Situado no Oriente Médio, o Líbano é
um dos menores países do globo, fazendo fronteiras com a Síria, Israel e o Mar
Mediterrâneo. Povoado desde os tempos bíblicos, o país era denominado então, de
Fenícia, embora não houvesse um governo central e, sim o sistema das
cidades-estados. Já há, mais ou menos 1.000 anos antes de Cristo, os fenícios
iniciaram a expansão pelo Mediterrâneo, praticando comércio e pirataria,
rivalizando com os gregos na fundação de colônias marítimas. Para citação,
podemos mencionar Segunto, Gades (Cádiz), Nova Cartago na Hispânia, além de
Tíngis, na África, próximo ao Estreito de Gibraltar, à época conhecido como “Colunas
de Hércules”, separando a África da Europa no mundo antigo; além, claro, da
principal, Cartago, na atual Tunísia, famosa pelas guerras contra Roma até a
sua destruição. No seu auge, a Fenícia concentrava riqueza e poder simbolizadas
nas principais cidades litorâneas, como: Ugarit, Sídon, Tiro, Biblos e Arad.
Pelo fato de ser considerado um ponto estratégico entre a Europa, Ásia e
África, a região da Fenícia, ou seja, do atual Líbano, despertou a cobiça e os
interesse de nações mais poderosas; quando podiam os fenícios faziam alianças
com reis estrangeiros, como é o caso de Hiram, Rei de Tiro, que selou um pacto
de paz e defesa com Salomão, Rei de Israel no século X a.C. . Dessa forma, ao
longo dos séculos, os fenícios sofreram ataques e dominações de hititas,
egípcios, arameus, assírios, caldeus, persas, macedônios, romanos, bizantinos
até a conquista árabe no século VII d.C.. As sucessivas conquistas
proporcionaram uma mescla de culturas e religiões diferentes, incluindo
elementos ocidentais oriundos do helenismo, da dominação romana e do islã. Isso
se deve também à ocupação dos cruzados ente os séculos XI e XII, com a criação
dos Condados de Edessa e Tripoli para combater os muçulmanos.
No
entanto, o período de dominação mais longa sofrida pelo Líbano foi de
aproximadamente de 1516 até 1918, durante o Império Otomano, ou seja, dos
turcos. Apesar de professarem a mesma fé, embora seguindo correntes diversas, a
maioria dos libaneses já no período era composta por árabes, cujo império
desmoronava, devido às disputas entre califas e sultões do Egito, Damasco e
Bagdá, favorecendo a ascensão dos turcos liderados por Ultman. Após liquidarem
o Império Bizantino, avançaram sobre o que restava do outrora Império Árabe.
Porém, diferente dos maometanos, os turcos não toleravam quaisquer indícios de
contestação à sua autoridade, fossem de cunho religioso ou político, donde
constantes repressões aos povos por eles subjugados. Segundo a análise de José
Felício Goussain Murad e Maria Regina Jacob, no Líbano, as “religiões que têm
maior número de adeptos são a cristã e a muçulmana. Os cristãos dividem-se em
dois grupos: católicos (maronitas, melquitas, romanos, siríacos, armenianos) e
não católicos (ortodoxos, protestantes, nestorianos e jacobinos. (...) já os
muçulmanos classificam-se em sunitas, drusos e xiitas”. Ainda segundo os
autores citados, com a dominação, “os conquistadores colocavam o povo libanês
em contato com a sua cultura”. Em 1860, quando a cidade cristã-maronita de
Zahle foi massacrada, a França, com a desculpa de proteger os maronitas, decidiu
intervir no Líbano. O enviado de Napoleão III, o General Beaufort d’ Hautpoul,
desembarcou com tropas em 16 de agosto de 1860. Segundo o depoimento de Domingo
Del Pino, um ano mais tarde, a França e a Turquia selaram um acordo para fazer
do Líbano uma entidade semi-autônoma dentro do Império Otomano que deveria ser
governada por um oficial otomano, porém cristão. Gozando de um status
privilegiado essa região tornou-se refúgio de outras minorias perseguidas pelos
turcos, como os armênios, o que não foi tolerado pelas autoridades . A despeito
dos protestos franceses e americanos, a repressão prosseguiu, atingindo o auge
em 1914, com a entrada da Turquia ao lado da Alemanha e Áustria na Primeira
Guerra Mundial, e a consequente supressão da autonomia do Líbano e a reocupação
militar. Em 1919, o Líbano torna-se um protetorado francês, juntamente com a
Síria, que duraria até 1943, com a Independência do país. Outras dificuldades e
conflitos iriam se abater sobre o Líbano ao longo do século XX, que fogem do
objetivo do presente artigo, por isso voltemos o nosso foco para os finais do
século XIX.
A mencionada opressão turca no Líbano em
1860, com o massacre de Zahle e a matança de aproximadamente mil maronitas
motivou muitos libaneses, a maioria cristãos, mas também alguns muçulmanos, a
deixarem sua terra natal. O destino desses refugiados foi o Brasil e, em menor
escala os Estados Unidos. A imigração libanesa teve um caráter peculiar,
tornando-se diferente das demais, sendo livre e espontânea sem atuação de
órgãos governamentais. Novamente recorrendo à análise de José Felício Goussain
Murad e Maria Regina Jacob, verificamos que os imigrantes libaneses, ao
chegarem ao Brasil, “começavam pelo pequeno comércio ambulante, vendendo
miudezas religiosas ou de uso doméstico nos grandes portos onde desembarcavam.
Depois de algum tempo, tornam-se mascates e penetram no sertão, procurando
ganhar uma quantia boa de dinheiro e voltar para sua Pátria. E, ao contrário,
atraem parentes e amigos para o Brasil”. Por outro lado, devemos frisar que os
turcos não impediam a partida dos povos sob seu domínio e, no caso dos
libaneses e também de sírios, quando chegavam ao Brasil, portavam o passaporte do
Império Otomano. Daí o fato de os mesmo serem rotulados como “turcos”, o que
para os mesmos é uma ofensa, devido à opressão sofrida, tal apelido “pegou” e,
geralmente, qualquer libanês é identificado como turco. Outros que se ofendem
ao serem chamados de “turcos”, são os armênios, devido ao extermínio de 1,5
milhão deles em 1915, no decurso da Primeira Guerra Mundial, o que até os dias
atuais é negado pela Turquia.
Entrementes, em meados
da segunda metade do século XIX, o Brasil começa a receber levas de imigrantes
libaneses, além de sírios, conforme já citado, além de outras nacionalidades
árabes, devido à fama da “cordialidade” do brasileiro divulgada por outros
imigrantes. As principais regiões escolhidas pelos árabes foram a Amazônia,
devido ao ciclo da borracha e, particularmente o Estado de São Paulo, cujo
principal fator econômico era o café. Segundo a obra organizada por José
Benedito Prado, no final do século XIX, Taubaté recebeu imigrantes libaneses e
sírios, sendo que na opinião do autor mencionado, “nos primórdios do século XX, Taubaté já possuía a maior colônia
sírio-libanesa do Vale do Paraíba”. Porém, há fortes indícios de que teria sido
Aparecida e não Taubaté a receber os primeiros libaneses. Então freguesia da
Vila de Guaratinguetá, Aparecida registra a presença de Rosa Abdalla e Chad
Gebran em 1889. A fácil assimilação dos libaneses ao culto mariano de Aparecida
deve-se ao fato de que a maioria dos que chegaram à futura sede do catolicismo
brasileiro, serem cristãos e devotos de Nossa Senhora do Líbano. Isso não
impediu, contudo, que libaneses muçulmanos também viessem para Aparecida.
De acordo novamente, com a
análise de José Felício Goussain Murad e Maria Regina Jacob, os imigrantes para
sustentarem-se, “dedicavam-se ao comércio, dividindo-se em mascates de cidade,
que negociavam com os visitantes, e mascates de roça, que percorriam as ricas
fazendas da região vendendo seus produtos.” Para Tom e Thereza Maia, os
libaneses foram os primeiros a praticarem o comércio de artigos religiosos nas
proximidades da Igreja de Nossa Senhora Aparecida, atual Basílica Velha. Outro
grupo dedicou-se ao estabelecimento de lojas de tecidos e artigos em geral,
irradiando-se para o centro de Guaratinguetá. Haviam ainda os que, conforme
descrito anteriormente, resolveram “mascatear pela área rural, por Roseira e
Potim, então pertencentes a Guaratinguetá”. Dessa forma, considerando Aparecida
e Guaratinguetá como um todo, entre os anos de 1889 e 1977, as principais
famílias libanesas que radicaram-se no local, foram, de acordo com a análise de
Tom e Thereza Maia: Filfali, Kachiff, Tanus, Farah, Lonis, Carone, El Cury,
Ibrahim, Raad, Haber, Kadri, Darido, Trabulsi, Komeik, Lana, Gorra, Balot,
Jacob, Kifouri, Nasralla, Samahá, Assis, Jehá, Mechica, Ayub, Bourabebi,
Francis, Dorgan, David, Elache, Chuaire, Boueri, Azem, Andare, Beiruth, Elias, Andrauss, Jorge, Corcinelli,
Sadi, Kopaz, Tanisse, Esquiff, Haamati, Sebe, Abdalla, Maruck, Mathias, Khouri,
Safadi, Chad, Goussain-Murat, Bechara, etc. Outro ramo dominado por libaneses
em Aparecida e arredores foi o dos retratistas e suas famosas máquinas
“lambe-lambe”, sucessora do daguerreótipo, cujas fotografias ou retratos muitas
famílias ainda guardam de seus antepassados, inclusive o autor do presente
artigo. A influência dos libaneses se faz sentir de forma clara com um método
de comércio peculiar, com mercadorias dependuradas nas barracas ou também,
espalhadas no chão, contendo artigos de visual atrativo, porém de baixa qualidade,
mas de preços acessíveis ao freguês de baixo poder de compra, além da lábia
convincente do vendedor.
Outra cidade vale paraibana que também
recebeu imigrantes libaneses, embora em número reduzido, foi Bananal. Segundo
Plínio Graça, em 1906 o casal Chehin Feres Saliba, a esposa Wardi Feres Saliba
e a filha Amélia Nicolau, estabeleceram residência e uma loja de roupas em
Bananal. Logo em seguida veio a famílio de Pedro Nader, parentes dos primeiros
e Acle Miguel, nascido na cidade libanesa de Hisbrai, filho de “Raida Habmeri
Mansur e Sahbar Husffir Mansur”. A cidade, outrora capital econômica do Império
com o café e os dignatários representados pelas famílias Almeida e Valim, agora
cede espaço para os imigrantes do Líbano, que passam a dominar o comércio de
secos e molhados, além de tecidos. Na realidade, os libaneses espalharam-se não
só pelo Vale do Paraíba, mas em todo o Estado de São Paulo, inclusive a capital
paulista. Ainda no Vale algumas famílias “fincam” raízes em São José dos Campos,
como os Sebe, Cury, Letaif, Elhage, Said Calil, Suleimã, etc. Aliás, um ex-prefeito da cidade é descendente de tradicional família libanesa.Também
em São José teve destaque a família do fazendeiro e vereador Nadim Rahal. Na
cidade de Pindamonhangaba, destaca-se entre libaneses e seus descendentes a
família Alckmin. Em São Luiz do Paraitinga tem destaque a família Ab’Saber,
cujo integrante mais ilustre é o geógrafo, historiador, ecologista e professor
universitário da USP por 14 anos , Aziz Nacib Ab’ Saber. Em Cachoeira Paulista,
o destaque é para a família Chalita, enquanto que na cidade de Cruzeiro foram
Nesralla Rubez, Niazi Rubes, e Sami Nasralla Haddad, grandes fazendeiros do
ramo pecuário; em meados da década de 1960 eram proprietários das fazendas
“Itagaçaba”, “das Palmeiras”, “Paiol”, “do Moro”, “Rancho Alegre”, “Capaúva” e
“São Benedito”. Niazi Rubez também foi proprietário da Fazenda Rio Branco
(antiga propriedade de Chrispim Bastos), localizada em Cachoeira Paulista, mais
precisamente no bairro do Embaú.
Apesar dos tempos passados, os descendentes e,
até mesmo algum remanescente octogenário, ainda se sentem ofendidos ao serem
chamados de “turcos”. O preconceito, porém, se ainda existe, com relação aos
lojistas ou mercadores libaneses, diluiu-se com o tempo. Tal preconceito, como
observamos, estava muito latente, pois devido à habilidade comercial dos
imigrantes libaneses em garantir fregueses, os comerciantes “nacionais” (na
realidade portugueses) sentiam-se prejudicados. No Município de Lorena, por
exemplo, em 1889, a Câmara Municipal resolveu reduzir impostos ou taxas
municipais para fomentar o comércio durante a crise financeira do crepúsculo do
Império e dos primórdios da República. Segundo a opinião de José Geraldo
Evangelista, mesmo com tal incentivo, cinco casas de comércio faliram naquele
ano, bem como a Casa Bancária Castro Lima. O ilustre historiador ainda afirma
que, “como um mal que nunca vem sozinho, começaram a aparecer, fazendo violenta
e agressiva concorrência, turcos ou árabes que negociam com diminuta licença ou
sem ela, o que obrigou o Conselho de Intendência para quem negociasse com baús,
caixinhas, etc., a elevar a licença para 150$000 por ano”, em 1891. A medida
visava coibir o comércio ambulante ou não, praticado, em sua maioria, por
libaneses.
Contudo, não só no Vale
do Paraíba, mas em todo o Brasil, muitos libaneses acumularam fortunas, além de
alcançarem notoriedade. Atualmente a cultura libanesa é sentida de diversas
formas, como a culinária e o dialeto árabe que, mesclando-se com a língua
portuguesa, difundiu-se pelo país. Vários indivíduos destacaram-se em hospitais
e outros setores, como a política, a publicidade e a literatura. Dentre os
muitos conhecidos pela sociedade brasileira, destacam-se José de Ribamar
Fiquene, Pedro Simon, Michel Temer, Paulo Abi Ackel, Ibrahim Abi Ackel, Almir
Gabriel, Alfredo Buzaid, Hélio Mokarzel, Adib Jatene, Simão Jatene, Paulo Salim
Maluf, Eduardo José Farah, Gilberto Kassab, Geraldo Alckmin, Antônio Salim
Curiati, Nabi Abi Chedid, Elias Salim Curiati, Jamil Murad, Gabriel Chalita,
Monsenhor Jonas Abib, entre outros. Conquanto, refazendo a vida, constituindo
famílias, ou vindo para o Brasil, já com suas famílias, integrando-se com
brasileiros, que a despeito dos preconceitos iniciais, os acolheram na nova
pátria, os libaneses e seus descendentes não se esqueceram do Líbano. A maioria
ainda mantém contatos com familiares que ficaram no Oriente Médio e se
solidarizam e compartilham com os dramas que o Líbano vivenciou desde os fins
do século XX e início do atual. Para citarmos, por exemplo, lembremos as
constantes incursões de Israel em solo libanês para combater “terroristas”
palestinos da OLP, que culminou na invasão de 1982. Lembremos-nos do próprio
conflito interno sectário, que foi a guerra civil (1975-1990), entre cristãos
falangistas apoiados por EUA e Israel, e muçulmanos apoiados pela Síria e o
Irã, financiadores do grupo Hizbollah (Partido de Deus) ao mesmo tempo milícia
armada e partido político, mais forte e mais influente do que o próprio
Exército do Líbano. A cada conflito, desde os tempos antigos, o Líbano torna-se
um joguete entre os interesses de nações mais poderosas. Mesmo distante, a
milhares de quilômetros, separados pelo Oceano Atlântico e o Mar Mediterrâneo,
os filhos do Líbano, radicados no Brasil, almejam algum dia que o pequeno país
natal consiga conviver em paz e tranquilidade interna e externa, sem a
intromissão de outros estados, inclusive os que querem implantar o seu modelo
de “democracia” e seu estilo de vida. Um grande abraço e até a próxima.
Eddy
Carlos
Dicas
para consulta.
EVANGELISTA, José Geraldo. Lorena no Século XIX. Coleção Paulística. Volume VII. Governo do Estado de São Paulo. IMESP. São Paulo, 1978.
JACOB e MURAD, Maria Regina e José
Felício Goussain. Líbano: O Encontro do
Ocidente com o Oriente. In: Migrações no Vale do Paraíba. XII Simpósio de
História do Vale do Paraíba, IEV/UNIVAP. São José dos Campos, 1996.
GRAÇA, Plínio (Org.). Bananal, Terra dos Barões do Café.
Coleção “Conto, canto e encanto com a minha história...”. Editora Noovha América. São
Paulo, 2006.
MAIA e MAIA, Thereza Regina de
Camargo e Tom. Guaratinguetá, Ontem e
Hoje. Coleção “Conto, canto e encanto com a minha história...”. Editora Noovha
América. São Paulo, 2010.
PRADO, José Benedito. Taubaté, Cidade Educação, Cultura e
Ciência. Coleção “Conto, canto e encanto com a minha história...”. Editora Noovha
América. São Paulo, 2005.
RHYMER, Joseph. Os Povos da Bíblia. Editora Melhoramentos. São Paulo, 1990.
Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br
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ResponderExcluirTiveram sete filhos Benedito,Hilda,Odila,Nelson,Eduardo,é Dulce
ExcluirAlberto também
ExcluirNabia Goussain foi a primeira descendente de sirios a ser batizada em Aparecida
ResponderExcluirÉ verdade, vovó nasceu no Brasil, e depois retornou ao Libano,e voltou ao Brasil novamente aos 14 anos já casada com José Kalil.
ResponderExcluirFamilia Assia Tannus Bedran e Rejame se estabeleceram no Rio de Janeiro.
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