sábado, 27 de janeiro de 2018

O Engenho Central.

Cartão-postal sem data, ilustrando o ramal ferroviário e o Engenho Central, servido pelo mesmo. Imagem capturada da internet.


Aprendemos nas salas de aula que ao longo de sua história, o Brasil vivenciou os assim denominados “ciclos econômicos”; os mais importantes teriam sido o do pau-brasil, da cana-de-açúcar, da extração aurífera e o café.  O primeiro, nos primórdios da descoberta e colonização, teve a sua ocorrência em todo o trecho do litoral brasileiro, onde numa ação indiscriminada, índios, portugueses, franceses e holandeses deram início da derrubada da Mata Atlântica. O segundo teve o seu apogeu no Nordeste brasileiro, sobretudo em Pernambuco, garantindo a Portugal, através de sua colônia ultramarina o controle do comércio de açúcar no mercado consumidor da Europa no século XVII. O terceiro se originou da descoberta das jazidas auríferas, na região do Sertão dos Cataguases, ao norte da Serra da Mantiqueira, onde atualmente está localizado o Estado de Minas Gerais. O quarto, fruto do cultivo da rubiácea, desenvolveu-se em larga escala no Vale do Paraíba paulista e fluminense, garantindo ao Império do Brasil no século XIX, o controle de quase 80% do café consumido na Europa e Estados Unidos, até sua produção estagnar-se e perder a hegemonia nas primeiras décadas do século XX.
Porém, o Brasil não vivenciou somente os tais ciclos econômicos. Outras atividades econômicas de destaque se desenvolveram paralelamente às que foram citadas acima, como a do algodão, fumo, anil, toucinho, charque, mate, borracha, etc. E claro, haviam as culturas de subsistências, como milho, feijão, arroz, etc,  praticadas por agregados, sitiantes, marginalizados, indígenas e, quando permitidas pelos seus senhores, por escravos. Durante os primeiros séculos da colonização, as atividades agrícolas eram exercidas pelos braços dos indígenas, escravizados, principalmente, pelos colonos paulistas, apesar da proibição direta do rei e do papa. Aos poucos, no entanto, o elemento africano foi substituindo o silvícola, considerado inútil para o trabalho braçal. Com a fase da extração aurífera na região das minas, as agriculturas tradicionais, como a cana-de-açúcar, o tabaco e o algodão, entram em colapso, arrastando consigo as de subsistências, ou seja, a de gêneros alimentícios. Isso iria provocar uma carestia de alimentos, que ficaram inflacionados, acarretando  a fome generalizada nos campos auríferos, sendo que para não morrerem, muitos os que podiam, pagavam até 14 gramas de ouro por uma galinha., Para aqueles desprovidos do precioso metal, restou alimentar-se de cobras, lagartos, sapos, formigas, vermes, etc.
No entanto, com o esgotamento das minas no final do século XVIII, a colônia volta suas atenções para a agricultura, cultivando novamente além dos gêneros alimentícios, cana, tabaco e algodão, até serem desbancados pelo café. De acordo com Caio Prado Jr., não “existem dados muitos seguros das primeiras exportações do café brasileiro (...). O Rio de Janeiro, que será durante três quartos de séculos o principal produtor, não exportou em 1779 mais que a insignificância de 79 arrobas que se embarcaram para Lisboa e Porto. Em 1796 a exportação já era 8.495 arrobas, para atingir, em 1806, 82.245”. Ao longo do século XIX, o café iria representar quase 70% das exportações do Império brasileiro para os mercados consumidores europeus e norte-americanos. Por outro lado, mesmo libertando-se do controle e tutela de Portugal, o Brasil manteve intacta a estrutura organizacional das agriculturas cultivadas, como nos engenhos do Nordeste.  Segundo a análise de Caio Prado Jr., esse modelo de organização, reflete “a exportação em larga escala, tipo plantação (a plantation dos economistas ingleses) fundada na grande propriedade monocultural trabalhada por escravos negros, substituídos mais tarde, (...), por trabalhadores assalariados”. Aos poucos o café foi ocupando as grandes áreas desmatadas das planícies, morros e encostas ao longo do Rio Paraíba e do então recém-aberto Caminho Novo da Piedade. Dessa forma, o café impulsionou o surgimento e desenvolvimento de cidades como Vassouras, Valença, Três Rios, Paraíba do Sul, Piraí, Barra Mansa, Bananal, São José do Barreiro, Areias, etc., originando-se das diversas fazendas que se multiplicaram cultivando a rubiácea. O café também proporcionou o surgimento da última aristocracia do país, onde os fazendeiros cafeicultores escravistas tornaram-se a elite social e política da nação.
No sentido nordeste-sudoeste, os cafeeiros vão avançando pelo Vale do Paraíba, entre as províncias do Rio de Janeiro e São Paulo, expandido também, o luxo e a ostentação dos imensos e soberbos casarões urbanos e sede das extensas fazendas. De acordo com a análise do saudoso Prof. José Luiz Pasin, os fazendeiros e os “barões do café”, enobrecidos pelo Império, construíram “as casas-grandes, imponentes, assobradadas, com dezenas de portas, janelas, alcovas (...). E os nomes iam se multiplicando: Bela Aurora, Bela Vista, Boa Vista, Cordeiro, Cascata, Catadupa, Morro Vermelho, Pau D’Alho, Pinheiro, Palmeiras, Bom Jardim, Três Barras, Sant’Ana, Resgate, Rialto, São Miguel, Itaguassu, Vista Alegre, Veloso, Barba, Fortaleza, Restauração”, etc. Para termos uma ideia do volume de produção cafeeira, garantida graças ao látego do feitor nas costas  dos escravos , observemos que no ano de 1860, ao passar pela Vila do Bananal, o viajante luso-brasileiro Augusto Emilio Zaluar, afirma que este “ município  é um dos mais importantes da província  de S. Paulo e exporta para cima de um milhão de  arrobas de café”. Em todo o Vale do Paraíba, quando da passagem de Zaluar, a Vila de Guaratinguetá  é a que mais se aproxima de Bananal, no tocante à produção cafeeira, produzindo e exportando perto de 600.000 arrobas em 1860. As localidades que produziam menos eram Lorena, Caçapava e São José do Parahyba, com a quantia de 100.000 arrobas cada uma.
Na opinião de Caio Prado Jr., no inicio da segunda metade do século XIX, a bacia do Rio Paraíba, iria representar “o setor mais rico e progressista do país, concentrando a maior parcela de suas atividades e econômicas. Atinge também, pela mesma época, o auge do seu desenvolvimento; logo virá o declínio”. A crise da agricultura cafeeira no Vale do Paraíba, seguida da estagnação e falência das grandes fazendas, tem sua origem no “acelerado esgotamento das reservas naturais”, causado pela derrubada indiscriminada das matas virgens para o plantio da rubiácea, segundo Prado Jr. Preocupados apenas em obter lucros imediatos, os fazendeiros adotaram o plano mais simples, o qual continha a prática de plantações em fileiras de linha reta, acompanhando os declives dos terrenos desnudos, favorecendo o trabalho devastador da erosão que acabava com a fertilidade do solo. Dessa forma, o Vale outra baluarte econômico do Império, cedeu lugar ao oeste paulista, com suas terras roxas, propícias para o café. Mesmo com esse cenário desolador, a elite agrária do Vale do Paraíba relutava em aceitar a realidade e buscar novas fontes econômicas; os fazendeiros ainda ficavam atados às velhas tradições agrícolas e ao sistema escravista, revelando uma grande aversão a tudo o que fosse considerado moderno. Aos poucos, porém vão cedendo  e alguns mudam de opinião.
Como mencionamos anteriormente, Zaluar ao passar pela Vila de Lorena, observou que a colheita do café era limitada, chegando talvez a 100.000 arrobas anualmente; em compensação, no entanto, “fazem-se grandes plantações de cana e cultivam-se os gêneros alimentícios em abundância, de modo que só importa de Minas algum feijões e toucinhos”. A afirmação do viajante luso sobre as plantações de cana encontra respaldo na análise de José Geraldo Evangelista, quando o mesmo afirma que, mesmo no auge do café, o município produzia 26.000 arrobas de açúcar e 150 tonéis de aguardente no ano 1887. Tal era a evolução da atividade canavieira, paralelo à crise do café, que a Vila de Lorena se predispunha a possuir um engenho central moderno. Seguindo o exemplo de Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, alguns membros da elite agrária aristocrática enveredaram por novas iniciativas, como a indústria. Somado à sempre crescente atividade açucareira, os lorenenses solicitam, através da Câmara Municipal, a instalação de um engenho. Sendo assim, pelo Decreto 8.098 de 21 de maio de 1881, o Governo Imperial autoriza a instalação do Engenho Central em Lorena. Segundo José Geraldo Evangelista, o capital do referido Engenho totalizava 500:000$000, divididos em 2.500 ações de 200$000 cada. A Sociedade Anônima Engenho Central de Lorena era composta por Joaquim José Moreira Lima Júnior, o Conde de Moreira Lima; pelo irmão deste, Antônio Moreira de Castro Lima, o Barão de Castro Lima e os sobrinhos de ambos, o Comendador Arlindo Braga e o Comendador Francisco de Paula Vivente de Azevedo, futuro Barão da Bocaina. De acordo com as pesquisas de Antônio da Gama Rodrigues, o capital inicial não fora suficiente para a construção do prédio e a instalação do maquinário da Usina, cujos custos totalizaram a soma de 614:000$000. Isso obrigou já no inicio, “a uma elevação do capital social para 700:000$000, ainda com garantia de juros de 6%, concedida pelo Governo Geral.” Ainda assim, tornou-se necessário a realização de um empréstimo adicional, em debêntures, no valor de 500:000$000 com juros de 8%. O referido empréstimo foi tomado, em praticamente todo o montante, pelos membros da família acionista do Engenho Central, como o Barão de Castro Lima, o Comendador Arlindo Braga e o Conde de Moreira Lima. Assim sendo, no dia 4 de outubro de 1884, ocorre a inauguração oficial do Engenho Central de Lorena, em meio às festividade pomposas, estando presente ao ato o Ministro da Agricultura, Conselheiro Rodrigo Silva, representando o Governo Imperial. A direção da empresa ficou a cargo do Comendador Arlindo Braga e do Barão da Bocaina.
Entretanto, logo no inicio de suas atividades o Engenho Central enfrentou dois enormes problemas, os quais eram a cana para as suas moendas, justamente a matéria-prima, e a lenha para as caldeiras. A primeira dificuldade tentou-se resolver com a aquisição de extensas glebas para o plantio e cultivo de cana-de-açúcar em grande escala, que seriam trabalhadas por colonos europeus, ou seja, imigrantes livres, significando uma alternativa para a falta de abraços, causada pela Abolição. Segundo José Geraldo Evangelista, isso representa “uma mudança radical, envolvendo três aspectos: ocupação de terras novas, nunca cultivadas, mão-de-obra livre, trabalhando livremente, e intensificação de uma lavoura, que se não era nova, iria inserir-se num quadro econômico novo”. Consequentemente, incentivada pela Câmara Municipal de Lorena, a qual solicitou auxilio dos Governos da Província e Geral, entre o final de 1884 e meados de 1885 a Fazenda das Canas, de propriedade do Alferes Francisco dos Reis é escolhida para a instalação de uma colônia de trabalhadores imigrantes, entre italianos e belgas. Essa colônia, denominada de Núcleo Colonial do Norte, mais tarde seria o embrião da futura cidade de Canas, após emancipar-se de Lorena. A segunda dificuldade foi resolvida, utilizando a navegação pelo Rio Paraíba, para adquirir lenha em outros municípios, além de transportar parte da mercadoria produzida. O Engenho Central ainda seria beneficiado por uma tarifa especial da Estrada de Ferro para o transporte de seus produtos, além do já mencionado transporte fluvial, operado por onze barcos adquiridos da Companhia do Rio Verde e recebidos já em março de 1884, ou seja, antes da inauguração. A administração do Engenho construiu também um ramal férreo próprio de 12 km, a Estrada de Ferro Santa Lucrécia, ligando a Usina à estação ferroviária de E. F. São Paulo-Rio, em Lorena, facilitando o escoamento de sua produção. Até uma linha de bondes, movidas à tração animal foi implantando pela administração do Engenho, para fazer o trajeto do centro da Vila de Lorena até a Usina, inaugurada no dia 18 de outubro de 1886, quando da visita do imperador Dom Pedro II e sua esposa Dona Tereza Cristina.
Entrementes, a produção do Engenho não atingia o nível de sua capacidade máxima, pois além de não conseguir plantações suficientes para a moagem, os canaviais foram formados com canas, denominadas “crioula”, consideradas degeneradas, sendo que a ideal seria a “Mapon-rouge”. Na afirmação de José Geraldo Evangelista, a diferença por hectare entre a primeira e a segunda espécie de cana era de 6.050 quilos para 182.892 quilos de açúcar. Isto significa que moendo canas “crioula” em sua plena capacidade, “o Engenho estaria gastando lenha e mão-de-obra em pura perda”. A direção do Engenho Central não poupou esforços para contornar a situação, estendendo os limites das viagens de sua frota fluvial no Rio Paraíba, entre a Vila da Bocaína (Cachoeira Paulista) e Jacareí, além de adquirir mais terras para a formação dos canaviais. Porém, fracassou nas inúmeras tentativas de adquirir as terras férteis do Piagüí, em Guaratinguetá. Para manter tais ações, a administração acabou por contrair enormes compromissos que resultou em uma dívida flutuante altíssima. A solidez inicial desmoronou diante das péssimas safras, juros exorbitantes insolventes, além de desentendimentos entre os membros acionistas e diretores. Na opinião de Gama Rodrigues, diante desse cenário, o Barão da Bocaina “retira-se da sua direção e é sucessivamente substituído por Antonio Moreira de Castro Lima Júnior, depois pelo Conde de Moreira Lima, pelo Drº. Alsino Braga e por último por Durval Braga”. Ao acúmulo das dificuldades operacionais e financeiras somou-se o falecimento do Comendador Arlindo Braga em 1896. E nesse mesmo ano, após ter o pedido de concordata negado pela Justiça e pelos credores, o Engenho Central teve a sua falência decretada, sendo nomeados síndicos da massa falida o Coronel Vicente Barreiros e Antonio de Pádua Machado Júnior.  No dia 20 de maio de 1901 ocorreu o leilão do Engenho Central de Lorena, arrematado por uma empresa sediada em Paris, a Societé Sucrérie Bresilienne, no valor de 700:000$000. Além do edifício principal, galpão para armazéns e maquinários foram leiloados, segundo Gama Rodrigues, 36 casas para funcionários e dirigentes do antigo Engenho, “todos no perímetro urbano da cidade; mais ou menos 1.000 alqueires de terras de cultura; 12 quilômetros de linha férrea através dessas terras, com todo o material rodante; 2 vapores para a navegação fluvial, etc”.
A falência do Engenho Central após apenas 12 anos de funcionamento é interpretada por José Geraldo Evangelista como a conclusão “do processo de desmoronamento da agricultura de Lorena”. Embora se tratasse de um empreendimento de nível industrial, com tecnologia e relações de trabalho de cunho capitalista, o Engenho tinha a sua base na agricultura. Como seus diretores, antigos fazendeiros escravistas, egressos do sistema patriarcal rural, ainda deveriam estar arraigados ao velho método e teriam lhes faltado capacidade empresarial “para prever a falta de matéria-prima, (...) má gerência dos recursos disponíveis”. É o caso de empreendimentos supérfluos, como “a linha de bondes, recepções e jantares a visitantes ilustres”, o que acarretaria inevitavelmente lesando os cofres da empresa.
Contudo, a nova administração opera a Usina na primeira metade do século XX, até que no dia 26 de janeiro de 1959 a população lorenense assiste a demolição da chaminé do antigo Engenho Central. A cidade de Lorena estava entrando em outra fase da industrialização, a da indústria química. Até a próxima.

                                                                                  Eddy Carlos



Dicas para consultas.
EVANGELISTA, José Geraldo. Lorena no Século XIX. Coleção Paulística. Vol. VII. Imprensa Oficial. São Paulo. 1978.                                
PRADO JR, Caio. História Econômica do Brasil. Editora Brasiliense. São Paulo,1962.
MEMÓRIAS de Lorena. Fotos e Palavras. Coleção Lorenense. Vol. 4. Publicação da      Sociedade dos Amigos da Cultura de Lorena. Lorena, 2003.
RODRIGUES, Antônio da Gama. O Conde de Moreira Lima. Coleção Lorenense. Vol. IX. Gráfica e Editora Santuário. Aparecida 2006.
SOBRINHO, Alves Motta, A Civilização do café (1820-1920). Editora Brasiliense. São Paulo, 1978.
ZALUAR, Augusto Emílio. Peregrinação pela Província de São Paulo (1860-1861).      Biblioteca Histórica Paulista. Vol. II. Livraria Martins Editora. São Paulo, 1976.


Blog: redescobindoovale.blogspot.com.br 

Um comentário:

  1. Sou cachoeirense, estava em busca do município de Jatahy, próximo a Cachoeira Paulista, quando deparei com suas informações no Blog, e fiquei por dentro da minha pesquisa. Obrigada.

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