Independência ou Morte, de Pedro Américo, 1888. Fonte: www.aventurasnahistoria.com
Aprendemos
nos bancos escolares que o Brasil se tornou independente no dia 07 de setembro
de 1822, quando Dom Pedro I decide romper com Portugal. Chegava ao fim três
séculos de dominação colonial praticada por um país europeu. Mas em que
circunstâncias isso ocorreu? Quais as razões que levaram o príncipe a libertar
o Brasil do jugo colonial, embora isso representasse uma afronta ao próprio
pai, o Rei Dom João VI? Retrocedemos no tempo.
No contexto das guerras
napoleônicas, o imperador dos franceses praticamente “varreu” a Europa,
invadindo reinos e impérios rivais, destronando reis e colocando no lugar
destes, membros de sua família. Como não conseguiu dominar a Inglaterra,
Napoleão decreta em 1806 o Bloqueio Continental, o qual proibia qualquer país
de comercializar com os ingleses, sob ameaça de invasão, em caso de
desobediência. O objetivo era enfraquecer a economia britânica. E justamente
quem dependia diretamente da Inglaterra era o Reino de Portugal, “amarrado”
desde 1703 pelo Tratado de Methuen. Governava o reino lusitano desde 1799, o
Príncipe Regente Dom João, no lugar de sua mãe, a Rainha Dona Maria I,
conhecida como “a Louca”.
Quando o Bloqueio Continental é
decretado, Portugal se vê “entre a cruz e a espada”. Dom João sabia que se
recusasse a acatar a ordem de Napoleão, o reino seria invadido pelas tropas
francesas. E se obedecesse já tinha sido avisado de que a invasão seria pela
Inglaterra. A solução “brilhante” foi a fuga da Família Real para o Brasil,
então uma mera colônia portuguesa que começa a ser preparada. O monarca ainda tentou
“ganhar tempo”, mas Napoleão percebendo certa manobra ordena que o General
Andoche Junot, já estacionado em território espanhol, iniciasse a invasão de
Portugal no início de novembro de 1807. Abandonando seu próprio povo, Dom João
e toda a Corte embarcam no dia 27 de novembro de 1807, mas só podem zarpar no
dia 29, devido ao mau tempo. Partem escoltados pela Armada Real Britânica,
enquanto que no mesmo instante, as forças de Junot ocupavam Lisboa e a Torre de
Belém. No dia 22 de janeiro de 1808, a comitiva lusitana chega a Salvador,
permanecendo alguns dias; depois o destino seria o Rio de Janeiro, onde
desembarca no dia 08 de março. Logo em seguida assina decretos que iriam
beneficiar a Inglaterra, como a Abertura dos Portos às Nações Amigas (1808) e o
Tratado de Comércio e Navegação (1810).
Com a derrota de Bonaparte em
1815 na Europa, acontece o Congresso de Viena na Europa, que buscava
restabelecer o Antigo Regime, preconizando que os reis depostos na era
napoleônica voltassem a seus respectivos tronos, em seus respectivos reinos.
Laurentino Gomes afirma que Dom João não pretendia voltar à Europa e no mesmo
ano eleva o Brasil à condição de reino, criando o Reino Unido de Portugal,
Brasil e Algarves. Assim, a capital passa a ser o Rio de Janeiro e não mais
Lisboa. No ano seguinte, com a morte da Rainha Dona Maria I, sua mãe, ele é
coroado rei do referido Reino Unido.
Entretanto, depois de
permanecer por 13 anos no Brasil, Dom João se vê obrigado a retornar ao Velho
Mundo. Em 1820 ocorre a Revolução do Porto, de caráter liberal, na qual se
instala um governo controlado pelas chamadas Cortes de Lisboa. Tal governo
exige a volta do monarca, que teria que jurar uma Constituição, e a recondução
do Brasil à mera condição de colônia. Embora relutasse, o rei decide partir, o
que acontece no dia 25 de abril de 1821, deixando no Rio de Janeiro o filho
Pedro como Príncipe Regente. Na ocasião teria dito a Pedro que se “o Brasil se
separar, antes que seja para ti, que me hás de respeitar, do que para algum
desses aventureiros”. O rei parecia estar prevendo o que viria em breve. Desde
sua chegada aos trópicos em 1808, além do fim do Pacto Colonial, o Brasil
passou por transformações, sendo que as elites aqui constituídas se
beneficiaram, e muito, com a presença da Família Real na antiga colônia. A
partida do monarca para Portugal, como as Cortes exigiram, significava que o retrocesso
seria inevitável. Porém, com a permanência do jovem príncipe, havia a
possibilidade de as elites, agrárias e escravocratas, manterem seus
privilégios; mesmo que fosse preciso uma ruptura com a antiga Metrópole. Vale
lembrar que, nesse meio tempo o Brasil já não era mais colônia. Para alguns pesquisadores
o ano de 1815 seria de fato a independência, enquanto que o “grito“ do Ipiranga
apenas oficializou uma ruptura com Portugal.
Pois bem, uma vez de volta a Lisboa, o rei
não consegue evitar as medidas das Cortes. Conforme registra Eduardo Bueno,
pelas “novas regras do jogo, o Brasil (...) perdia seus privilégios e teria que
voltar a se submeter inteiramente ao governo da metrópole”, o que ia contra os
interesses das elites dos trópicos. Por sua vez, o Príncipe Regente é
pressionado a também voltar para Portugal, ao mesmo tempo em que é instado
pelas elites locais a permanecer no Brasil. Em 09 de janeiro de 1822, ele
resolve ficar, atendendo aos “apelos” do povo, no que ficou conhecido como o Dia
do Fico. Com isso, a independência de fato era uma questão de tempo, pois as
Cortes decidem “apertar” o laço. Em seguida, Dom Pedro organiza um ministério,
que é liderado por José Bonifácio de Andrada e Silva, que ficou conhecido como
o Patriarca da Independência. No dia 01 de agosto de 1822, o príncipe declara
que soldados enviados por Portugal sem o seu consentimento, seriam tratados
como inimigos no Brasil, em uma clara demonstração de força e autoridade.
Todavia, nem todas as regiões do
Brasil concordavam com o príncipe. Uma delas era a Província de São Paulo, onde
as autoridades locais, inicialmente leais a Dom Pedro, aos poucos decidem se
sujeitar às Cortes de Lisboa. Governava a Província o General João Carlos Augusto
de Oyenhausen, que começa a contestar a influência de José Bonifácio junto a
Dom Pedro. O irmão de Bonifácio, Martim Francisco de Andrada ocupava o cargo de
Secretário do Interior e da Fazenda desde 21 de junho de 1821 e tanto
Oyenhausen como o Coronel Francisco Ignácio de Souza Queiroz e o Ouvidor José
da Costa Carvalho, tramavam sua deposição. Este recorre ao irmão e José
Bonifácio envia um ofício para Oyenhausen, no dia 21 de maio de 1822, ordenando
que entregasse o cargo para Martim e seguisse imediatamente para o Rio de Janeiro.
Dois dias depois, desobedecendo ao ofício o General Oyenhausen se posiciona
contra Dom Pedro, depondo do cargo Martim Francisco e convocando a tropa, em
uma clara demonstração de rebeldia e insubordinação.
Entrementes, para contornar a
crise, Dom Pedro decide viajar até a Vila de São Paulo, partindo do Rio de
Janeiro no dia 14 de agosto de 1822, nomeando sua esposa, a Princesa Leopoldina
de Habsburgo, como regente em seu lugar. O saudoso historiador José Luiz Pasin
define a viagem como a Jornada da Independência, a qual é feita pela Estrada
Geral (atual Estrada Velha Rio-São Paulo), ao longo do Vale do Paraíba. Nas
vilas por onde passa alguns apoiadores (membros das elites) o acompanham até
São Paulo e iria mais tarde constituir a sua Guarda de Honra. Ao partir da
Corte o príncipe está acompanhado de Eleutério Velho Bezerra e Antônio Luiz da
Cunha. Na Vila de São João Marcos a comitiva é incorporada por Cassiano Gomes
Nogueira, Floriano de Sá Rios e Joaquim José de Souza Breves. Em Resende entram
no grupo Antônio Pereira leite, o Sargento-Mor Antônio Ramos Cordeiro, José da
Rocha Corrêa e David Gomes Jardim. Adentrando o vale paulista, a comitiva real
recebe a inclusão do Sargento-Mor João Ferreira de Souza, na Vila de Areias. Na
Vila de Guaratinguetá decide acompanhá-lo João Monteiro dos Santos e Custódio
Lemes Barbosa. A Vila de Pindamonhangaba “forneceu” o maior número de
acompanhantes de Dom Pedro. Foram integrados o Capitão-Mor Manoel Marcondes de
Oliveira Mello, o Sargento-Mor Domingos Marcondes de Andrade, o Tenente
Francisco Bueno Garcia Leme, Miguel de Godoy Moreira e Costa, Manoel de Godoy
Moreira, Manoel Ribeiro do Amaral, Antônio Marcondes Homem de Mello e Benedito
Corrêa Salgado. Na Vila de Taubaté foi a vez de se juntar ao grupo Francisco
Xavier de Almeida, Vicente da Costa Braga, Fernando Gomes Nogueira, João José
Lopes, Rodrigo Gomes Vieira e Bento Vieira de Moura. Apesar de não ter passado
pela Vila de Paraibuna, um morador do referido município se junta à comitiva,
Flávio Antônio de Mello, que provavelmente estava no itinerário do príncipe. E
em Mogi das Cruzes se junta ao grupo Salvador Leite Ferraz.
No dia 25 de agosto Dom Pedro chega
a São Paulo, sendo recebido com júbilo. Restabelecendo sua autoridade os implicados
na sedição são presos e remetidos para o Rio de Janeiro, além de reorganizar o
governo e a administração na sede da província. E é em São Paulo que o príncipe
conhece Domitila de Castro Canto Melo (futura Marquesa de Santos) e logo a seguir
ambos iniciam o famoso caso extraconjugal. Paralelamente, no Rio de Janeiro, a
Princesa Leopoldina recebe, no dia 02 de setembro, correspondências oficiais de
Lisboa; em uma delas constava a ordem de prisão de Dom Pedro e seu retorno
coercitivo a Portugal. Ao lê-las ela decide reunir o Conselho de Estado (o
ministério) e enviar mensageiros no encalço de Pedro. Entre 05 e 06 de
setembro, o príncipe estava na cidade Santos tratando de outros assuntos e
retorna a São Paulo, chegando no dia 07, encontrando os emissários de
Leopoldina próximos ao Riacho do Ipiranga. Além da mensagem da esposa, chega
também uma carta de José Bonifácio, alertando-o de que nada mais de positivo
poderia esperar de Portugal. O episódio a seguir já é conhecido. Ao tomar
conhecimento das ordens das Cortes, saca da espada e dá o famoso grito,
declarando a independência; momento eternizado por Pedro Américo no famoso
quadro “Independência ou Morte”, de 1888. A obra, que ilustra inúmeros livros
didáticos, é uma criação do artista, mas que foi incorporada pela
historiografia oficial. A historiografia crítica descreve o cenário bem
diferente do que foi retratado pelo pintor. Por exemplo, a Guarda de Honra com
seus uniformes exuberantes, só seria criada oficialmente em outubro de 1822.
Outro detalhe, o príncipe não montava um cavalo branco e sim uma mula baia. Em
outro aspecto, conforme a narrativa de Eduardo Bueno, após consumir algo que
não lhe caiu bem, em Santos, o Príncipe Regente estava “à beira do córrego, ‘quebrando
o corpo’ ---agachado para ‘responder a mais um chamado da natureza’”. Ou seja,
Dom Pedro estava com uma diarreia daquelas, o que talvez contribuísse para o
péssimo humor e a ira ao ler as cartas recebidas. Obviamente nenhum livro
didático de História menciona tal cenário, que não “combina” com a imagem de
Sua Alteza Real. Retornando à Corte a missão é se preparar para organizar o
país, agora livre, para enfrentar a reação de Portugal. Mas, já no início as
contradições afloram; a principal delas talvez seja a manutenção da escravidão
como sistema econômico, que só se encerraria em 1888, cujos efeitos vivenciamos
até os dias atuais.
Contudo, apesar de
independente, o novo Estado continuava a ser governado por um Bragança, sendo
que Dom Pedro continuava como herdeiro do trono português. Mais tarde, esse
fato iria lhe causar problemas por aqui, principalmente após a morte de Dom
João VI em 1826. No dia 01 de dezembro de 1822, o libertador da pátria é
coroado como Imperador do Brasil, com o nome de Dom Pedro I; cena que foi
reproduzida por Jean-Baptiste Debret. Mas, o que a historiografia oficial omite
é que a decisão pela independência do Brasil, há 200 anos, partiu de uma
mulher, a Princesa Leopoldina. Após a coroação o próximo passo era elaborar uma
Constituição para a jovem nação; mas isso é outra história.
Prof. Eddy
Carlos.
Referências.
BUENO,
Eduardo (Org.). História do Brasil. Os 500 anos do país em uma obra completa,
ilustrada e atualizada. PubliFolha. São Paulo, 1997.
GOMES,
Laurentino. 1808. Como uma rainha louca,
um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a
História de Portugal e do Brasil. Editora Planeta. São Paulo, 2007.
_________________. 1822. Como um homem sábio, uma princesa
triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país
que tinha tudo para dar errado. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro,
2014.
MACAULAY,
Neill. Dom Pedro I. A Luta pela Liberdade no Brasil e em Portugal;
1798-1834. Editora Record. Rio de Janeiro, 1986.
PASIN, José
Luiz. A Jornada da Independência. Editora
Vale Livros. Aparecida, 2004.
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