agostinho. Cachoeira Paulista.
1780-1970. 2 volumes. IHGSP. São Paulo, 1971.
Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br
Eddy, como sempre, precioso na escrita e no levantamento histórico.
ResponderExcluirParabéns, nobre amigo e colega de profissão.
Parabéns por nos brindar com o histórico de Cachoeira Paulista. Excelente texto.
ResponderExcluirMuito me honra o vosso comentário, digníssima escritora. Muitíssimo obrigado. Abração
ExcluirBelíssima narrativa histórica, meu caro e admirável Professor Eddy!
ResponderExcluirMuito obrigada por compartilhar tão importantes fatos.
Aplausos. Grande abraço.