quarta-feira, 26 de julho de 2017

A Ponte dos "Dois Euclides".



Antiga ponte metálica de Cachoeira em 1927; imagem da internet.


                   Há algum tempo, publicamos alguns artigos referentes a  pontes; assim não podíamos deixar de analisar a majestosa ponte do Rio Paraíba em Cachoeira Paulista. De vital importância para a cidade, essa ponte, que é a segunda no mesmo local, também foi motivo de intensos debates, projetos e cobranças por parte dos munícipes e autoridades públicas. Por se tratar de um rio de grande volume e margens mais distanciadas como o “Paraíba do Sul”, projetos e obras são geralmente atribuições da administração estadual, ou até mesmo em determinados lugares, da esfera federal. Durante o período imperial, geralmente a construção de pontes, embora de responsabilidade dos municípios, dependiam de verbas solicitadas ao Governo Provincial. Da mesma forma que nos artigos referentes ao pontilhão do Rio Branco e a ponte do Rio Embaú, analisemos o histórico da concepção, projeto e construção da ponte do Rio Paraíba em Cachoeira, unindo a Margem Esquerda ao Centro e o motivo do título acima.
                     Em 1880, o antigo Porto da Cachoeira é desmembrado da Vila de Lorena e, através da Lei Provincial nº5, é criada a Vila de Santo Antônio da Bocaína. De acordo com Agostinho Ramos, já em 1884, a edilidade cobrava das autoridades provinciais a construção de uma ponte, pois a comunicação entre as duas margens do Rio Paraíba era realizada por meio de uma balsa. Em janeiro de 1885, a obra é cobrada novamente, junto com o pedido para o Governo da Província de liberação de verba para construir a Igreja Matriz. Um ano mais tarde, Antônio José da Costa Júnior e os irmãos Porto apresentam ao governo, proposta para a construção de uma ponte de madeira, desde que obtivessem o direito de cobrar pedágio. Ao mesmo tempo, o Barão de Parnaíba, Vice-Presidente da Província, abre a concorrência para a “construção da ponte sobre o Paraíba, com encontros de pilares de pedra, superestrutura (sic.) metálica, até sessenta contos de réis”. A referida concorrência não vingou, pois em janeiro de 1888, a Câmara Municipal da Bocaína volta a pedir à Assembléia Provincial (atualmente Assembléia Legislativa), a construção da ponte e, em abril do mesmo ano, o governo libera uma quantia de 25:000$000 (vinte e cinco conto de réis) para a obra.
                  Consequentemente, ainda de acordo com a análise de Agostinho Ramos, a Vila da Bocaína recebe no mês de março de 1889, a visita do Presidente da Província, Dr. Pedro Vicente, e uma Comissão de Engenharia para avaliar o melhor local para a construção da almejada ponte, “afim de verificar de visu qual o melhor ponto para essa grande obra que vai custar a Província 70 de contos de réis”. E no mês de julho do mesmo ano, o Barão da Bocaína, Francisco de Paula Vicente de Azevedo, de Lorena, coloca-se à disposição do Governo Provincial para superintender a tão aguardada construção. Sendo assim, sob a responsabilidade do engenheiro João Corrêa da Costa, a ponte sobre o Rio Paraíba é inaugurada em 24 de abril de 1891, em meio à grande festividade. Porém, em 1897, a recente ponte já apresentava falhas que teriam origem desde a sua construção, apresentando fendas verticais que se dilatavam próximo à margem direita do rio. Em artigo publicado pelo jornal “Correio Paulistano” em 1953, Agostinho Ramos detalha os pormenores das falhas da ponte e a atuação da antiga Superintendência de Obras Públicas para o reparo da mesma.
                    Sendo assim, é enviado até Bocaína (Cachoeira), o engenheiro-ajudante Portugal Freixo para examinar a ponte e apresentar soluções; a solução de Freixo é de que tal ponte deveria ser totalmente reconstruída e apresenta um orçamento de 60:000$000 (sessenta contos de réis). Discordando do laudo, a Superintendência envia o também  engenheiro-ajudante Euclydes da Cunha, que após profunda análise técnica conclui que, reforçando os pilares por meio da “Cruz de Santo André”, um recurso da engenharia, acabaria por consolidar a ponte, evitando o seu desabamento. O orçamento da obra feito por Euclydes fica em 28:596$350 (vinte e oito contos, quinhentos e noventa e seis mil, trezentos e cinqüenta réis). Satisfeita com o novo laudo, a Superintendência de Obras Públicas encarrega o próprio Euclydes da Cunha de avaliar e organizar as propostas apresentadas, decorrentes da concorrência aberta pela Secretaria Estadual de Agricultura, à qual estava subordinada a mencionada Superintendência. Cumprindo sua função, Euclydes seleciona três propostas: Eng.C.H. Córner, de São Paulo, por 26:000$000, João Vitelli, de Bocaína, por 26:500$000 e Ernesto Zambelli, de Lorena, por 24:000$000; em 9 de julho de 1897. Com a conclusão das obras, a ponte tornou-se firme e segura, transformando-se também no cartão postal da cidade e o mérito da restauração coube ao engenheiro Euclydes da Cunha, que em seguida seguiria para a zona conflagrada de Canudos como correspondente do jornal “O Estado de São Paulo”. Em Canudos, Euclydes escreve a sua obra-prima “Os Sertões”, narrando os horrores do conflito e, de volta ao Vale do Paraíba, fixa-se em Lorena após ser promovido a engenheiro-chefe do 2º Distrito de Obras Públicas, sediado em Guaratinguetá.     
                  Todavia, se a ponte tão sonhada, desejada, construída e reparada teve o nome de Euclydes da Cunha relacionado a ela, devido principalmente á obra de restauro citada, teria 35 anos mais tarde, um segundo Euclydes vinculado ao seu destino. Estamos nos referindo ao Coronel Euclydes de Figueiredo. Pai do futuro Presidente da República, General João Baptista de Figueiredo, esse Euclydes chega em Cachoeira para assumir o comando da 2º D.I.O (Segunda Divisão de Infantaria em Operações), durante a Revolução de 1932. De Cachoeira, o Coronel Euclydes comandava todas as operações militares contra as forças legalistas de Vargas no chamado Setor Norte. Segundo Agostinho Ramos, Prefeito de Cachoeira à época do conflito, Euclydes instala o Quartel-General da 2º D.I.O, na Margem Esquerda requisitando a casa da família de Fausta Martins para as devidas acomodações. Por sua vez, o Corpo de Engenheiros requisita e ocupa, próximo ao Q.G. da 2ºD.I.O, a residência de João Clímaco de Godoy, conhecido em Cachoeira e no Embaú pelo epíteto de “Pequetito”. Porém, se por um lado as construções de pontes, pontilhões, viadutos, etc. atendem às necessidades das populações em geral, por outro, a sua destruição reflete estratégia de guerra, principalmente quando um exército está em retirada e tenta retardar o avanço ofensivo de outro. Foi o que Euclydes de Figueiredo fez quando os soldados legalistas tomaram posições em Bananal, São José do Barreiro e avançavam sobre Queluz. A ordem do comandante constitucionalista foi a de destruírem as pontes sobre o Rio Paraíba, além de pontilhões da via férrea. Sendo assim, as pontes de Queluz, Lavrinhas e de Cachoeira foram dinamitadas, o que não foi suficiente, no entanto para deter a investida das forças federais. A decisão de destruir a ponte metálica foi comunicada a Agostinho Ramos pelo próprio Coronel Euclydes às 23 horas do dia 13 de setembro de 1932. E no alvorecer do dia 14, a bela e formidável ponte é destruída. Deixemos que o próprio Agostinho Ramos relate o episódio: “Deviam ser, mais ou menos, 3 horas da madrugada, três fortíssimos estampidos. Desmantelaram-se os transformadores, arriara a ponte que vai para a Margem Esquerda. (...). E aqui se verifica interessante e singular coincidência de reflexos antagônicos – em 1897, um Euclides, na paz, consolida uma ponte; em 1932, outro Euclides, na guerra, a destrói...”.
                Encerradas as hostilidades com a rendição de São Paulo e a conseqüente ocupação militar, a população de Cachoeira, por três anos, utilizou-se novamente de balsas e barcos para transitarem de uma margem a outra, retornando assim, a cidade aos tempos do Império. Novamente como Prefeito de Cachoeira, Agostinho Ramos, junto com a população inicia uma forte campanha para a reconstrução da ponte. O que é atendido pelo Governo do Estado de São Paulo; será construída uma nova ponte, dessa vez em concreto armado, seguindo o projeto do engenheiro Marcílio Malta Cardoso. Ocupava a interventoria em São Paulo, Armando de Sales Oliveira, cujo Secretário da Viação era Machado de Campos  As obras tiveram início no dia 09 de julho de 1934, exatamente dois anos do levante constitucionalista, e foram encerradas no dia 11 de novembro do mesmo ano, a um custo de 610:000$000 (seiscentos e dez contos de réis). Construída pelas empresas Dolabela Portela e Cia. e Kemitz e Cia., a ponte, com seus arcos majestosos é inaugurada no dia 18 de novembro de 1934, em meio às grandes festividades e queima de fogos. Mais uma vez, Cachoeira tem seu principal cartão postal e, atualmente, ostenta o nome do ex-prefeito e ilustre historiador, sendo oficialmente conhecida como “Ponte Agostinho Vicente de Freitas Ramos”. Até a próxima.                                                                      
                                                                                                               Eddy Carlos.


Dicas para consulta.
FÉLIX, Sandra Regina (Org.). Cachoeira Paulista: Fé, História e Tradição. Editora Noovha América. São Paulo, 2005.
RAMOS, Agostinho. Recordações de 32 em Cachoeira. Empreza Graphica da Revista dos Tribunaes. São Paulo, 1937.
_______________________. Cachoeira Paulista: 1780-1970. 2 vols. IHGSP.São Paulo, 1971.      
 PASIN, José Luiz (Org.) O outro Euclides. O Engenheiro Euclides da Cunha no Vale do Paraíba. 1902-1903. Vale Livros/UNISAL. Lorena, 2002.

Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br





Nenhum comentário:

Postar um comentário