segunda-feira, 15 de julho de 2019

O Führer Tupiniquim.

             Plínio Salgado discursa em 1936 no Espírito Santo, após o 1º Congresso da A.I.B.
                                                          FONTE: Acervo O Globo.

   A Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao cargo máximo da nação brasileira, significou uma ruptura política com a elite que governava o país desde a deposição da monarquia, ocorrida com o movimento de novembro de 1889. Durante quarenta anos, a elite agrária paulista alternando-se com a mineira dominou a política nacional, direcionando-a em prol da manutenção e ampliação de seus interesses. O sistema ficou conhecido como República Velha, destacando-se os proprietários rurais do Nordeste, onde em seus latifúndios, a palavra do “Coronel”, tinha o peso da Lei. Já em meados da década de 1920, tem início uma série de insurreições da baixa oficialidade militar, o que se convencionou denominar de “Tenentismo”. O movimento armado deflagrado em 03 de outubro de 1930 e vitorioso menos de um mês depois com a deposição do Presidente Washington Luís é considerado também uma vitória dos Tenentes que alijam do poder os políticos, segundo eles, corrompidos e “carcomidos” que sangravam a nação. O Governo Provisório, instalado no Palácio do Catete sob a chefia de Getúlio Vargas, logo enfrentaria a primeira revolta armada. Caracterizada como um movimento reacionário por uns e defensor da legalidade por outros, a Revolução Constitucionalista de 1932, deflagrada pelo Estado de São Paulo objetivava a deposição de Vargas e a rápida reconstitucionalização do país. Após quase três meses de luta, os paulistas rendem-se ao Exército Nacional, comandado pelo General Pedro Aurélio de Góes Monteiro, que nomeia, de acordo com Getúlio, o General Waldomiro Castilho de Lima, como Governador-Militar de São Paulo.
             A vitória contra os paulistas garantiu a hegemonia do Governo Federal sobre os Estados, além de coroar o domínio dos Tenentes, que agora passam a ocupar cargos no funcionamento público e nos de confiança do próprio Vargas. Não havendo mais contestações armadas, ocorre uma cisão entre os Tenentes, de acordo com a inspiração ideológica, influenciada pelas correntes em disputa, como o capitalismo e o comunismo. Surgem então seguindo a ideologia inspirada, os Tenentes de Direita e os de Esquerda; estes últimos já estavam influenciados pelos discursos e manifestos do antigo líder tenentista Luís Carlos Prestes que já em 1931 havia aderido ao comunismo, indo se instruir na União Soviética. De volta ao Brasil, Prestes e seus correligionários fundariam a Aliança Nacional Libertadora (A.N.L.), reivindicando melhores condições sociais para a classe operária. No outro extremo já atuava desde 1932, outro grupo diametralmente oposto à A.N.L., a Ação Integralista Brasileira(A.I.B.). Ambas as correntes político-ideológicas revelavam-se nacionalistas; a A.N.L. pregava, além da reforma agrária, a economia planificada nos moldes soviéticos administrados pelo Estado, enquanto que a AIB pregava uma economia de mercado, mas dentro da ótica do capitalismo independente do externo e tendo o Estado como regulador e árbitro dos conflitos sociais. Com o manifesto “Deus, Pátria e Família”, o escritor Plínio Salgado lança em São Paulo as bases do integralismo brasileiro, o que é considerado o nascimento da A.I.B.. Nascido em São Bento do Sapucaí em 1895, Plínio Salgado era filho do Coronel Francisco das Chagas Esteves Salgado com a professora Anna Francisca Rennó Cortez e já em 1919 tornou-se conhecido ao publicar uma coletânea de poesias intitulada “Thabôr”. Adotando uma postura nacionalista, visível em seus relatos, Plínio Salgado obteve o respeito e o reconhecimento de Monteiro Lobato, além de participar em 1922 da Semana de Arte Moderna com Menotti del Picchia. O historiador Leandro Pereira Gonçalves afirma que o Modernismo, que foi essencial para Plínio nos avanços culturais, o mostrava ainda com uma atuação tímida. Mas, “principalmente com os contatos estabelecidos, estava aos poucos entrando na rota (...), que passou a ser um passaporte para a saída do anonimato”. Buscando sempre contatos, cujas relações garantissem promoção pessoal e ascensão, Plínio Salgado atrelava à sua concepção de nacionalismo, preceitos cristãos e até ojeriza aos estrangeiros residentes no Brasil. Em 1929, com o Manifesto do Verde-Amarelismo Plínio Salgado defendia os modelos nacionalistas conservadores e extremistas de Direita europeus, nos quais encontra inspiração para implantá-los no Brasil. Dessa forma, para o escritor valeparaibano, a estrutura da República não era compatível com o ideário nacionalista e, segundo Leandro Pereira Gonçalves, as concepções políticas de Plínio “estão pautadas no ultra-nacionalismo de base direita extremista”.
   Sendo assim, já filiado ao P.R.P. (Partido Republicano Paulista), o escritor nacionalista promove um processo radical interno, cujo objetivo primordial é a renovação do velho partido oligárquico. A partir de 1926, quando publica sua obra principal, “O Estrangeiro”, Plínio “embarca” de vez na política, passando a ocupar espaço relevante na cultura nacional. Apesar de fracassar na tentativa de renovar o P.R.P., Plínio Salgado permanece no mesmo até a Revolução de 1930. No ano de 1927, porém, com o sucesso de “O Estrangeiro”, é eleito Deputado Estadual em São Paulo, junto com Menotti del Picchia.  Em 1930 durante a campanha eleitoral presidencial, Plínio é convidado para uma viagem à Europa pelo amigo Alfredo Egídio de Souza Aranha. Para o Prof. Leandro Pereira, essa viagem proporcionou para o político e escritor uma ampla evidência, pois o “contato com a política européia, notadamente o fascismo de Mussolini, aliado ao conhecimento e influência dos movimentos conservadores portugueses, especialmente o integralismo lusitano, fez com que Plínio enxergasse a saída para o Brasil”. Retornando aos trópicos, Plínio começou a pôr em prática os seus ideais nacionalistas autoritários, baseados nos conceitos do Partido Fascista da Itália, transmitidos direto por Benito Mussolini, o Duce. Como citamos anteriormente, no dia 07 de outubro de 1932, Plínio Salgado lança oficialmente a Ação Integralista Brasileira, expondo nitidamente os seus propósitos para a nação, os quais eram, na opinião de Leandro Pereira, “a defesa de uma política nacionalista baseada em um conservadorismo, tendo a manutenção da propriedade como forma de organização social, a aversão ao cosmopolitismo para a defesa de uma sociedade forte e organizada dentro de um contexto tradicionalista”. O integralismo também possuía características como antissocialista, antissemita e antiliberal. Aos poucos, o movimento alastra-se pelo Brasil, chegando a ter em suas fileiras, entre 100 mil e 300 mil adeptos, entre homens e mulheres. 
      Segundo Eduardo Bueno, assim como os “camisas negras” italianos, todos os membros da A.I.B. envergavam o uniforme da organização, sendo “bonés e camisas verdes, calças azuis, gravatas pretas”. Nos comícios, manifestações e desfiles paramilitares, os adeptos cumprimentavam-se uns aos outros com a palavra “Anauê”, de origem tupi, com braço direito levantado e a mão espalmada. O figurino integralista usava como símbolo máximo, a letra grega sigma (Σ), a qual significava a soma. A sigma estava estampada nos uniformes, no antebraço esquerdo; nos cartazes e revistas da organização, estandartes e a bandeira principal, “azul com um círculo branco no centro, dentro do qual a sigma se sobrepunha ao mapa do Brasil”, de acordo com Eduardo Bueno. Ao inspirar-se e apoiar-se diretamente no fascismo da Itália, a A.I.B. e Plínio Salgado idealizavam a construção de um Estado corporativo com base na representação das várias classes sob o controle forte do Governo, excluindo assim o voto direto. Para manter a ordem disciplinada e subjugar o cidadão comum pelo respeito, os integralistas pregavam a necessidade de militarizar toda a vida nacional. Durante aproximadamente cinco anos, a A.I.B. recrutou e manteve em suas fileiras desde intelectuais, como religiosos, oficiais militares do Exército e Marinha, jornalistas, pequenos comerciantes, operários e estudantes. Aliás, a juventude foi um foco de atenção dos integralistas, tal como os nazistas fariam também na Alemanha. Dentre os membros da A.I.B. destacamos, além de Plínio Salgado, que era o chefe supremo, Severino Sombra, Olbiano de Melo, Gustavo Barroso, Raimundo Barbosa Lima, José Loureiro Júnior, Antônio Galotti, Marcelo da Silva Teles, Miguel Reale (futuro reitor da USP), Belisário Pena, Alcibíades Delamare, Pedro Moura, San Thiago Dantas, Padre Hélder Câmara (futuro cardeal da C.N.B.B.), Belmiro Valverde, Antônio de Toledo Piza, General Newton Cavalcanti, Capitão Olímpio Mourão, Tenente Severo Fournier, Oliveira Vianna, Otávio Mangabeira, entre outros.
  Todavia, à medida que os regimes totalitários na Europa se fortaleciam, seguindo o “exemplo” do Duce na Itália, como Hitler na Alemanha, Salazar em Portugal e Franco na Espanha (este um pouco mais tarde em 1939), o prestígio da A.I.B. e de Plínio Salgado se acentuam. O movimento paramilitar cai nas graças de Getúlio Vargas, simpatizante das fórmulas autoritárias europeias, implantadas no Brasil por Plínio, Por outro lado, Plínio Salgado e sua agremiação passam a ser, além de combatidos, ridicularizados pelos seus detratores, principalmente os esquerdistas. Os integralistas são então rotulados de “galinhas verdes”, enquanto seu chefe é denominado de “Hitler Tupiniquim”. A comparação é justificada, devido parcialmente à aparência física, e aos rituais cerimoniais do integralismo, como a saudação “Anauê” e a saudação nazista “Heil Hitler”. Tupiniquim, porque o indígena seria o elemento influenciador em busca da identidade nacional, ao passo que os nazistas já possuíam tal identidade. A exemplo do líder do III Reich, o escritor e político de São Bento do Sapucaí é também chamado pejorativamente de “Führer”, mas dos trópicos. Apesar disso e contando com o apoio do Governo Vargas, os integralistas ocupam cada vez mais espaço, realizando, além de comícios, grandes congressos nas diversas capitais do país, aumentando ainda mais o prestígio do “Hitler” brasileiro. De acordo com análise de Edgard Carone, ao mesmo tempo em “que o domínio de Plínio Salgado aumenta, são criadas fórmulas ideológico-organizatórias místicas, onde a obediência e a hierarquia são apresentadas como valores ideais. De um lado está o chefe  onisciente e onipresente, de outro a massa. Entre eles, o Partido, que transmite a vontade do chefe. Justificando a situação existe toda uma ideologia irracional”.
    Entrementes, o rápido avanço dos integralistas e sua atuação política despertou nos grupos esquerdistas o temor de que ocorresse no Brasil o mesmo que ocorreu na Alemanha quando em 30 de janeiro de 1933, o N.S.D.A.P. (Partido Nazista) chega ao poder com a posse de Adolf Hitler como Chanceler do Reich. Conseqüentemente, os diversos grupos de esquerda tentam se unir e em outubro de 1934 organizam uma manifestação popular em São Paulo, na Praça da Sé. Em janeiro de 1935 é lido um manifesto na Câmara dos Deputados que anunciava a criação da Aliança Nacional Libertadora, conforme citado anteriormente. De acordo com a enciclopédia “Nosso Século”, o programa da frente esquerdista possuía “cinco pontos fundamentais: por um governo popular, que garantisse as mais amplas liberdades, proteção aos pequenos e médios proprietários, nacionalização das empresas estrangeiras e cancelamento unilateral da divida externa”. À esse grupo juntar-se iam alguns elementos egressos do Tenentismo, tendo como Presidente Hercolino Cascardo e como Presidente de honra Luís Carlos Prestes. Outros integrantes da A.N.L. eram os capitães do Exército Trifino Correia, Henrique Oest, Moésias Rolin, Agildo Barata, além dos civis Francisco Mangabeira, Venâncio Campos da Paz, Abguar Bastos, Rubem Braga, etc. Adere também os antigos companheiros de Prestes, Miguel Costa e João Cabanas. Assim como a A.I.B., a A.N.L. promove grandes manifestações, protestos e comícios nos centros urbanos. Não tardou a iniciar os confrontos violentos entre as duas agremiações, resultando em mortes, como a do operário Leonardo Candu em Petrópolis no dia 09 de junho de 1935. O crescente poder do A.N.L., por sua vez, incomodou o Governo Vargas, que alegando questões de segurança, determina o fechamento da organização em 11 de julho de 1935, baseando-se na Lei de Segurança Nacional. Na ilegalidade, além de combater o integralismo de Plínio Salgado, a A.N.L., junto com o Partido Comunista, ambos liderados por Luís Carlos Prestes tramam uma insurreição contra Vargas, deflagrada no dia 23 de novembro de 1935 em Natal (RN) e quatro dias depois no Rio de Janeiro. Foi a chamada Intentona Comunista de 1935, rapidamente sufocada pelas forças legalistas. A seguir houve uma onda de pressões e indiciamentos, sendo o mais notório, o de Prestes, preso em março de 1936.
     Eliminada a “ameaça” vermelha, os integralistas tem agora o espaço livre, uma vez que era pública a (aparente) simpatia de Getúlio pelos “camisas verdes” da sigma. Senhor da situação, apesar de governar “democraticamente” entre 1934 e 1937, o chefe da nação solicitou várias medidas de exceção, todas atendidas pelo Congresso Nacional. Apesar disso, Vargas mantém marcada a eleição presidencial para janeiro de 1938. Três candidatos lançam-se a corrida eleitoral: Armando de Sales Oliveira, Governador de São Paulo, José Américo de Almeida, escritor e ex-ministro de Vargas, e Plínio Salgado, líder da A.I.B.. Este acreditava que teria chances, por contar com o apoio do governo, e dessa forma os integralistas seriam o partido da situação. Assim, Plínio tornar-se-ia o "Führer" do Brasil. Porém em 10 de novembro de 1937, o Exército fecha o Congresso e Getúlio Vargas anuncia a criação do Estado Novo com uma nova constituição, cancelando as eleições futuras. Plínio Salgado já estava a par do que aconteceria, dando todo o apoio ao golpe em troca da promessa de Vargas de nomeá-lo Ministro da Educação. Segundo Edgard Carone, o líder da A.I.B., omitira o apoio ao golpe aos seus correligionários, pois enquanto esconde “seu compromisso aos companheiros, ele se encontra com Francisco Campos (redator da nova constituição), em começo de 1937, depois com Getúlio Vargas, aprova o texto da futura constituição e está certo de que a A.I.B. será o único partido que existirá no novo regime a ser instituído. Entre seu desejo e a realidade, a distância é longa e as ilusões são grandes”. E é assim que, embora tenha incorporado alguns pontos do programa da A..I.B. ao Estado Novo, com um decreto de 02 de dezembro de 1937, Getúlio Vargas coloca na ilegalidade todos e quaisquer partidos políticos, inclusive a Ação Integralista Brasileira. Na realidade, Getúlio serviu-se dos integralistas contra a Esquerda; como não necessitava mais do seu auxílio, os “camisas verdes” tornaram-se uma ameaça aos olhos de Vargas e chegara a hora de lhes “puxar” o tapete. Em represália, 2.000 integralistas do Exército tentam uma insurreição em março de 1938, logo sufocada. A repressão governamental é branda, mas mesmo assim Plínio refugia-se em São Paulo, possivelmente em São Bento do Sapucaí. Após as prisões, os integralistas são libertados. A conspiração recomeça e no dia 10 de maio de 1938, eclode um novo levante denominado de Intentona Integralista. Os planos da insurreição incluíam desde a prisão de Getúlio até o assassinato dos generais Góes Monteiro e Eurico Dutra. A repressão dessa vez é violenta com a execução sumária de vários integralistas e a prisão de aproximadamente 1.500 deles. O Tenente integralista Severo Fournier é preso alguns dias após o levante e morre no cárcere com tuberculose. Somente em janeiro de 1939, Plínio Salgado é preso e enviado para o exílio em Portugal. O integralismo chega ao fim no Brasil, ressurgindo timidamente bem mais tarde sem, no entanto, atingir as proporções de antes. O planejamento político de Plínio Salgado, ou do Führer Tupiniquim também finda.
   Contudo, com a deposição de Vargas em 1945 e a redemocratização, Plínio retorna ao Brasil e funda o Partido de Representação Popular, extinto em 1964. Em 1955, concorre à Presidência da República, disputando com Juscelino Kubitschek, Juarez Távora e Adhemar de Barros. Em 1956 é eleito Deputado Federal pelo Paraná. Entre 1960 e 1964, e 1970 e 1974, elege-se Deputado Federal por São Paulo, atuando sempre na Comissão de Educação e Cultura. De 1960 a 1975 foi colaborador semanal no “Diário de São Paulo”. E no mesmo ano de 1975, no dia 07 de dezembro, falece na cidade de São Paulo, sendo sepultado no cemitério do Morumbi. A memória do fundador e líder da Ação Integralista Brasileira é cultuada e preservada com a manutenção de sua antiga residência em São Bento do Sapucaí, da Praça Plínio Salgado na cidade de Rio Claro e da Avenida Plínio Salgado em Varginha, no Estado de Minas Gerais. Porém, já há algum tempo, o Município de São Bento do Sapucaí, vem reverenciando a memória da escritora Eugênia Sereno, sobrinha do fundador da A.I.B., mas ideologicamente antagônica ao tio; assunto para um artigo futuro.Até a próxima.
Eddy Carlos.

Dicas para consultas.
BUENO, Eduardo (Org.). História do Brasil. Publifolha, São Paulo, 1997.
CARONE, Edgard. O Estado Novo (1937-1945). Difel. Rio de Janeiro, 1977.
GONÇALVES, Leandro Pereira. A literatura de Plínio Salgado e a formação do integralismo. In: BARBOSA, Alexandre Marcos Lourenço (Org.). Grandes Escritores do Vale do Paraíba. Editora O Lince. Aparecida, 2012.
ENCICLOPÈDIA Nosso Século. Volumes 5 e 6. Abril Cultural. São Paulo, 1985.
SALGADO, Plínio. O Integralismo perante a Nação. Livraria Clássica Brasileira. Rio de Janeiro, 1950.

Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário