quarta-feira, 22 de setembro de 2021

O Agonizante Paraíba.


            Trecho do Rio Paraíba em São José dos Campos. Fotografia de Eddy Carlos; 2019.

           Atualmente ao trafegarmos pelas modernas estradas de rodagem, observamos que quando próxima de um rio ou quaisquer córregos é dificílimo encontrar um que esteja limpo. Dentro da grande metrópole que é a cidade de São Paulo, nos deparamos com os dois principais rios, o Tietê e os Pinheiros completamente poluídos e sem vida. Chamados pelos índios, respectivamente de Anhembi e Jeribatiba, tais rios, além de fornecerem água e abundância de pesca para os nativos e os colonizadores, serviram como rota da penetração lusitana nos séculos XVI, XVII e XVIII, neste último com as Monções. Ainda, em fins do século XVI, os exploradores lançam-se para uma nova rota de aventura, através do Rio Paraíba do Sul, este denominado anteriormente de Rio dos Sorobis, devido à multiplicidade de peixes surubins.

             O rio em questão é formado pela junção de outros dois rios: o Paraitinga e o Paraibuna. Ambos têm suas nascentes na Serra da Bocaína, em lugares distintos. O primeiro, cujo nome significa “águas claras”, nasce em Areias; e o segundo, significando “águas escuras”, nasce em Cunha. Próximo ao Município de Paraibuna, os dois rios se unem e, seguindo sentido sul-sudoeste, chega a Guararema, onde faz uma curva, “rumando” em sentido oposto, até chegar ao Município de São João da Barra-RJ, onde deságua no Oceano Atlântico. Conforme a análise de Roberto Gomes de Avellar, o Rio Paraíba possui uma extensão de 1.150 Km, recebendo ao longo de seu curso, águas de vários rios menores e demais córregos, podendo ser “dividido”, de acordo com determinados critérios. Assim, o autor mencionado faz a seguinte classificação, conforme os cursos do mesmo: Curso Superior: da nascente em Areias (SP) à Cidade de Guararema (SP), com 317 km de extensão. Fortes declives e chuvas torrenciais. Primeiros reservatórios de cabeceira, que aliados ao reservatório do Funil (RJ) proporcionam controle razoavelmente satisfatório sobre as enchentes nas áreas que correspondem aos dois terços superiores do rio. (...). Curso Médio Superior: trecho entre Guararema (SP), a 570 metros do nível do mar, e Cachoeira Paulista (SP) a 515 metros de altitude, com 208 km de extensão. Terreno menos acidentado formado por grandes várzeas. (...). Curso Médio Inferior: de Cachoeira Paulista (SP) a São Fidélis (RJ) com 480 km de extensão. Possui trechos encachoeirados a áreas de várzea. (...).Curso Inferior: de São Fidélis (RJ) a foz em São João da Barra, com 95 km de extensão, passando por Campos dos Goytacazes, que devido ao monocultivo da cana de açúcar, necessita de grandes volumes d’água captados para irrigação.”

             O Rio Paraíba “testemunhou” o processo de colonização lusitana no Vale, com o surgimento das primeiras vilas que dariam origem às atuais cidades. Ao mesmo tempo, diversos viajantes, aventureiros, exploradores, em geral deixaram registrado em suas obras como era o referido rio nas suas origens, até sofrer com a ação antrópica. Além das Entradas e Bandeiras, um dos relatos mais antigos sobre o Rio Paraíba é o de Anthony Knivet em 1596, corsário inglês da tripulação de Thomas Cavendish, que saqueou as vilas de Santos e de São Vicente. Preso no Rio de Janeiro, Cavendish parte, a serviço dos portugueses, para uma expedição punitiva contra os últimos grupos de índios Tamoios, remanescentes da antiga Confederação, apoiada pelos franceses. No seu diário, citado por José Luiz Pasin, Knivet afirma que o seu grupo estava exausto e faminto, quando chega ao local que hoje é a cidade de São José dos Campos. Após quatro dias de marcha “alcançamos o rio Paraíba, onde tivemos peixe em abundância, e foi esta a nossa única comida’”.

            Quando da fase do bandeirismo de preagem, os bandeirantes, partindo tanto de São Paulo, Mogi das Cruzes ou de Taubaté, acompanhavam o curso do Rio Paraíba até o Porto da Cachoeira, daí cruzando o mesmo seguia rumo à Garganta do Embaú na Serra da Mantiqueira, cujo objetivo era o Sertão dos Cataguases. Com a descoberta do ouro, essa região passou a ser denominada de região das minas ou Minas Gerais. Outro fato marcante na história valeparaibana envolvendo o Rio Paraíba é o encontro da Santa Aparecida em suas águas no Porto Itaguaçú em 1717. Nesse ano o Conde de Assumar, Dom Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcellos, em viagem às Minas, pernoita na Vila Guaratinguetá e exige grande provisão de peixes para a viagem, ameaçando os pescadores caso não cumprissem a ordem. Após o encontro da Santa, a pesca teria sido farta.

            O Rio Paraíba consta também das anotações feitas por Johann Bastist von Spix e Karl Friedrich Phillip von Martius e das telas do pintor Thomas Ender. O viajante francês Augustin François César Prouvençal de Saint-Hilaire relatou em 1822, que o Rio Paraíba, na região do Porto da Cachoeira, “poderá aqui ter a mesma largura que o Loiret diante de Plissay. Corre com lentidão e majestade. A esquerda da colina onde fica situada a cidade existe outra, coberta ainda de mata virgem, e acima dela à beira do mesmo rio, algumas cabanas esparsas, entremeados de cerrados grupos de bananeiras e laranjeiras”. Em 1860, ao passar pela Vila de Queluz, o jornalista luso-brasileiro, Augusto Emílio Zaluar, afirmou que no “fundo de um vale delicioso desdobra-se a toalha límpida e clara de águas do Paraíba, que de uma a outra margem beijam preguiçosas as casinhas pitorescas da povoação, em numero de noventa e cinco”. Depois de mais de 150 anos, esse trecho de Paraíba é um dos mais poluídos, segundo a análise de João Teodoro e Luciana Almeida Braga. Mas não é só o trecho de Queluz; em regiões, onde a atividade industrial é hegemônica, a poluição é total, como entre Jacareí, São José dos Campos, Caçapava, Taubaté, Pindamonhangaba e mais além, Resende entre outras.

            Para termos uma noção do desastre analisemos a descrição de Manuel Eufrásio de Azevedo Marques sobre o Rio Paraíba em 1876. O autor citado afirma que o Rio Paraíba é “extremamente piscoso, de maneira que abastecem as povoações de suas margens de ótimos variados peixes, como são: Piabanha, Tiapara, Tiapara arrepiada, Traíra, Corimbatá, Timboré, Surubi, Bagre amarela, Bagre preta, Piabonu, Pirapitanga, Peixe espada, Uacará, Uacaru, Saiguiru, Alambari (lambarí), Mandi, Tambiú, etc, etc.” Segundo João Teodoro e Luciana Braga, no ano de 1950, a “produção do pescado de água doce das cidades do Vale do Paraíba (...) foi de 400.895 quilos de 26 espécies diferentes”. Em 1995, os piraquaras que tentam sobreviver da pesca, não encontram nem 10 espécies diferentes, conseguindo com muito trabalho e cansaço pescar lambarís, traíras, tilápias, bagres, pacus, etc. Para os autores, o piraquara pescador vê reduzir sua “principal fonte de renda econômica. A média de pesca diária, segundo os dados fornecidos pelos pecadores, sofrem um redução de cerca de 75% quando comparada ao volume registrado nos anos 50”. Isso em 1995, pois de lá para cá, a situação deve ter piorado devido ao aumento e expansão da atividade industrial e a agressão ao meio ambiente, em particular ao Rio Paraíba. Apesar de tudo, órgãos de proteção e revitalização do rio movimentam-se, junto com a sociedade civil esclarecida. Atualmente, o Rio Paraíba, entre Paraibuna, Santa Branca e Guararema, encontra-se praticamente despoluído, com uma considerável quantidade de peixes. Oxalá que o mesmo se estenda em todo o trecho até São João da Barra, na foz no Oceano Atlântico, bem como dos demais rios, ribeirões e córregos. O caso do Rio Tâmisa deveria servir de exemplo. Até a próxima. 

                                                                                        Eddy Carlos. 

 

Dicas para consulta.

AVELLAR, Roberto Gomes de. Rio Paraíba do Sul. Sua Importância como Recurso Hídrico e os Impactos de sua Exploração em Relação aos Usos Múltiplos. Trabalho de Conclusão de Curso. CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA CELSO SUCKOW DA FONSECA-CEFET/RJ. Rio de Janeiro, 2015. 

MARQUES, Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos Históricos e Geográficos da Província de São Paulo. Biblioteca Histórica Paulista. Volume I. Martins Editora. São Paulo, 1976. 

PASIN, José Luiz. Vale do Paraíba. A Estrada Real. Editora Santuário. Aparecida, 2004. 

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda Viagem a São Paulo. Biblioteca Histórica Paulista. Volume VI. Martins Editora. São Paulo, 1976. 

TEODORO E BRAGA, João e Luciana Almeida. Paraíba do Sul. Rio Sagrado. Fundação Cultural Cassiano Ricardo / Gráfica Melhoramentos. São José dos Campos, 1997. 

ZALUAR, Augusto Emilio. Peregrinação pela Província de São Paulo (1860-1861). Biblioteca Histórica Paulista. Volume II. Martins Editora. São Paulo, 1976.


E-mail: eddycarlos6@gmail.com

 

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