Aprendemos
nas salas de aula que ao longo de sua história, o Brasil vivenciou os assim
denominados “ciclos econômicos”; os mais importantes teriam sido o do
pau-brasil, da cana-de-açúcar, da extração aurífera e o café. O primeiro, nos primórdios da descoberta e
colonização, teve a sua ocorrência em todo o trecho do litoral brasileiro, onde
numa ação indiscriminada, índios, portugueses, franceses e holandeses deram início
da derrubada da Mata Atlântica. O segundo teve o seu apogeu no Nordeste
brasileiro, sobretudo em Pernambuco, garantindo a Portugal, através de sua
colônia ultramarina o controle do comércio de açúcar no mercado consumidor da
Europa no século XVII. O terceiro se originou da descoberta das jazidas auríferas,
na região do Sertão dos Cataguases, ao norte da Serra da Mantiqueira, onde
atualmente está localizado o Estado de Minas Gerais. O quarto, fruto do cultivo
da rubiácea, desenvolveu-se em larga escala no Vale do Paraíba paulista e
fluminense, garantindo ao Império do Brasil no século XIX, o controle de quase
80% do café consumido na Europa e Estados Unidos, até sua produção estagnar-se
e perder a hegemonia nas primeiras décadas do século XX.
Porém, o
Brasil não vivenciou somente os tais ciclos econômicos. Outras atividades
econômicas de destaque se desenvolveram paralelamente às que foram citadas
acima, como a do algodão, fumo, anil, toucinho, charque, mate, borracha, etc. E
claro, haviam as culturas de subsistências, como milho, feijão, arroz, etc, praticadas por agregados, sitiantes, marginalizados,
indígenas e, quando permitidas pelos seus senhores, por escravos. Durante os
primeiros séculos da colonização, as atividades agrícolas eram exercidas pelos
braços dos indígenas, escravizados, principalmente, pelos colonos paulistas,
apesar da proibição direta do rei e do papa. Aos poucos, no entanto, o elemento
africano foi substituindo o silvícola, considerado inútil para o trabalho
braçal. Com a fase da extração aurífera na região das minas, as agriculturas
tradicionais, como a cana-de-açúcar, o tabaco e o algodão, entram em colapso,
arrastando consigo as de subsistências, ou seja, a de gêneros alimentícios.
Isso iria provocar uma carestia de alimentos, que ficaram inflacionados,
acarretando a fome generalizada nos
campos auríferos, sendo que para não morrerem, muitos os que podiam, pagavam
até 14 gramas
de ouro por uma galinha., Para aqueles desprovidos do precioso metal, restou
alimentar-se de cobras, lagartos, sapos, formigas, vermes, etc.
No entanto,
com o esgotamento das minas no final do século XVIII, a colônia volta suas
atenções para a agricultura, cultivando novamente além dos gêneros
alimentícios, cana, tabaco e algodão, até serem desbancados pelo café. De
acordo com Caio Prado Jr., não “existem dados muitos seguros das primeiras
exportações do café brasileiro (...). O Rio de Janeiro, que será durante três
quartos de séculos o principal produtor, não exportou em 1779 mais que a
insignificância de 79 arrobas que se embarcaram para Lisboa e Porto. Em 1796 a exportação já era
8.495 arrobas, para atingir, em 1806, 82.245”. Ao longo do século XIX, o café
iria representar quase 70% das exportações do Império brasileiro para os
mercados consumidores europeus e norte-americanos. Por outro lado, mesmo
libertando-se do controle e tutela de Portugal, o Brasil manteve intacta a
estrutura organizacional das agriculturas cultivadas, como nos engenhos do
Nordeste. Segundo a análise de Caio
Prado Jr., esse modelo de organização, reflete “a exportação em larga escala,
tipo plantação (a plantation dos economistas ingleses) fundada na grande
propriedade monocultural trabalhada por escravos negros, substituídos mais
tarde, (...), por trabalhadores assalariados”. Aos poucos o café foi ocupando
as grandes áreas desmatadas das planícies, morros e encostas ao longo do Rio
Paraíba e do então recém-aberto Caminho Novo da Piedade. Dessa forma, o café
impulsionou o surgimento e desenvolvimento de cidades como Vassouras, Valença, Três
Rios, Paraíba do Sul, Piraí, Barra Mansa, Bananal, São José do Barreiro, Areias,
etc., originando-se das diversas fazendas que se multiplicaram cultivando a
rubiácea. O café também proporcionou o surgimento da última aristocracia do país,
onde os fazendeiros cafeicultores escravistas tornaram-se a elite social e
política da nação.
No sentido
nordeste-sudoeste, os cafeeiros vão avançando pelo Vale do Paraíba, entre as
províncias do Rio de Janeiro e São Paulo, expandido também, o luxo e a ostentação
dos imensos e soberbos casarões urbanos e sede das extensas fazendas. De acordo
com a análise do saudoso Prof. José Luiz Pasin, os fazendeiros e os “barões do
café”, enobrecidos pelo Império, construíram “as casas-grandes, imponentes,
assobradadas, com dezenas de portas, janelas, alcovas (...). E os nomes iam se
multiplicando: Bela Aurora, Bela Vista, Boa Vista, Cordeiro, Cascata, Catadupa,
Morro Vermelho, Pau D’Alho, Pinheiro, Palmeiras, Bom Jardim, Três Barras,
Sant’Ana, Resgate, Rialto, São Miguel, Itaguassu, Vista Alegre, Veloso, Barba,
Fortaleza, Restauração”, etc. Para termos uma ideia do volume de produção
cafeeira, garantida graças ao látego do feitor nas costas dos escravos , observemos que no ano de 1860,
ao passar pela Vila do Bananal, o viajante luso-brasileiro Augusto Emilio Zaluar,
afirma que este “ município é um dos
mais importantes da província de S.
Paulo e exporta para cima de um milhão de
arrobas de café”. Em todo o Vale do Paraíba, quando da passagem de Zaluar,
a Vila de Guaratinguetá é a que mais se
aproxima de Bananal, no tocante à produção cafeeira, produzindo e exportando
perto de 600.000 arrobas em 1860. As localidades que produziam menos eram Lorena,
Caçapava e São José do Parahyba, com a quantia de 100.000 arrobas cada uma.
Na opinião
de Caio Prado Jr., no inicio da segunda metade do século XIX, a bacia do Rio
Paraíba, iria representar “o setor mais rico e progressista do país,
concentrando a maior parcela de suas atividades e econômicas. Atinge também,
pela mesma época, o auge do seu desenvolvimento; logo virá o declínio”. A crise
da agricultura cafeeira no Vale do Paraíba, seguida da estagnação e falência
das grandes fazendas, tem sua origem no “acelerado esgotamento das reservas
naturais”, causado pela derrubada indiscriminada das matas virgens para o
plantio da rubiácea, segundo Prado Jr. Preocupados apenas em obter lucros
imediatos, os fazendeiros adotaram o plano mais simples, o qual continha a prática
de plantações em fileiras de linha reta, acompanhando os declives dos terrenos
desnudos, favorecendo o trabalho devastador da erosão que acabava com a
fertilidade do solo. Dessa forma, o Vale outra baluarte econômico do Império,
cedeu lugar ao oeste paulista, com suas terras roxas, propícias para o café.
Mesmo com esse cenário desolador, a elite agrária do Vale do Paraíba relutava
em aceitar a realidade e buscar novas fontes econômicas; os fazendeiros ainda
ficavam atados às velhas tradições agrícolas e ao sistema escravista, revelando
uma grande aversão a tudo o que fosse considerado moderno. Aos poucos, porém
vão cedendo e alguns mudam de opinião.
Como
mencionamos anteriormente, Zaluar ao passar pela Vila de Lorena, observou que a
colheita do café era limitada, chegando talvez a 100.000 arrobas anualmente; em
compensação, no entanto, “fazem-se grandes plantações de cana e cultivam-se os
gêneros alimentícios em abundância, de modo que só importa de Minas algum
feijões e toucinhos”. A afirmação do viajante luso sobre as plantações de cana
encontra respaldo na análise de José Geraldo Evangelista, quando o mesmo afirma
que, mesmo no auge do café, o município produzia 26.000 arrobas de açúcar e 150
tonéis de aguardente no ano 1887. Tal era a evolução da atividade canavieira,
paralelo à crise do café, que a Vila de Lorena se predispunha a possuir um
engenho central moderno. Seguindo o exemplo de Irineu Evangelista de Sousa, o
Barão de Mauá, alguns membros da elite agrária aristocrática enveredaram por novas
iniciativas, como a indústria. Somado à sempre crescente atividade açucareira,
os lorenenses solicitam, através da Câmara Municipal, a instalação de um engenho.
Sendo assim, pelo Decreto 8.098 de 21 de maio de 1881, o Governo Imperial
autoriza a instalação do Engenho Central em Lorena. Segundo
José Geraldo Evangelista, o capital do referido Engenho
totalizava 500:000$000, divididos em 2.500 ações de 200$000 cada. A Sociedade
Anônima Engenho Central de Lorena era composta por Joaquim José Moreira Lima
Júnior, o Conde de Moreira Lima; pelo irmão deste, Antônio Moreira de Castro
Lima, o Barão de Castro Lima e os sobrinhos de ambos, o Comendador Arlindo
Braga e o Comendador Francisco de Paula Vivente de Azevedo, futuro Barão da
Bocaina. De acordo com as pesquisas de Antônio da Gama Rodrigues, o capital
inicial não fora suficiente para a construção do prédio e a instalação do
maquinário da Usina, cujos custos totalizaram a soma de 614:000$000. Isso obrigou
já no inicio, “a uma elevação do capital social para 700:000$000, ainda com
garantia de juros de 6%, concedida pelo Governo Geral.” Ainda assim, tornou-se
necessário a realização de um empréstimo adicional, em debêntures, no valor de
500:000$000 com juros de 8%. O referido empréstimo foi tomado, em praticamente
todo o montante, pelos membros da família acionista do Engenho Central, como o
Barão de Castro Lima, o Comendador Arlindo Braga e o Conde de Moreira Lima.
Assim sendo, no dia 4 de outubro de 1884, ocorre a inauguração oficial do
Engenho Central de Lorena, em meio às festividade pomposas, estando presente ao
ato o Ministro da Agricultura, Conselheiro Rodrigo Silva, representando o
Governo Imperial. A direção da empresa ficou a cargo do Comendador Arlindo
Braga e do Barão da Bocaina.
Entretanto,
logo no inicio de suas atividades o Engenho Central enfrentou dois enormes
problemas, os quais eram a cana para as suas moendas, justamente a
matéria-prima, e a lenha para as caldeiras. A primeira dificuldade tentou-se
resolver com a aquisição de extensas glebas para o plantio e cultivo de
cana-de-açúcar em grande escala, que seriam trabalhadas por colonos europeus,
ou seja, imigrantes livres, significando uma alternativa para a falta de
abraços, causada pela Abolição. Segundo José Geraldo Evangelista, isso representa
“uma mudança radical, envolvendo três aspectos: ocupação de terras novas, nunca
cultivadas, mão-de-obra livre, trabalhando livremente, e intensificação de uma
lavoura, que se não era nova, iria inserir-se num quadro econômico novo”.
Consequentemente, incentivada pela Câmara Municipal de Lorena, a qual solicitou
auxilio dos Governos da Província e Geral, entre o final de 1884 e meados de
1885 a Fazenda das Canas, de propriedade do Alferes Francisco dos Reis é
escolhida para a instalação de uma colônia de trabalhadores imigrantes, entre
italianos e belgas. Essa colônia, denominada de Núcleo Colonial do Norte, mais
tarde seria o embrião da futura cidade de Canas, após emancipar-se de Lorena. A
segunda dificuldade foi resolvida, utilizando a navegação pelo Rio Paraíba,
para adquirir lenha em outros municípios, além de transportar parte da
mercadoria produzida. O Engenho Central ainda seria beneficiado por uma tarifa
especial da Estrada de Ferro para o transporte de seus produtos, além do já
mencionado transporte fluvial, operado por onze barcos adquiridos da Companhia
do Rio Verde e recebidos já em março de 1884, ou seja, antes da inauguração. A
administração do Engenho construiu também um ramal férreo próprio de 12 km , a Estrada de Ferro
Santa Lucrécia, ligando a Usina à estação ferroviária de E. F. São Paulo-Rio, em
Lorena, facilitando o escoamento de sua produção. Até uma linha de bondes,
movidas à tração animal foi implantando pela administração do Engenho, para
fazer o trajeto do centro da Vila de Lorena até a Usina, inaugurada no dia 18
de outubro de 1886, quando da visita do imperador Dom Pedro II e sua esposa
Dona Tereza Cristina.
Entrementes,
a produção do Engenho não atingia o nível de sua capacidade máxima, pois além
de não conseguir plantações suficientes para a moagem, os canaviais foram
formados com canas, denominadas “crioula”, consideradas degeneradas, sendo que
a ideal seria a “Mapon-rouge”. Na afirmação de José Geraldo Evangelista, a
diferença por hectare entre a primeira e a segunda espécie de cana era de 6.050
quilos para 182.892 quilos de açúcar. Isto significa que moendo canas “crioula”
em sua plena capacidade, “o Engenho estaria gastando lenha e mão-de-obra em
pura perda”. A direção do Engenho Central não poupou esforços para contornar a
situação, estendendo os limites das viagens de sua frota fluvial no Rio
Paraíba, entre a Vila da Bocaína (Cachoeira Paulista) e Jacareí, além de
adquirir mais terras para a formação dos canaviais. Porém, fracassou nas
inúmeras tentativas de adquirir as terras férteis do Piagüí, em Guaratinguetá. Para
manter tais ações, a administração acabou por contrair enormes compromissos que
resultou em uma dívida flutuante altíssima. A solidez inicial desmoronou diante
das péssimas safras, juros exorbitantes insolventes, além de desentendimentos
entre os membros acionistas e diretores. Na opinião de Gama Rodrigues, diante
desse cenário, o Barão da Bocaina “retira-se da sua direção e é sucessivamente
substituído por Antonio Moreira de Castro Lima Júnior, depois pelo Conde de
Moreira Lima, pelo Drº. Alsino Braga e por último por Durval Braga”. Ao acúmulo
das dificuldades operacionais e financeiras somou-se o falecimento do Comendador
Arlindo Braga em 1896. E nesse mesmo ano, após ter o pedido de concordata
negado pela Justiça e pelos credores, o Engenho Central teve a sua falência
decretada, sendo nomeados síndicos da massa falida o Coronel Vicente Barreiros
e Antonio de Pádua Machado Júnior. No
dia 20 de maio de 1901 ocorreu o leilão do Engenho Central de Lorena,
arrematado por uma empresa sediada em Paris, a Societé Sucrérie Bresilienne, no
valor de 700:000$000. Além do edifício principal, galpão para armazéns e
maquinários foram leiloados, segundo Gama Rodrigues, 36 casas para funcionários
e dirigentes do antigo Engenho, “todos no perímetro urbano da cidade; mais ou
menos 1.000 alqueires de terras de cultura; 12 quilômetros de linha férrea
através dessas terras, com todo o material rodante; 2 vapores para a navegação
fluvial, etc”.
A falência
do Engenho Central após apenas 12 anos de funcionamento é interpretada por José
Geraldo Evangelista como a conclusão “do processo de desmoronamento da
agricultura de Lorena”. Embora se tratasse de um empreendimento de nível
industrial, com tecnologia e relações de trabalho de cunho capitalista, o
Engenho tinha a sua base na agricultura. Como seus diretores, antigos fazendeiros
escravistas, egressos do sistema patriarcal rural, ainda deveriam estar
arraigados ao velho método e teriam lhes faltado capacidade empresarial “para
prever a falta de matéria-prima, (...) má gerência dos recursos disponíveis”. É
o caso de empreendimentos supérfluos, como “a linha de bondes, recepções e
jantares a visitantes ilustres”, o que acarretaria inevitavelmente lesando os
cofres da empresa.
Contudo, a
nova administração opera a Usina na primeira metade do século XX, até que no
dia 26 de janeiro de 1959 a população lorenense assiste a demolição da chaminé
do antigo Engenho Central. A cidade de Lorena estava entrando em outra fase da
industrialização, a da indústria química. Até a próxima.
Eddy
Carlos
Dicas para consultas.
EVANGELISTA, José
Geraldo. Lorena no Século XIX. Coleção
Paulística. Vol. VII. Imprensa Oficial. São Paulo. 1978.
PRADO JR, Caio. História Econômica do Brasil. Editora
Brasiliense. São Paulo,1962.
MEMÓRIAS de Lorena. Fotos e Palavras. Coleção Lorenense.
Vol. 4. Publicação da Sociedade dos
Amigos da Cultura de Lorena. Lorena, 2003.
RODRIGUES, Antônio da Gama.
O Conde de Moreira Lima. Coleção
Lorenense. Vol. IX. Gráfica e Editora Santuário. Aparecida 2006.
SOBRINHO, Alves Motta, A Civilização do café (1820-1920).
Editora Brasiliense. São Paulo, 1978.
ZALUAR, Augusto Emílio. Peregrinação pela Província de São Paulo
(1860-1861). Biblioteca Histórica
Paulista. Vol. II. Livraria Martins Editora. São Paulo, 1976.
E-mail: eddycarlos@ymail.com
Blog: redescobindoovale.blogspot.com.br
Sou cachoeirense, estava em busca do município de Jatahy, próximo a Cachoeira Paulista, quando deparei com suas informações no Blog, e fiquei por dentro da minha pesquisa. Obrigada.
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