domingo, 21 de julho de 2019

A Vila Novaes.

Fotografia da Fazenda Boa Vista, em época desconhecida (extraída da internet); local de discussão política, que resultou na criação da Vila Novaes.


                  A primeira impressão que o leitor terá ao deparar-se com o titulo acima é a de que se trata do bairro do mesmo nome da cidade de Cruzeiro, criado e batizado como tal em homenagem à memória do Major Novaes. Mas voltemos no tempo e analisemos do ponto de vista histórico para averiguarmos de que se refere a outro contexto. De acordo com o Prof. Hilton Federici, ilustre historiador crítico de Cruzeiro, o termo “Vila”, durante os períodos colonial e imperial significava o mesmo que município, pois era o sistema que Portugal criava no Reino e transplantou para a Colônia. Com a independência, mantiveram-se as mesmas estruturas político-administrativas e as suas denominações. O processo de emancipação era gradativo: ao evoluir-se um determinado arraial ou povoado, o mesmo era elevado à Freguesia (equivalente ao atual Distrito) sancionada pelo poder político e pela igreja; em seguida, se confirmada a importância política e econômica era criada a Vila ou município com a instalação da casa da Câmara e cadeia e do pelourinho, na praça central. O pelourinho era símbolo do poder civil e político e onde eram castigados os escravos quando cometessem crimes contra o Estado, chefiando revoltas e quilombos. Algumas localidades, porém, foram elevadas à condição de Vila sem terem sido freguesias alternando a regra geral da evolução política. É o caso, por exemplo, de São José dos Campos, que de um aldeamento indígena jesuítico, tornou-se município em 27 de julho de 1767 com o nome de Vila de São José do Paraíba, desmembrando-se da Vila de Jacareí.
                Até os últimos momentos do Império somente as Câmaras Municipais exerceram o poder nas Vilas, uma vez que não havia a figura do Prefeito e o Presidente da Câmara era a maior autoridade no município atrás do Delegado de Policia, nomeado pela Província. Com o advento da República, surgem os Conselhos de Intendência em substituição as câmaras, que haviam sido dissolvidas pelas novas autoridades. Com eleições realizadas voltam as câmaras, desta vez, porém, somente para legislar, cabendo ao Conselho de Intendência o papel de agente executivo e seu presidente passa a configurar o que hoje conhecemos por Prefeito. Entrementes, no mesmo dia em que Deodoro depõe a monarquia, os republicanos assumem o governo da Província de São Paulo, instalando um triunvirato composto por Prudente de Moraes Barros, Francisco Rangel Pestana e o Major Joaquim de Souza Mursa. De caráter provisório, o triunvirato cede o poder a Prudente de Moraes em 14 de dezembro de 1889, sendo empossado como Presidente de São Paulo.
                  Consequentemente, a Câmara Municipal de Cruzeiro, então sediada no Embaú, durante a sessão extraordinária de 06 de fevereiro de 1890, recebe oficio comunicando a sua dissolução e a posse do Conselho de Intendência. Tal conselho era composto por Antonio José da Costa Júnior, Major Chrispim Bastos, Manoel José da Silva Cunha, Comendador Joaquim Aurélio Ferreira e Capitão Joaquim Ribeiro Gomes. A deposição da família imperial e o seu exílio indignaram muitos monarquistas, entre eles o Major da Guarda Nacional, Manoel de Freitas Novaes e com a dissolução da câmara passou a hostilizar as autoridades republicanas. Paralelamente, o Major Novaes estava envolvido em atritos com os dirigentes da “Minas and Rio”, a ferrovia que ligava Cruzeiro ao Sul de Minas, desde 1884 travando uma batalha judicial em torno dos terrenos utilizados pela companhia inglesa. Como se não bastasse, Prudente de Moraes, através da Resolução nº. 44 de 12 de abril de 1890, decretava a desapropriação de tais terrenos, correspondendo a 36 hectares e 56 ares e dessa parte deveria ser descontada a que pertenceria às ferrovias “Central do Brasil” e “Minas and Rio”. Ora, nessa área desapropriada já havia um pequeno aglomerado, o povoado da Estação (origem da atual cidade de Cruzeiro) e o decreto de Prudente foi considerado uma vitória para os moradores que seriam vitimas do  Major Novaes e incitados à emancipação pelo Major Chrispim Bastos e outros. Mesmo sofrendo um duro golpe, o Major Novaes tentaria um contra-golpe, aproveitando-se da turbulência política que viria com o fechamento do Congresso por Deodoro da Fonseca.
                   A nomeação de Prudente de Moraes pelo P.R.P. (Partido Republicano Paulista) contrariou Deodoro que indicara Bernardino de Campos. No entanto, Prudente após menos de um ano renuncia para assumir a vaga na Assembléia Constituinte no Rio de Janeiro, sendo substituído por Jorge Tibiriçá. Este fora indicado por Francisco Glicério e Campos Sales, ministro de Deodoro que, entretanto, afasta por decreto, Tibiriçá em 6 de março de 1891, nomeando no dia seguinte Américo Brasiliense como Presidente de São Paulo. O clima entre Deodoro e os perrepistas torna-se tenso aumentando o antagonismo entre as partes. As ações de Brasiliense propiciam a “virada” do jogo político pelo Major Novaes, quando em 30 de março de 1891, é criado o Distrito de Paz da Estação do Cruzeiro, pertencendo, porém, ao Embaú, sede do município. No mesmo dia toma posse o novo Conselho de Intendência, fazendo parte o Major Novaes, que volta à cena política, e como Presidente do Conselho, o Padre Saint-Clair Monteiro de Barros, Joaquim do Prado e João Alberto da Silva.
                  Todavia, o Major Novaes estava preparando uma cartada decisiva na sua carreira política, auxiliado por Américo Brasiliense. O então Presidente de São Paulo, através do decreto nº. 190 autoriza a criação da Vila Novaes, desmembrando o território do Embaú e dividindo em dois municípios a Vila do Cruzeiro, no dia 3 de junho de 1891. Contraditoriamente, o Major Novaes consegue justamente através de um político republicano a concretização dos seus objetivos. Nesse cenário ocorre a eleição para deputado da Assembléia Constituinte do Estado (atualmente Assembléia Legislativa) sendo escolhido Antônio Celestino dos Santos, genro do Major Novaes. Américo Brasiliense nomeia também o Conselho de Intendência da Vila Novaes, que assume suas funções no dia 30 de junho de 1891. Presidido pelo próprio Manoel de Freitas Novaes, o Conselho era composto por Joaquim do Prado, João Alberto da Silva, José Joaquim de Carvalho, João da Cunha Militão Lisboa, José Adriano Cardoso e Antônio Narciso de Mendonça. A Vila Novaes, contudo tem duração efêmera, pouco mais de um ano, e a leitura do livro de Atas do Conselho de Intendência revela que a mesma não tinha condições financeiras para se manter, pois sempre solicitava socorro ao Estado.
                  Entretanto, novas turbulências no cenário político nacional repercutem na Vila Novaes que deixa de existir em 10 de agosto de 1892. Analisemos os fatos. No dia 3 de novembro de 1891, Deodoro da Fonseca, diante de pressões políticas, fecha o Congresso Nacional e a exceção do Presidente do Pará, Lauro Sodré, todos os presidentes dos Estados o apoiam, inclusive Américo Brasiliense. O golpe dura 20 dias e Deodoro renuncia a fim de evitar uma guerra civil. Assume o Governo Federal, o vice Floriano Peixoto que inicia as deposições nos Estados, dos políticos que apoiaram Deodoro. Dessa forma, após enfrentar um movimento armado liderado por Campos Sales, Júlio de Mesquita e Bernardino de Campos, Américo Brasiliense é deposto e em seu lugar assume José Alves de Cerqueira César, que permanece até agosto de 1892, quando assume o governo legal e constitucional de Bernardino de Campos.
                 Porém, é justamente neste curto espaço de tempo com Cerqueira César no poder, que o Major Novaes levaria um novo golpe. Indispondo-se novamente com as autoridades republicanas, o Major chega a presenciar a invasão e ocupação da Fazenda Boa Vista pela Força Pública para cumprir uma ordem de busca e apreensão. Desfazendo todos os atos de seu antecessor, Cerqueira César, através da Lei nº. 45, extingue a Vila Novaes, cujo terreno volta a pertencer ao Embaú, reunificando assim o município. A extinção da Vila Novaes “sepulta” praticamente a trajetória política do Major Novaes que, passa a lutar até a morte, em 1898, para a transferência de sede do município, no Embaú, para o Povoado da Estação, o que somente iria ocorrer em 1901. Mais tarde, no entanto, a memória do Major Novaes e a de seus familiares, passam a ser preservadas e cultuadas em Cruzeiro e, dentre outras homenagens, batizam um bairro de Cruzeiro com o nome de Vila Novaes, esta é a que conhecemos. Um grande abraço e até a próxima.

                                                                                        Eddy Carlos.

Para saber mais.
ANDRADE Carlos Borromeu de. Os Pioneiros da História de Cruzeiro. Caderno Cultural do Vale do Paraíba. CERED. São José dos Campos, 1994.
FERERICI, Hilton. História de Cruzeiro. (Volume II). Da instalação do Município até a transferência de sua sede. (1873-1901). Publicações da Academia Campinense de Letras. Campinas, 1978.
CARONE Edgard. A República Velha. Evolução Política. Difel. São Paulo, 1971.
SOUZA VICENTE, Eddy Carlos. O Mandonismo Político em Cruzeiro. Atuação Política do Major Novaes (1873-1898). Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação; Especialização em História do brasil Republicano pela UNITAU. Edição mimeografada. Taubaté, 2004.

E-mail:eddycarlos6@gmail.com
Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br                                                         

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