domingo, 8 de abril de 2018

O Prócer da História.

            Imagem extraída da internet. O Prof. Pasin na sede do IEV, na UNISAL, em Lorena-SP.

               Desde que os seres humanos passaram a viver em comunidade, sempre houve a necessidade de se elaborar registros do seu quotidiano. Fossem por questões de organização da vida social ou política, até mesmo econômica, logo surgiram, inclusive entre povos ágrafos, inúmeras formas desses registros. Tais podiam ser, censos da população, contabilidade de safras agrícolas, do pastoreio, de escravos, etc. Isso se intensificou com o surgimento das primeiras guerras, com as narrativas de feitos militares e a vitória de príncipes e reis, entre outros. Com isso, as primeiras “narrativas históricas” foram feitas a partir do ponto de vista dos vencedores, que denominamos História Oficial. Considerado o “Pai da História”, Heródoto de Halicarnasso (484-425 a.C.), representa essa vertente, que continua influente até os dias atuais. Heródoto ficou famoso por narrar as Guerras Greco-Pérsicas, o que fez também sob o ponto de vista religioso. Porém, mesmo sendo assim, segundo a análise de José Jobson de Andrade Arruda e Nelson Pilletti, o historiador grego “se preocupava em conhecer os povos cujas histórias contava: visitou o Egito, a Itália e a Ásia Menor.” Outro que se destacou, desde os tempos antigos, é o judeu Flávio Josefo, contemporâneo da destruição de Jerusalém pelas legiões de Tito, durante a penúltima revolta dos zelotes, (67-70 d.C.). Autor dos livros “História dos Hebreus” e “Guerras dos Judeus”, Josefo é considerado como exímio narrador e detalhista, dos fatos ocorridos em seu tempo.
               No Brasil o expoente máximo da historiografia nacional, ainda que oficial e tendenciosa, é Francisco Adolpho de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro. Gozando do apoio e da simpatia de Dom Pedro II, Varnhagen publicou sua obra máxima, a “História Geral do Brasil”, entre 1854 e 1857. Até a década de 1930, outros nomes se destacariam em nossa historiografia, como Capistrano de Abreu, Jaime Cortesão, Afonso D’Escrangnolle Taunay, Alcântara Machado, Alfredo Ellis Jr, etc, adeptos da historiografia oficial. No final de 1929 surgiu na França a “Revista Annales d’Histoire Économique et Sociale”, fundada por Lucien Febvre e Marc Bloch. Ao longo de 1930 as publicações dessa revista inspirariam a formação de uma nova corrente historiográfica, a Escola dos Annales. Também conhecida como “Nova História”, representava um novo conceito de historiografia, que partia do estudo da Micro-História, inserido em um contexto amplo, ou seja, da Macro-História. Com isso, outros segmentos sociais, antes ignorados, passaram a ter “voz” na História, abandonando-se como parâmetros, nomes e atos heroicos de líderes políticos e militares, nobiliárquicos, relacionados com as elites dominantes. Da França, o pensamento dos Annales expandiu-se pela Europa, influenciando novos pesquisadores, priorizando outros prismas de análise, como o político, social, econômico, cultural, religioso, etc. E logo chega ao Brasil. No país tupiniquim, a Semana de Arte Moderna de 1922, já questionava os padrões culturais europeus. Coincidindo com a ascensão de Vargas, após a Revolução de 1930, no campo dos estudos históricos também ocorrem mudanças significativas.Três nomes revolucionam a análise histórica  e a historiografia brasileira. Em 1933, Caio Prado Jr, de inspiração marxista, publica o livro “Evolução Política do Brasil”, que é considerado um marco significativo na nossa historiografia crítica. Também em 1933, o sociólogo Gilberto Freyre publica o livro “Casa-Grande e Senzala”, que apesar de rever conceitos antigos, aborda a tese de que não havia conflitos raciais no Brasil Colonial. E no ano de 1936, Sérgio Buarque de Holanda, de inspiração weberiana, publica o livro “Raízes do Brasil”, abordando a tese do “homem cordial” na formação da sociedade brasileira. Na senda iniciada por essa tríade, outros nomes surgiram, enriquecendo a historiografia nacional, como Hélio Silva, Nelson Werneck Sodré, José Honório Rodrigues, Octávio Tarqüínio de Sousa, entre outros. Seguindo essa inspiração e, valorizando a história e a cultura regionais, entre as décadas de 1960 e 1970, surgiram nomes significativos no Vale do Paraíba. O ápice desse movimento foi a criação do Instituto de Estudos Valeparaibanos, o IEV, em 1973. Nosso foco passa a ser um dos fundadores dessa instituição, que completa neste ano 45 anos de existência.
               Conforme a análise da professora e escritora, Cleuza Martins de Carvalho, José Luiz Pasin nasceu no Município de Aparecida, no dia 27 de agosto de 1939. Era o primogênito do casal José Pasin, descendente de italianos, e Thereza de Jesus Trainin Pasin, descendente de franceses. O referido casal teve mais três filhos: Alfredo José Pasin, nascido em 1941; Agostinho Pasin, nascido em 1943; e Elisabeth Antônia Pasin Planet, nascida em 1945 e falecida em 2007. Segundo Cleuza Martins, a ascendência estrangeira teve substancial importância na formação do primogênito do casal Pasin. Durante o aprendizado escolar, José Luiz Pasin passou pelo Grupo Escolar Chagas Pereira, de Aparecida; Colégio São Joaquim (salesiano), de Lorena; Instituto de Educação Conselheiro Rodrigues Alves e Colégio Antônio Rodrigues Alves, ambos de Guaratinguetá. Na sequência, ingressando na Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras, de Lorena, obtém, no ano de 1962, a graduação de Licenciado em História e Geografia. Cleuza Martins afirma que, logo em seguida, o jovem Pasin “licenciou-se em Pedagogia, pela Faculdade de Educação de Guaratinguetá. Também fez complementação em Estudos Sociais, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, de Lorena e Especialização em História do Brasil, na mesma instituição. Aluno ainda, já lecionava para o primeiro ano da faculdade em que estudava. Depois de formado, lecionou em colégios particulares e tornou-se professor universitário credenciado, trabalhando em várias faculdades da região”. Ao mesmo tempo desenvolveria sua principal característica que o consagrou: a de um pesquisador rigoroso e, também, de um ambientalista devotado à causa.
             No dia 30 de junho de 1973, José Luiz Pasin e outros intelectuais, como Francisco Sodero Toledo, Nelson Pesciotta, Paulo Pereira dos Reis, Thereza Regina de Camargo Maia, José Carlos Ferreira Maia (Tom Maia), entre outros, fundam em Guaratinguetá o Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV). A iniciativa partira do Prof. Pasin, devido ao sucesso do I Simpósio de História do Vale do Paraíba, realizado em Lorena em 1972. Mais uma vez recorremos à Profª Cleuza Martins que afirma que, a entidade, sem fins lucrativos, “congrega dezenas de pessoas interessadas na pesquisa, no estudo, na preservação de documentos, monumentos, obras artísticas eruditas e populares (...), da ampliação dos arquivos e museus, do folclore regional e das festas populares”. Em 1975, após a morte de seu pai, o Prof. Pasin recebe como herança a Fazenda Boa Vista, localizada às margens da Rodovia Presidente Dutra, em Roseira Velha, Município de Roseira. O novo proprietário promove algumas adaptações, transformando a fazenda em um ecomuseu, que se torna também um pólo irradiador de cultura e conhecimento, atuando simultaneamente com o IEV; às vezes de forma independente. Consequência disso, foi que já em 1975, era realizado no Fazenda Boa Vista, o evento de lançamento do livro “Vale do Paraíba. Velhas Fazendas”, de Tom Maia e Sérgio Buarque de Holanda, o qual esteve presente à sessão de autógrafos. Muitos eventos culturais, incluindo peças teatrais, foram realizados na Fazenda Boa Vista, por José Luiz Pasin, ou por alguns de seus amigos e conhecidos. Pessoas como, Ruth Guimarães, Odete Lara, Bete Mendes, Suzana Amaral, Walmor Chagas e muitos outros, tinham presença constante no “Páteo das Artes” da Fazenda Boa Vista, que recebia também visitas de alunos das escolas da região. E, como não podia ser diferente, José Luiz Pasin criou e organizou o Arquivo da Fazenda Boa Vista, composto de vasta documentação pessoal de si e de sua família, bem como de documentos históricos, referentes ao Vale do Paraíba; integrava também o rico acervo, impressos dos eventos culturais, saraus e lançamentos de livros que eram realizados no local. Em outra frente, com o apoio de inúmeros intelectuais e escritores, não só do Vale, mas de várias partes do Brasil, o Prof. Pasin criou em 1988, a Fundação José Luiz Pasin, instalando-a nas dependências da Fazenda Boa Vista. No dia 12 de outubro de 1989, a Prefeitura Municipal de Roseira decretou como de Utilidade Pública, através do Decreto nº 624, a Fundação José Luiz Pasin. Lamentavelmente, a instituição teve duração efêmera. Além dos entraves burocráticos, os efeitos nefastos dos planos econômicos do Governo Collor, iniciado em março de 1990, prejudicaram o êxito da empreitada e a Fundação José Luiz Pasin é extinta no dia 24 de abril de 1992.
             Todavia, além de ficar conhecido no Vale do Paraíba por sua brilhante carreira como docente, pelos eventos culturais, dos quais auxiliava e organizava, o Prof. Pasin notabilizou-se ainda mais pelas suas produções acadêmicas e literárias, as quais foram frutos de uma extenuante atividade de pesquisa. Entre 1968 e 2004 publicou perto de 47 artigos históricos em revistas conceituadas, como: “Revista Genealógica Latina”, “Revista de História”, Revista do IHGSP”, “Revista da Faculdade Salesiana”, “Revista do IHGB”, “Revista Tribo”, “Revista Maktub”, “Ecos Marianos”, “Revista Ângulo”, etc. Diante de seu prestígio foi convidado a prefaciar vários livros, como os de Ocílio José Azevedo Ferraz, Francisco Sodero Toledo, Maria Aparecida Nogueira Coupé, Oswaldo Carvalho Freitas, Benedito Carlos Marcondes e muitos outros. Paralelamente colaborou para os seguintes jornais: “O Eco”, de Guaratinguetá; “Valeparaibano” (atual “O Vale”), de São José dos Campos; Informativo do IEV. Por outro lado, José Luiz Pasin publicou seu primeiro livro em 1962, “Os Ciclos Econômicos do Vale do Paraíba”. Ao todo foram quase 20 livros, sendo que o último foi publicado em 2007, “Vale do Paraíba: História e Cultura”. Dentre as obras publicadas, destacamos: “Algumas Notas para a História do Vale do Paraíba: Desbravamento e Povoamento”, de 1977; “Guaratinguetá: Tempo e Memória”, de 1983; “Vale do Paraíba: Ontem e Hoje”, de 1988; “Os Barões do Café: Titulares do Império no Vale do Paraíba Paulista”, de 2001; “A Jornada da Independência”, de 2002; e “Vale do Paraíba: A Estrada Real”, de 2004. O Prof. Pasin conciliou suas atividades docentes, literárias e acadêmicas, com as que exerceu em cargos públicos, em instituições e secretarias de cultura de municípios da região. De 1964 a 1978, foi Professor Titular de História do Brasil, História de Portugal e História do Vale do Paraíba, na Faculdade Salesiana de Lorena (hoje UNISAL). De 1964 a 1968, foi também Presidente do Centro Cultural de Estudos e Debates Eduardo Prado, de Guaratinguetá. Entre 1968 e 1970, foi Diretor do Museu Histórico e Pedagógico Conselheiro Rodrigues Alves. Nesse período, em 1969, foi também Diretor do Departamento de Educação da Prefeitura Municipal de Guaratinguetá. Ao mesmo tempo, entre 1969 e 1970, ocupou o cargo de Secretário Executivo do Conselho Municipal de Cultura de Guaratinguetá. Ainda nesse tempo, foi Delegado Regional do CONDEPHAAT, no Vale do Paraíba. Entre 1971 e 1972, foi Assessor Histórico da Cypha Filmes, de São Paulo. Entre 1975 e 1976, foi Assessor Cultural da Fundação Padre Anchieta/TV Cultura, em São Paulo. E também, entre 1973 e 1978, foi o Presidente do IEV. De 1985 a 1988, foi Secretário Municipal de Cultura de Guaratinguetá. O Mestre José Luiz Pasin, ao mesmo tempo em que exercia tais cargos e funções, foi também membro efetivo de várias instituições. Já no ano de 1962, tornou-se membro da Sociedade Geográfica Brasileira, do Instituto Histórico e Geográfico de Sorocaba. Em 1963, passou a integrar a União Brasileira de Escritores, a Associação dos Geógrafos Brasileiros e a Ordem Nacional dos Bandeirantes. No ano de 1965, ingressou na Associação Nacional dos Professores Universitários de História. Ingressou no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP) em 1969. Em 1973, como já mencionado, ingressou no IEV, fundado por sua iniciativa. Em 1975, integrou a Sociedade Para o Progresso da Ciência. No ano de 1978, tomou posse na Academia Paulista de História, E, em 1979, ingressou na Fundação Brasileira Para a Conservação da Natureza.
             O autor do presente relato conheceu pessoalmente o Prof. José Luiz Pasin, durante uma de suas inúmeras palestras e conferências sobre o Vale do Paraíba, no ano de 2004. Tal estava sendo realizada na UNISAL, em Lorena. Outros encontros profícuos ocorreram também em Guaratinguetá, no mesmo ano. Dessa vez um ciclo de debates, realizado no Museu Frei Galvão, em Guaratinguetá, organizado em conjunto com Thereza Maia. Em outras ocasiões, tanto em Lorena como em Guaratinguetá, novos encontros nos propiciaram um perfeito aprendizado junto ao Mestre. Em um desses, solicitamos e recebemos a perfeita orientação, para um ensaio acadêmico, que estávamos realizando, que redundaria, no final de 2005, em “Uma Janela no Tempo. Os Godoy Fleming no Embaú.”, publicado somente em 2015. Aos poucos, porém os contatos foram rareando, limitando-se apenas à ligações telefônicas, entre 2006 e meados de 2007. Por volta de novembro desse último ano, ao fazer uma ligação,  fomos surpreendidos com a informação de que o Mestre estava em tratamento médico. E, infelizmente, no dia 11 de janeiro de 2008, os olhos de José Luiz Pasin cerram para sempre. Seu falecimento foi divulgado amplamente pela imprensa, causando consternação em seus familiares, admiradores, colegas acadêmicos, ex-alunos, etc. O IEV, por ele idealizado e co-fundado, ficou órfão de seu principal mentor. Outros assumiriam seu legado, mas a sua ausência é sentida até hoje, passados dez anos de sua morte. O Vale do Paraíba perdeu também um árduo defensor das causas ambientais, bandeira hoje “hasteada” permanentemente pelo IEV. Outro legado principal deixado pelo Mestre Pasin, foi a criação, por sua iniciativa, da Faculdade de Roseira (FARO), nas dependências da Fazenda Boa Vista. Sua memória segue cultuada, tendo sido seu nome homenageado, em lugares, como o Museu Municipal Professor José Luiz Pasin, em Aparecida, sua terra natal. No dia 27 de julho de 2013, no encerramento do XVII Simpósio de História do Vale do Paraíba, o IEV inaugurou na FARO, um monumento em homenagem ao seu mecenas. A justa homenagem coincidiu também, com os 40 anos de fundação do IEV, ao qual este autor estava presente. Recentemente foi criado pela UNISAL e o IEV, o Centro Salesiano de Pesquisas Regionais  Prof. José Luiz Pasin (CESAPER). Como admirador de sua vasta cultura e conhecimento, prestamos aqui nossa homenagem e reverenciamos a memória do Prof. José Luiz Pasin, o Prócer da História. Até a próxima.
                                                                                                                        Eddy Carlos.  


Dicas para consulta.
ARRUDA e PILETTI, José Jobson de Andrade e Nelson. Toda a História. História Geral e História do Brasil. Editora Ática. São Paulo, 1995.
BUENO, Eduardo (Org.). História do Brasil. Publifolha. São Paulo, 1997.
CARVALHO, Cleuza Martins de. José Luiz Pasin. Um Mecenas no Final do Século XX. Editora Sila. Guaratinguetá, 2013.
PASIN, José Luiz. Pasin: Cem Anos de uma Família Italiana no Brasil. Editora Santuário. Aparecida, 1988.

Internet:

Blog: redescobrindoovale.blogspot.com.br



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