sábado, 26 de maio de 2018

Os Campos de Vargas.

Um senhor e crianças alemãs fazem a saudação nazi, em uma fazenda, em Presidente Bernardes-SP, no ano de 1935. Imagem extraída da internet. 

               Na segunda metade do século XIX, o Brasil começou a receber um imenso contingente de imigrantes de diversas partes do mundo, atraído pelos governantes e fazendeiros que viam no estrangeiro uma alternativa para os braços cativos dos negros. Mas foi da Europa que a maioria dos imigrantes veio para os trópicos, como portugueses, espanhóis, italianos e alemães. No caso destes últimos, o fluxo imigratório teve inicio já em 1824, quando por iniciativa de D. Pedro I e José Bonifácio, foi fundada no Rio Grande do Sul a colônia alemã de São Leopoldo. Outros grupos teutos viriam para o Brasil ainda na primeira metade do século XIX, resultando na fundação das colônias de Nova Friburgo, Florianópolis (na época chamada de Vila de Nossa Senhora do Desterro), Santo Amaro e Limeira. Nesta última, os germânicos estabelecem uma parceria de meação para o plantio e colheita do café com o Senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, proprietário da Fazenda Ibicaba.  Apesar da euforia inicial, as promessas de políticos e fazendeiros para os imigrantes nunca foram cumpridas levando ao fracasso das colônias, à exceção de São Leopoldo. Em 1856 os colonos da Fazenda Ibicaba revoltam-se contra o proprietário, devido às péssimas condições de trabalho, de moradia e endividamento permanente. Saindo do controle, a revolta foi sufocada após a intervenção da Guarda Nacional, que responsabilizou os colonos pela situação, fato que levou a Prússia a proibir por longo tempo a imigração para o Brasil em 1859, mesmo com o Governo Imperial, através de uma comissão dar ganho de causa aos colonos após a constatação de semi-escravidão em que viviam na Fazenda Ibicaba. Porém, com a proclamação da República, o fluxo imigratório se intensifica e entre eles estão novamente os alemães, que apesar de escolherem novamente o Rio Grande do Sul, alguns buscavam novas localidades. Em Minas Gerais, mais precisamente na cidade de Juiz de Fora, famílias alemãs arruinadas de Hesse, Holstein, Baden, etc. fixam moradia na Colônia de D. Pedro II, que fora inaugurada já em 1861. No Vale do Paraíba temos conhecimento de que em Guaratinguetá, na Colônia do Piagüí, fixaram residência Valentim e Francisco Kodel, de Staermak e Francisco Puch, de Dresden. Apesar de tudo, foi no sul do país, que os alemães se radicaram, fundando colônias que mais tarde transformar-se-iam em grandes cidades, nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
               Nas primeiras décadas do século XX, o Brasil busca modernizar-se, tendo como referência os padrões europeus. Sendo assim, o estilo de vida nas colônias alemãs era visto como símbolo de modernização que os brasileiros deviam seguir. Essa tendência iria se acentuar após a Revolução de 1930 e a conseqüente ascensão de Getúlio Vargas à chefia da nação. Ao ideal de modernidade, Vargas atrela a política nacionalista, visando a criação do conceito de brasilidade, utilizando ainda como referência a cultura e os costumes de povos germânicos radicados no Brasil. Mesmo na Alemanha, no período entre-guerras, grassava uma aguda crise econômica, causada pela desvalorização acentuada do marco alemão, somadas as pesadas obrigações financeiras impostas pelo Tratado de Versalhes e a invasão francesa na região industrial do Ruhr, o ímpeto de sua população era valorizado nas colônias sul-americanas e louvado pelo Brasil. Concomitantemente, a crise favoreceu a ascensão do Partido Nazista nas eleições de 1932, cujo ápice foi a nomeação de Adolf Hitler para o cargo de Chanceler (Chefe de Governo) pelo Presidente Paul Von Hindemburg em 30 de janeiro de 1933. Adotando uma política de extrema direta e o autoritarismo, a Alemanha de Hitler acabou tornando-se uma fonte inabalável de inspiração no Brasil para o Governo Vargas. De acordo com a análise da historiadora Priscila Ferreira Perazzo, até 1938 o III Reich era visto como modelo de modernidade, sendo o nacionalismo alemão transformado em fonte de inspiração do que se pretendia construir: um Estado forte de cunho nacionalista. Os alemães sustentavam a imagem de um povo que sofrera derrotas e humilhações militares frente a outros povos europeus, mas que não se havia deixado abater: conseguira reerguer-se, alcançando o auge logo após a ascensão de Hitler ao poder. Isso significa que era como um hábito ou prática comum no quotidiano brasileiro exaltar tudo aquilo que fosse identificado como cultura e costumes dos nórdicos. Segundo Priscila Perazzo, essa propensão podia ser constatada na literatura brasileira quando na imprensa e discursos políticos, onde na maioria das vezes, o elemento ariano era encarado como o modelo ideal de brasilidade. Dessa forma, na opinião da historiadora Priscila, uma vez que “o nacionalismo nazi-fascista se manifestava através da apologia das próprias características culturais, levadas ao extremo, (...), Vargas teria percebido no nacionalismo alemão, (...) um modelo de implementação para seus propósitos nacionais, tanto que o próprio governo central recomendava aos governos nos estados que se prestigiassem as festividades teuto-brasileiras”.
              As semelhanças entre os governos brasileiro e alemão podiam ser notadas também quando à simpatia e admiração de Getúlio pelo sistema totalitário e nazista, além da edificação do Estado Nacional, tendo como bases uma raça homogênea, a valorização do trabalho, da pátria e família, um órgão de propaganda para institucionalizar o regime. Outra faceta idêntica à dos nazistas era o anti-comunismo e o anti-semitismo verificados quando da repressão a Intentona Comunista de 1935 e a prisão e deportação para a Alemanha, da judia Olga Benário, companheira de Luís Carlos Prestes. Presa com Prestes em 1936 e entregue à Gestapo por Filinto Müller, chefe de polícia do Distrito Federal, Olga é executada na câmara de gás de Bernburg, por volta de 1942. Com o advento do Estado Novo, no entanto, o “excesso” de liberdade de ação que os alemães desfrutavam no Brasil, passou a ser questionado oficialmente. Como exemplo, Priscila Perazzo menciona em obra conceituada, que desde 1934, o cidadão alemão Hans Henning von Cossel atuava como chefe da seção do Partido Nazista no Brasil, junto à colônia alemã no pais. Por outro lado, as leis de nacionalização decretadas pelo Governo Vargas causaram um estremecimento nas relações imigrante germânico e o Estado Novo, embora aparentemente as relações internacionais e comerciais entre os dois países totalitários seguissem firmes. Debelada a “ameaça” comunista, o Brasil com o Estado Novo passou a propagar a idéia do “perigo alemão”, reforçada com a atuação do NSDAP (Partido Nazista), no sul do país, como já mencionado, e com a deflagração do conflito na Europa, quando Hitler invade a Polônia em 1º de setembro de 1939. Ao mesmo tempo em que o Estado Novo criava leis e se cercava de varias formas para controlar o “perigo alemão”, Getúlio Vargas mantinha as relações diplomáticas e econômicas com o Reich do Führer, mantendo inclusive a simpatia com o sistema político nazista. Como exemplo, podemos citar a admiração declarada do General Góes Monteiro pela máquina de guerra alemã, representada pela Wermatch (Exército) e a Luftwaffe (Força Aérea) ou a admiração também, de Filinto Müller, por Heinrich Himmler (chefe máximo da Gestapo e da SS). Filinto chegou a visitar Himmler na Alemanha, tanto era o seu entusiasmo.             
            Assim sendo, em meados da década de 1940, o Brasil fica “em cima do muro”, oscilando entre a Alemanha e os Estados Unidos até 1942. Há muito, o governo brasileiro almejava construir uma Usina Siderúrgica, solicitando financiamento para os norte-americanos, que sempre vetavam, argumentando que “era melhor para o Brasil continuar importando aço”, apesar de matéria-prima ser extraída no próprio Brasil. Em meio à guerra na Europa, com o avanço nazista, após a queda da França, os Estados Unidos foram surpreendidos com a notícia de que a Krupp, empresa alemã, com total apoio do Führer construiria em Volta Redonda a tão sonhada siderúrgica, sem custo algum para o governo brasileiro. Diante de tal fato, a política norte-americana foi revista e, além de pressionar o Brasil contra a Alemanha, o financiamento para Volta Redonda foi aprovado, porém com o custo de 70 milhões de dólares. Durante a conferência dos Chanceleres (nesse caso, ministros das relações exteriores) das três Américas, realizada em janeiro de 1942 no Rio de Janeiro, o governo norte-americano exacerbou o conceito do “perigo alemão” para fazer o Brasil, além da Argentina e Uruguai a romperem com o Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Nesse cenário, o mais simples cidadão alemão passa a ser rotulado de nazista ao passo que nazismo significava atrocidade, selvageria, matança, etc. A manipulação ideológica acaba surtindo efeito, pois ela revela, segundo Priscila Perazzo, que Getúlio Vargas faz a opção de se alinhar com os Aliados contra o Eixo, “uma vez que o pan-americanismo revela-se uma ideologia superior ao fascismo, por não exaltar uma raça ou pátria e, sim, por realçar a solidariedade entre as nações e respeitar a soberania nacional. Isso implica em apontar que o Terceiro Reich não respeitaria a soberania do governo Vargas, ou seja, seria capaz de tentar conquistar o Brasil, subjugando-o ao governo alemão”. Em agosto de 1942, o Brasil declara guerra ao Eixo, após o “torpedeamento” de navios mercantes enquanto que a colônia alemã no Brasil passa a ser perseguida pelo Estado Novo.
            A partir de 1942, ao mesmo tempo em que o Brasil combatia os nazi-fascistas sob o comando dos EUA, internamente utilizou o aparato policial para retirar o “inimigo” de circulação, concretizada com inúmeras prisões arbitrárias e sem acusação formal; para alguns, no entanto, por serem membros do Partido Nazista, foram-lhes imputado o crime de espionagem, sendo então entregues ao Tribunal de Segurança Nacional. Dentre os acusados de serem espiões nazistas, podemos citar Hans Christian von Kotze, Niels Christian Chistensen, Albrecht Gustav Engels, Herbert von Heyer, Heinz William Ehlert, Friederich Kempter, etc. Houve também episódios de alguns brasileiros que colaboravam com a espionagem alemã, como é o caso de Paulo Gustavo Griese, condenado pelo TSN, ficando recluso em Ilha Grande. As autoridades, contudo, resolveram criar um novo modelo de prisões, similares aos que o III Reich criara na Europa para judeus, ciganos, negros, homossexuais e comunistas: os campos de concentração. Aqui no Brasil seriam os alemães (e em menor escala, italianos e japoneses) os “hóspedes” dos campos, onde vários representantes da comunidade teutônica foram aprisionados e, na maioria das vezes, presos por terem nascidos alemães. Nesse ínterim, o governo brasileiro entregou a responsabilidade de instalação dos campos para os súditos do Eixo, para o Ministério da Justiça, auxiliado pela Policia Política. Em sua pesquisa, Priscila Perazzo comprovou a existência de campos de concentração em atividade entre os anos de 1942 e 1945, nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pará e Pernambuco. No Estado de São Paulo foram abertos cinco campos de concentração: em Bauru, Ribeirão Preto, Pirassununga, Pindamonhangaba e Guaratinguetá. Os três primeiros tiveram duração efêmera, sendo seus internos transferidos para os campos do Vale do Paraíba. Apesar de abrigarem também italianos e japoneses, súditos de potências inimigas como a Alemanha, os campos de concentração serviram quase exclusivamente para aprisionar os tripulantes do Windhuk, um navio turístico alemão cujo destino era a África. O Windhuk havia partido de Hamburgo em meados de 1939 e em fins de agosto daquele ano lança âncora na África do Sul, então possessão britânica; com o clima tenso entre Alemanha e Inglaterra, seu comandante recebe orientação para buscar um porto neutro. No dia 3 se setembro de 1939, França e Inglaterra declaram guerra à Alemanha em resposta à invasão da Polônia e diante disso os tripulantes do Windhuk disfarçam o navio com cores e nome japoneses e chega ao porto de Santos em dezembro, aproveitando o fato do Brasil ainda estar neutro no conflito. Até 1942, não foram incomodados, buscando adaptar-se à terra firme enquanto a guerra seguia. Com a entrada do Brasil contra a Alemanha, os tripulantes destruíam o navio para evitar represálias, mas foram presos pela polícia de Santos e enviados para São Paulo. Num total de 250 tripulantes foram divididos entre os cincos campos paulistas, já mencionados; em seguida reagrupados e confinados em Pindamonhangaba e Guaratinguetá. Embora não tenham se igualado aos campos de concentração nazista, os do Brasil principalmente os do Vale do Paraíba caracterizavam-se pelos trabalhos forçados, os quais iam desde serviços de escritório a faxina. Havia também serviços de barbeiro, horta, enfermeiro, sapateiro, engenharia, etc. A vigilância era severa tanto em Pindamonhangaba como em Guaratinguetá. Quando se recusavam a trabalhar os internos ficavam trancados em um grande salão, com piso de cimento e, nus, sem direitos a comida, água, cama e roupas. Aguardando com ansiedade o fim da guerra, os prisioneiros mantiveram contatos com familiares e conhecidos, através de cartas, geralmente censuradas pelas direções dos campos. Apesar de tudo, o clima entre os detentos e o diretor do campo de Pindamonhangaba Clodomiro Vergueiro Porto era considerado amistoso, mesmo censurando as correspondências. A censura era deliberada e aprovada pelas autoridades internacionais, no caso o Cônsul Geral da Espanha, cuja embaixada espanhola representava os interesses dos alemães cativos no Brasil.
            Todavia, mesmo antes do término do conflito mundial, o Governo Vargas autorizou a libertação de alemães que eram casados com brasileiras, mantendo os demais nos campos. Com o encerramento da guerra na Europa em agosto de 1945, com a rendição da Alemanha e ocupação pelos Aliados, os prisioneiros dos campos de Pindamonhangaba e Guaratinguetá foram libertados; em sua maioria, os ex-tripulantes do Windhuk, que agora poderiam voltar para a pátria. Porém, o contexto da guerra modificou para sempre os destinos dos tripulantes do navio Windhuk, pois seu país fora arrasado, o governo foi deposto e estrangeiros estavam no comando, conforme a análise de Priscila Perazzo. Dessa forma a maioria decide permanecer e reorganizar a vida tanto profissional e familiar, o que não foi fácil, pois as autoridades brasileiras não favoreceram a reintegração desses alemães, que continuaram sendo monitorados. Mesmo empresários que ofereceram trabalho para esses ex-internos tiveram suas intenções dificultadas ou vetadas pelo Estado. Com a queda da Alemanha, seus cidadãos deixam, pelos menos oficialmente, de representar um perigo iminente. No Brasil, os campos de concentração, incluindo os do Vale do Paraíba foram extintos; isso, entretanto não apagou a indiferença e discriminação contra os alemães, que apenas cometeram o “crime” de nascerem em famílias germânicas. Por outro lado, a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados significou uma enorme contradição. Como lutar ao lado de países democráticos contra nações de regimes totalitários, pregando a libertação dos povos se o próprio Estado Novo era totalitário? A vitória do Brasil junto com os Aliados acabou transformando-se em uma derrota para Getúlio Vargas. No dia 29 de outubro de 1945, um golpe militar depõe o Ditador, que se retira para a sua estância em São Borja no Rio Grande do Sul. É o fim do Estado Novo e o perigo alemão não existe mais. Até a próxima. 
                                                                                 Eddy Carlos.                                                                                                                                                      

Dicas para consulta. 
COLEÇÃO Nosso Século. Vol. 6. 1930 / 1945 (II). Abril Cultural. São Paulo, 1985. 
BARNETT, Correlli (Org.). Os Generais de Hitler. Jorge Zahar. Rio de Janeiro, 1991. 
HÖHNE, Heinz. SS. A Ordem Negra. Biblioteca do Exército. Rio de Janeiro, 1970. 
PERAZZO, Priscila Ferreira. O Perigo Alemão e Repressão Policial no Estado Novo. Imprensa Oficial. São Paulo. 
WAACK, William. Camaradas. Companhia das Letras. São Paulo, 1993.

Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br
          
                                                                                                


Um comentário:

  1. Olá!

    Minha resenha deu 180 linhas, parabéns pelo texto, porém fiquei chocado ao ver que o seu tem 159. tentei resumir o máximo que pude, mas acho que ficou bom, continue escrevendo, seus textos são de uso imprescindível para estudantes, alem de contar e apresentar fatos consistentes, fiquei seis horas lendo e escrevendo, mas sinto que foi uma das melhores coisas que fiz hoje.

    De seu aluno admirador da historia e do tempo histórico e oscilante;

    -Murilo.

    26/08/19.

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